O polémico parto do maior banco europeu



Depois da Assembleia Geral (AG) da Fortis SA/NV realizada ontem em Gent, na Bélgica (ver post anterior: http://renatosoeiro.blogspot.com/2009/04/grupo-fortis-contestacao-dos.html ), realizou-se hoje, 29 de Abril de 2009, durante todo o dia, em Utrecht, na Holanda, a Assembleia Geral da Fortis N.V., a outra holding do grupo, que agora ficará com sede nesta cidade. Tal como acontecera na véspera, os accionistas presentes deram também o seu aval à venda do banco FORTIS ao BNP Paribas, operação que obteve 77,65% de votos favoráveis. Tendo em conta que para esta AG foram registados 663,4 milhões de títulos, correspondentes apenas a 26,36% do capital da holding, a opção de venda do banco acaba por ser decidida por representantes de pouco mais de 20% do capital total.

Está assim aberto o caminho para a criação do que virá a ser muito provavelmente o maior banco europeu, ficando a aguardar a necessária autorização da União Europeia para esta mega fusão. Com a “boa nova”, a cotação do BNP Paribas cresceu durante o dia 6,06%.

Nesta reunião na Holanda não se verificaram os incidentes que reportámos da reunião de ontem, na Bélgica, já que alguns dos protagonistas da contestação não compareceram, ponderando antes o início de um procedimento judicial para tentar anular a decisão.

Mas nem tudo foram rosas para os Conselhos de Administração (CA) e para os governos que os apoiam.

À semelhança do que aconteceu na véspera na reunião da holding belga, esta AG recusou-se também a dar quitação relativa à actuação do CA que conduziu o grupo à situação actual.


Seguro de responsabilidade dos administradores

Outro assunto que levantou polémica foi o do seguro de responsabilidade dos administradores. Esta decisão, que exige a presença de pelo menos 50% do capital na AG, poderia ser tomada com os 26,36% que se fizeram representar por se tratar de uma segunda convocatória.

A seguradora que tinha subscrito os seguros dos administradores do grupo FORTIS é a gigante AIG (American International Group, Inc.) que tem vivido os dias mais difíceis da sua vida, no epicentro da crise financeira global. A AIG não só não aceitou prolongar o contrato (que expira em Julho de 2009) nesta fase problemática da vida do FORTIS - até porque para problemas certamente já lhe bastam os seus -, mas invocou também a cláusula de que a mudança de controlo do grupo os desobriga de cobrir os riscos relativos a actos posteriores a 10 de Outubro de 2008, tanto dos antigos como dos novos administradores, que ficariam assim expostos a um risco a assumir pessoalmente.

Como explicava o CA na nota distribuída hoje na AG, é necessário um seguro de responsabilidade para os administradores (demitidos, actuais e futuros) sem o que, afirmam, seria difícil atrair as pessoas necessárias para a função. Propõem um valor de 100 milhões de euros por ano. Mas, apesar das tentativas feitas, não foi possível encontrar uma seguradora disposta a aceitar este risco, devido às incertezas sobre a estrutura e a a estratégia do grupo. Nesta circunstância, o CA propôs que fosse o próprio FORTIS a subscrever esse seguro. Foi proposto ainda que a protecção para os administradores da Fortis N.V. (agora com sede na Holanda, desde o ponto anterior da ordem de trabalhos) fosse igualmente extensível aos administradores da Fortis SA/NV (com sede na Bélgica), já que a lei belga não permite que esta empresa adopte tal procedimento. Foi por esta razão que o assunto não constou da agenda da AG do dia anterior, em Gent.

Esta opção de auto-seguro colocaria os accionistas na caricata situação de que, se processassem os administradores por actos considerados prejudiciais para a empresa e ganhassem os processos, estariam condenados a pagar eles próprios a indemnização decorrente da sentença.

Talvez por isso os accionistas tenham rejeitado a proposta. O facto é que a decisão precisava de ¾ dos votos expressos para ser aprovada, e tal não foi conseguido.

Grupo FORTIS – a contestação dos accionistas minoritários




Já nem nas Assembleias Gerais dos bancos há sossego...

Na sequência de uma longa batalha pelo controlo do banco Fortis, uma tensa assembleia da holding Fortis SA/NV, realizada em Gent, na Bélgica, no dia 28 de Abril de 2009, teve que ser suspensa por duas vezes. Foi com protestos, vaias, insultos de “vendidos” e até com o lançamento de dossiers e de sapatos (acção tipo Bagdad) que os accionistas minoritários da holding Fortis reagiram às propostas do Conselho de Administração de vender as unidades bancárias na Bélgica e no Luxemburgo aos franceses do BNP Paribas.

Contestam vivamente o último acordo entre o Estado belga e o banco francês, que prevê a revenda a este último de 75% do Fortis Bank e que este possa, por sua vez, assumir 25% da Fortis Insurance Belgium, a actividade de seguros do grupo na Bélgica, que é a parte mais rentável do negócio.

Os pequenos accionistas já tinham impedido por duas vezes a operação de desmantelamento do grupo. O advogado Mischaël Modrikamen, cujo escritório tem representação de mais de 2300 accionistas, propôs acções judiciais que bloquearam a venda das unidades do Fortis sem a permissão dos accionistas, e forçaram o governo da Bélgica e a administração do BNP Paribas a modificar os termos do seu acordo.


Um fundo das ilhas Caiman

Nesta Assembleia, os accionistas contestatários ficaram furiosos por ter sido recusada a votação sobre a admissibilidade dos direitos de voto de milhões de acções que consideraram suspeitas de não respeitar as regras mínimas de transparência e relativamente às quais a Administração possuía procurações. Mischaël Modrikamen interpôs uma acção em tribunal para suspender o direito de voto destas acções. No entanto, perdeu.

Modrikamen, que estranhou os “novos amigos do Conselho de Administração, cada qual mais exótico do que o outro”, contestou muito especialmente um fundo oriundo das ilhas Caiman, que aparece agora como o terceiro maior accionista do Fortis, e cujo director-geral é um antigo inspector das Finanças francês, com múltiplas ligações ao BNP Paribas. Karel De Boeck, Chief Executive Officer do Fortis, disse aos accionistas que não havia meio de conhecer a origem desses fundos.

Entre sexta e segunda-feira, véspera da Assembleia, teriam aparecido também milhões de acções, das quais não foi feita a necessária declaração de transparência, desconhecendo-se os respectivos beneficiários. Os minoritários pretendem saber quem está por detrás destes fundos especulativos.

Mesmo assim, na assembleia só esteve representado cerca de um quarto (26,15%) do capital e votaram a favor da venda 72,99% do capital presente, isto é, cerca de 19% do capital total, o que, sendo formalmente inquestionável, dá alguns argumentos aos contestatários, atendendo à importância da decisão e ao seu carácter de irreversibilidade.

Apesar de tudo, a reunião aprovou a venda pelo Estado belga ao BNP Paribas de 75% do Fortis Bank SA/NV e a este de 25% do negócio dos seguros.

Esta decisão terá de ser confirmada pela Assembleia da outra holding do grupo, a Fortis N.V., no dia 29, em Utrecht, na Holanda.

A Assembleia Geral decidiu ainda rejeitar a proposta de anular o saldo não utilizado do capital disponível e recusou dar quitação à actuação relativa ao exercício de 2008 do anterior Conselho de Administração, que colocou o banco à beira da falência. Esta quitação foi votada nome a nome e não em bloco, como é habitual e como pretendia o Conselho. Nenhum dos membros do anterior Conselho teve voto positivo, tendo o ex-presidente obtido a pior percentagem: apenas 28,01% de votos favoráveis.


O Fortis

O Fortis, símbolo maior da excelência belga no mundo dos negócios, foi salvo pelo Estado e vai agora ser entregue a um dos seus principais concorrentes privados, ainda por cima um banco francês, o que, tendo em conta as permanentes e tradicionais rivalidades entre estes dois países vizinhos, vai ferir muito particularmente a sensibilidade dos belgas mais orgulhosos.

Para termos uma ideia da ordem de grandeza do Fortis, poderá dizer-se, simplificando, que se trata de um grupo que vale cerca de dez vezes a Galp Energia, seja em volume de negócios, seja em número de empregados. No ranking da Fortune 500 relativo a 2008, o Fortis aparecia como o 14º maior grupo do mundo, enquanto que a Galp, a única presença portuguesa, se situava em 484º lugar.

O grupo Fortis, profundamente afectado pela crise financeira mundial, foi objecto de uma operação de salvação de emergência pelos governos belga, holandês e luxemburguês.

Recordemos as principais transações realizadas no fim do ano passado:

Em 29 de Setembro de 2008, a holding Fortis e o governo Belga acordaram na subscrição por este último de um aumento de capital do Fortis Bank SA/NV, no valor de 4,7 mil milhões de euros, adquirindo 49,93% das acções.

Em 3 de Outubro, o governo holandês adquiriu o Fortis Bank Nederland (Holding) N.V. por 16,8 mil milhões, dos quais 12,8 foram alocados ao Fortis Bank SA/NV e 4 à actividade de seguros.

A 6 de Outubro, foi anunciado que os restantes cerca de 50% do Fortis Bank SA/NV foram vendidos ao governo belga por quantia semelhante à primeira tranche: 4,7 mil milhões de euros.

Em Dezembro, o governo belga do primeiro-ministro Yves Leterme caiu após investigações sobre irregularidades no processo de apoio ao Fortis, nomeadamente pressões ilegais sobre o poder judicial no âmbito dos processos instaurados pelos accionistas minoritários contra as decisões do governo.

O Estado belga já injectou até agora cerca de 14 mil milhões de euros no grupo (num país com 10 milhões de habitantes, isto significa 1 400€ por habitante), dos quais 9,4 para adquirir 100% do banco Fortis. Com esta venda ao BNP Paribas, os accionistas estimam que as perdas do Estado rondem os 3,6 mil milhões.

O BNP Paribas já anunciou que as sinergias conseguidas com a aquisição poderiam significar algo como 500 milhões de euros por ano de redução de custos. Segundo as estimativas, isto deverá incluir o corte de 5 000 postos de trabalho, mas o BNP Paribas já disse que a redução de pessoal não incluirá despedimentos forçados.

Ontem, quando as transações foram suspensas devido à AG, uma acção valia 1,779 €. Há um ano valia 17,5 €, há dois andava pelos 30€ e há três anos cotava-se acima dos 35 €. Não há melhor retrato da crise.


O que temos nós a ver com isto?

Apesar de a Bélgica ser longe, temos bastante. Não só pelo lugar comum de que, num mundo globalizado, tudo tem a ver com tudo, mas porque o Fortis é o dono da Ocidental Seguros, Ocidental Vida, Pensões Gere e Médis Saúde, que têm muitos milhares de clientes em Portugal. O Millenniumbcp tem uma participação minoritária de 49% na holding Millennium BCP Fortis Grupo Segurador, proprietária daquelas empresas. A presença do Fortis nestes sectores de mercado em Portugal subiu para 16% em 2008.

Num ano de enormes prejuízos no sector bancário, foram os seguros que suavizaram as perdas do grupo Fortis, com um aumento geral de 5% no ramo Vida (valor influenciado pelo aumento de 29% das suas operações em Portugal) e no ramo Não-Vida com um aumento geral de 2% (ajudado pelo aumento de 9% em Portugal). Nos seguros de saúde, em Portugal, o aumento do Fortis foi de 13%.

E agora, Islândia?



Publicado em: www.Esquerda.net/Opinião, 27 de Abril de 2009

As eleições de 25 de Abril de 2009, na Islândia, com uma afluência às urnas superior a 85%, foram uma resposta popular à bancarrota em que o país foi mergulhado pela sua inserção plena no mundo da especulação capitalista, pelo seu desproporcionado e desregulado sistema financeiro, pela corrupção e pela fuga gigantesca de recursos para os off-shores.

O grande derrotado destas eleições foi o partido de direita, Partido da Independência, que nos últimos 70 anos foi o maior partido no parlamento e que em Janeiro teve que se demitir, na sequência das enormes manifestações populares. Num parlamento (chamado Alþingi) com 63 lugares, este partido baixou de 25 para 16 deputados, com 23,7% dos votos, o seu pior resultado de sempre. O Partido Liberal, que tinha 4 deputados, não conseguiu agora eleger nenhum.

O primeiro passo, indispensável, está dado. Os islandeses compreenderam que quem os meteu na crise não os poderia tirar dela. Pela primeira vez, deram uma maioria à esquerda. Mas a crise está longe do fim e as grandes dificuldades não vão desaparecer tão cedo.

As eleições foram ganhas pela Aliança Social Democrata, cuja líder Jóhanna Sigurðardóttir governava interinamente o país após a demissão do governo conservador; os sociais-democratas tiveram uma ligeira subida de 18 para 20 deputados, com 29,8%, afirmando-se como o maior partido face à queda da direita.

O recém-criado Movimento dos Cidadãos (que se reivindica da “revolução dos tachos e das panelas”, numa alusão às manifestações do início do ano), que defendeu uma profunda reforma do país, conseguiu 4 lugares. O Partido Progressista, uma formação conservadora com raízes no mundo agrário e das pescas, ligado à Internacional Liberal, elegeu 9 deputados.


O movimento Esquerda Verde

Mas a maior subida eleitoral foi conseguida pelo movimento Esquerda Verde (EV), que em 2003 tinha obtido 8,8% e 5 deputados, em 2007 subiu para 14,3% e 9 deputados, e agora consegue 21,7% e 14 deputados, quase igualando a bancada dos conservadores que estavam no poder. A EV tinha estabelecido um acordo com os sociais-democratas para a resposta à crise e esse acordo deverá ter continuação na formação de um novo governo maioritário, apoiado em 34 deputados.

A Esquerda Verde (Vinstrihreyfingin - grænt framboð) é um partido de esquerda, que se define como socialista, ambientalista e feminista, que defende o eco-socialismo e a democracia participativa, numa integração dos valores tradicionais da esquerda com os valores dos novos movimentos sociais.

Foi fundado em 1999 por agrupamento de militantes de várias correntes - marxistas, ecologistas e feministas - que rejeitaram o plano de fusão de forças de esquerda na Aliança Social Democrata.

A EV é um dos cinco membros da Nordic Green Left Alliance, uma aliança de partidos nórdicos que, numa cooperação com o GUE, criaram o GUE/NGL, o grupo parlamentar da esquerda no Parlamento Europeu.

Defende que todos os recursos naturais se mantenham propriedade pública e sejam explorados respeitando os valores ambientais e a conservação da natureza. No que respeita à igualdade e à justiça social, a EV defende uma repartição da riqueza mais equitativa, direitos iguais para todos, contra qualquer forma de discriminação, nomeadamente no acesso à educação, aos serviços sociais e ao direito à informação e liberdade de expressão, opondo-se à privatização dos serviços públicos. Defende o aumento dos salários e o reforço do papel dos trabalhadores na economia. No que respeita aos imigrantes, a Esquerda Verde defende a igualdade total perante a lei de todos os que vivem na Islândia, que deverão ter os mesmos direitos e obrigações.

Na política externa, opõe-se às alianças miliares, à participação da Islândia na NATO e na UEO e combateu a invasão do Iraque e do Afeganistão. Privilegia antes a participação na ONU, no Conselho da Europa e no Conselho Nórdico. Tem-se oposto também à integração na União Europeia, defendendo como alternativa a realização de acordos bi-laterais.

Este ponto poderá revelar-se como o mais problemático na actuação da EV dentro do novo governo, já que a adesão à UE e a adopção do euro no mais curto prazo possível foram dois dos mais fortes argumentos de campanha dos sociais-democratas, que estes consideram sufragados com os actuais resultados. A EV defende, no entanto, o lançamento de um grande debate nacional sobre a questão europeia.

Entre toda a esquerda nórdica há uma tradicional oposição à União Europeia, que é vista como uma interferência na soberania nacional, tendo sempre como consequência baixar os elevados níveis de protecção e de remuneração de que gozam os trabalhadores naqueles países, classificados como os melhores do mundo em muitos dos índices internacionais de qualidade de vida e justiça social. Lembro-me de uma vez, numa reunião de partidos de esquerda nórdicos, tentar explicar o que era o nosso europeísmo de esquerda e o presidente do partido anfitrião me ter respondido, muito amigavelmente, que no Norte era preciso escolher: ou se era europeísta, ou se era de esquerda, mas que não se poderia ser as duas coisas ao mesmo tempo.

A este eurocepticismo generalizado entre a esquerda nórdica, vem acrescentar-se na Islândia o receio face à política europeia de pescas, vista como co-responsável pelas dificuldades que o sector vive em vários países da União. Na Islândia, a pesca é um sector económico fundamental, responsável por mais de um terço das exportações. Focando agora a sua atenção mais nas suas possibilidades reais de produção e de criação de riqueza do que nas fantasiosas quimeras financeiras que caracterizaram a desastrosa fase anterior, é todo o modelo económico que está a ser discutido.

A Islândia vive, pois, um momento crucial da sua história; está numa encruzilhada em que vários caminhos se abrem à opção soberana dos seus cidadãos. Os desenvolvimentos neste país europeu, uma das principais vítimas da crise global, serão certamente objecto da maior atenção por parte dos analistas políticos. O papel da esquerda em todo o processo, e a forma como vai responder aos complicados desafios que tem pela frente, será certamente uma fonte de ensinamentos preciosos para todos os que trabalham para dar a esta crise uma saída que seja o mais favorável possível aos interesses dos trabalhadores.

A Turquia precisa de um 25 de Abril



Publicado em: O Gaiense, 25 de Abril de 2009

Na sequência das eleições locais de 29 de Março passado, em que o partido do poder baixou de 47 para 39%, a Turquia está sob uma onda de prisões e acções de intimidação sobre os partidos da oposição, que se reforçaram nestas eleições.

Os ataques têm sido particularmente duros contra o DTP, um partido curdo que conseguiu eleger 20 deputados para o parlamento em 2007 e que, nestas eleições locais, obteve mais de 2 milhões de votos, ganhando em 8 províncias, entre as quais Diyarbakir, capital do Curdistão, com 65,27% e em Hakkari com 78,97%. Dois vice-presidentes do DTP foram presos, juntamente com cerca de uma centena de membros do partido e duas centenas de outros foram interpelados pela polícia.

Simultaneamente, Leila Zana, uma cidadã turca que recebeu o prémio Sakharov do Parlamento Europeu para a liberdade de pensamento, foi condenada a dez anos de prisão por ter proferido discursos que desagradaram às autoridades, nomeadamente no próprio Parlamento Europeu e na House of Lords do parlamento britânico. Enfrenta neste momento 35 processos diferentes por outros tantos discursos ou simples declarações.

Nós, portugueses, que bem sabemos o que é ser julgado e condenado por ousar exprimir livremente uma opinião, não podemos deixar de expressar ao povo turco toda a nossa solidariedade e desejar-lhes, neste dia 25 de Abril, que os cravos vermelhos da revolução floresçam quanto antes no país onde a Europa acaba e a Ásia começa.

Vital Moreira, o arcaico



No programa "Prós e Contras" (RTP1, 2009-04-20) Vital Moreira, mostrando um gráfico com os grupos políticos do Parlamento Europeu, afirmou que o Bloco pertence ao "grupo dos partidos comunistas associados, ao qual o Bloco de Esquerda estranhamente se resolveu associar".

Acontece que o Bloco de facto não pertence ao "grupo dos partidos comunistas associados". E, já agora, esclareça-se que o PCP também não pertence a esse grupo, pela simples razão de que esse grupo não existe.

Se Vital Moreira se desse ao trabalho de ler a legenda inscrita no gráfico que exibiu, poderia informar-se sobre o grupo que estes deputados integram: é o GUE/NGL, grupo da Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Nórdica Verde.

Compreendemos a confusão de Vital Moreira. De facto, no "seu tempo", havia no Parlamento Europeu um grupo com uma designação próxima daquela que referiu: chamava-se "Grupo Comunista e Afins", um nome horrível, não para os comunistas, mas para os "afins", designação que encerra (como a de "associados", aliás) uma conotação de subalternidade ou de secundarização muito pouco dignificante. Mas, na actual legislatura, esse grupo já não existe. Vital está, pois, desactualizado.

Mas talvez "desactualizado" não seja a palavra certa para classificar Vital Moreira. Porque há dez anos, quando se criaram os grupos resultantes das eleições de 1999, também não foi formado tal grupo. E já em 1995, consta dos registos do PE o grupo da Esquerda Unitária Europeia / Esquerda Nórdica Verde. Vital não está desactualizado, está completamente ultrapassado. Mas podemos continuar a recuar no tempo. Em resultado das eleições de 1989 foi formado um grupo chamado Coligação de Esquerda. Só mesmo antes de 1989 é que podemos encontrar o tal Grupo Comunista e Afins.

O quadro de referência política de Vital Moreira tem, pelo menos, duas décadas de atraso. E não são duas décadas quaisquer, sobretudo para as reconfigurações da esquerda. Lembremo-nos apenas que 1989 é o ano da queda do Muro de Berlim, o marco mais simbólico do desmoronamento dos regimes do Leste europeu, facto que não é obviamente alheio à recomposição de todas as forças de esquerda e também, consequentemente, do grupo parlamentar no PE.

Vendo a esquerda através das suas velhas referências pré-queda do Muro, Vital Moreira não conseguirá perceber o que se passa à sua volta. Nem em Portugal, nem muito menos na Europa e no Parlamento Europeu, onde vai ter de conviver com muitas e diferentes esquerdas, cujas referências e percursos políticos nada têm a ver com a caricatura que tentou passar na RTP. A visão de Vital Moreira sobre as esquerdas na Europa não está desactualizada, é antes uma visão arcaica de um mundo que já não existe.

Para acabar de vez com o G20



Publicado em: O Gaiense, 18 de Abril de 2009

Uma comissão de especialistas estabelecida pela ONU para analisar a reforma do sistema financeiro e monetário internacional, liderada por Joseph Stiglitz, Nobel da Economia 2001, está a propor a criação de um Conselho Económico Global, que teria a função de promover a cooperação económica e financeira mundial. Segundo os especialistas, este Conselho deveria ser considerado, na arquitectura das Nações Unidas, a um nível semelhante ao do Conselho de Segurança.

Chamando a atenção para a necessidade de uma resposta verdadeiramente global a uma crise que é global, os especialistas da ONU criticaram a limitada representatividade e legitimidade do G20 para falar e decidir em nome do mundo. “Não é do G7, do G8 ou mesmo do G20 que precisamos, mas sim de um G192” (192 é o número de países da ONU).

Lembram que as medidas que tinham sido propostas pelas autoridades financeiras do grupo G7 fracassaram totalmente e que é precisa hoje uma alteração profunda do sistema e não apenas um alargamento do grupo.

O Conselho Económico Global teria representação dos países mais ricos e dos países mais pobres, dos mais desenvolvidos e dos que estão em vias de desenvolvimento, e poderia encontrar soluções mais equilibradas e eficazes do que a reunião exclusiva das vinte economias mais ricas do planeta. Deveria também cooperar com as outras organizações de âmbito mundial, nomeadamente com a Organização Mundial do Trabalho.

Os resultados da cimeira do G20, em Londres, só vieram reforçar a ideia de que vai ser de facto necessário encontrar um outro âmbito para resolver o problema que temos pela frente.

Nós, portugueses

Não vale a pena discutir. Qualquer que seja o resultado das eleições, nós, portugueses, apoiamos Durão Barroso para mais um mandato à frente da Comissão Europeia. Com esta posição, aparesentada como muito patriótica e europeísta, Sócrates e o PS cravam mais um prego no caixão da democracia europeia.



Há, em Portugal e nos outros 26 Estados-membros da UE, uma notória falta de debate público sobre as políticas concretas da União, sendo estas apresentadas normalmente como soluções meramente técnicas e neutras ou, quando é impossível negar o seu carácter político, como inevitáveis e sem alternativa. Mas, se as soluções são técnicas, porque não deixá-las a cargo dos técnicos? E se são inevitáveis, então deveriam ser também invotáveis, já que, em democracia, só se vota quando há várias alternativas possíveis. A inevitabilidade não é compatível com uma escolha livre.

É devido a esta visão das políticas europeias como sendo as únicas possíveis que as instituições europeias investem sobretudo em informação e não na promoção do debate; e é também esta ideia que baseia a posição dominante de que, quando os povos se opõem ao que lhes é proposto (como fizeram com o Tratado) é apenas por falta de informação e não por terem uma opinião fundamentada e contrária. A solução nunca seria ouvir e respeitar a diferença, muito menos alterar a política, mas apenas insistir com mais propaganda para promover a adesão e o apoio dos cidadãos ao projecto europeu tal como está hoje desenhado.

No entanto, o afastamento dos cidadãos relativamente à vida política da UE e o crescente desinteresse pelas eleições europeias é uma consequência lógica do sentimento generalizado de que parece não haver uma relação directa entre o voto dos eleitores e as políticas concretas da União, que se querem blindadas face à incerteza dos resultados do voto popular.

A última vez que se abriu deliberadamente a porta à entrada da voz do povo nos assuntos europeus com um carácter deliberativo, foi nos referendos ao Tratado Constitucional. Compreendido que foi que a voz do povo não afina no coro do poder das lideranças europeias, rapidamente esta porta foi fechada com estrondo na cara dos eleitores. Voltou-se, então, à política do consenso entre os chefes.

Para além do Tratado, uma outra matéria reservada deste consenso dos chefes é a escolha do Presidente da Comissão Europeia, que é não só a face mais visível da União, a nível interno e externo, mas também uma figura chave na arquitectura constitucional europeia, dadas as vastas competências do órgão a que preside, entre as quais a está a competência exclusiva de iniciar um processo de produção legislativa. Os co-legisladores (o Parlamento e o Conselho) decidem sobre a legislação, mas não decidem sobre o que decidem, só podendo decidir sobre aquilo que a Comissão entender que podem decidir.

A presidência da Comissão é, pois, um cargo altamente politizado e decisivo no panorama europeu. Como compreender então o apoio de Sócrates e do governo PS à recandidatura de Durão Barroso?

Para além dos comentários óbvios, mais ou menos malévolos, sobre a identificação das suas políticas, há uma outra dimensão que não pode deixar de ser considerada. O apoio a Barroso é apresentado como uma opção “patriótica”, matéria de consenso que se sobrepõe à disputa política, assunto que deve ser despolitizado. Nós, portugueses, apoiamos Barroso. Salazar não deixaria de apreciar este fervor patriótico de unidade nacional acima das divisões partidárias.

E note-se que Sócrates apoia Barroso antes das eleições europeias e independentemente do seu resultado. Contrariamente a esta visão do nosso primeiro-ministro, o próprio Tratado prevê que “Tendo em conta as eleições para o Parlamento Europeu e depois de proceder às consultas adequadas, o Conselho Europeu, deliberando por maioria qualificada, propõe ao Parlamento Europeu um candidato ao cargo de Presidente da Comissão.” Será que os socialistas já desistiram de ganhar as eleições europeias e de que o resultado das eleições seja tido em conta na escolha do futuro Presidente da Comissão? Talvez, mas pior do que isso, o que o PS nos diz claramente é que, neste como noutros dossiers relevantes da UE, os eleitores não terão qualquer voto na matéria.

Quando votam nas eleições para o Parlamento português, os eleitores sabem que do seu voto dependerá a política a ser seguida, bem como a escolha do primeiro-ministro. Agora, que vão votar para o Parlamento Europeu, o que lhes é dito é que o seu voto não irá mudar nada.

Este é o tipo de atitudes que influencia fortemente o baixo grau de envolvimento da população na política europeia, e só pode alimentar o crónico desinteresse e a fraca taxa de afluência às urnas nas eleições europeias.

Entre os estudiosos que debatem a construção europeia, há vários autores que defendem esta linha de actuação, considerando que, para proteger o projecto, deve evitar-se a sua excessiva politização. Lembram que o êxito dos “pais fundadores” aquando da criação das instituições europeias se ficou a dever à sua habilidade para evitar conflitos ideológicos, que seriam fatais numa Europa construída na base de países que tinham acabado de se digladiar numa guerra total. Muitos defendem que a despolitização da questão europeia continua hoje a ser fundamental para a continuidade do projecto, que só poderá avançar protegido da luta política e da pressão imprevisível do voto popular.

Outros, pelo contrário, defendem que só a politização da questão europeia pode voltar a despertar o interesse das populações e ganhar o apoio dos eleitores. Sem reavivar a chama da democracia, não se poderá voltar a entusiasmar os cidadãos pelo projecto europeu. Sem uma disputa aberta, sem alternativas claras, nomeadamente no que se refere à escolha dos principais protagonistas, a indiferença continuará a minar a relação das populações com as instituições da União e as surpresas “desagradáveis”, como as dos últimos referendos, serão cada vez mais frequentes.

Nesta perspectiva, nas eleições de 2009, que serão mais uma vez basicamente nacionais, os partidos europeus não se deveriam ter limitado à apresentação dos respectivos manifestos eleitorais; deveriam ter apresentado cada um o seu candidato a Presidente da Comissão, de forma a que os diferentes projectos aparecessem associados a um rosto e a uma política europeia demarcada da dos outros partidos. Isto introduziria alguma clareza nas alternativas em apreço, daria uma dimensão verdadeiramente europeia às eleições e poderia entusiasmar os eleitores numa saudável disputa para além dos estreitos limites geográficos e temáticos das campanhas nacionais.

Democratizar a UE: eis um projecto inadiável que não goza ainda de grande apoio, na Europa como em Portugal. Aliás, no nosso país, a questão europeia foi apresentada desde o início como objecto de consenso, um verdadeiro e indiscutível “desígnio nacional”. Mas é precisamente nesta política do consenso que reside a chave ideológica do défice democrático europeu.

A democracia não é o reino enevoado do consenso, é um mundo vivo de escolhas e de alternativas. Para democratizar a UE vai ser preciso politizá-la e entregá-la transparente nas mãos soberanas dos povos, rompendo de vez com a opacidade podre dos consensos e acordos à porta fechada. Como aquele que nos querem agora impingir em torno de Durão Barroso e que, nem nós, portugueses, nem nós, europeus, estamos condenados a engolir e calar.

Problemas do apoio de Sócrates a Barroso

Publicado em: O Gaiense, 11 de Abril de 2009

A declaração de apoio oficial do PS à prevista recandidatura de Durão Barroso à presidência da Comissão Europeia, enunciada esta semana por José Sócrates, tem consequências mais profundas e problemáticas do que à primeira vista pode parecer. Até porque o CDS não hesitará em juntar a sua voz a este coro.

Não é que este apoio seja novidade, já que esta versão “patriótica” do bloco central para uso externo tem sido uma constante da política portuguesa, mesmo quando o bloco central não está operativo no âmbito governamental interno.

Quando os portugueses são chamados a eleger o Parlamento nacional, fazem escolhas que têm consequências que todas as pessoas entendem: da distribuição das forças parlamentares resultará uma política, um governo, um primeiro-ministro.

Mas, agora que são chamados a eleger o Parlamento Europeu, a mensagem que lhes é transmitida é que, qualquer que seja a sua opção entre PS, PSD ou CDS, o resultado será o mesmo no que respeita à presidência da Comissão e à sua política.

Depois de terem neutralizado a força do voto popular na decisão sobre o Tratado de Lisboa, acabam agora de afirmar que os votos não terão também qualquer influência na escolha do chefe do executivo, a face mais visível da política europeia.

A democracia da UE continua refém de forças que se protegem cada vez mais da incerteza do voto directo do povo. É por isso que a abstenção cresce de eleição em eleição. Não é com campanhas publicitárias, como a que está agora na rua, que se pode resolver o problema, mas sim fazendo o povo sentir que é o seu voto que decide sobre as políticas e os políticos que dirigem a União.

Páscoa

Férias: viver, ler, pensar.



Num mundo mergulhado em excesso de acontecimentos e de informação, de imperativos e de solicitações, que teima em mobilizar a totalidade de cada um de nós (mesmo das crianças) numa vertigem de consumo do recurso último e fundamental que é o tempo, parar é, já em si, uma recusa plena de significado e uma pequena revolução possível.










Na Páscoa, há quem faça tapetes de flores para o cortejo de deus passar.
Aqui, é ele que faz tapetes de flores para nós passarmos.

NATO next meeting is in Portugal - a próxima cimeira é em Portugal



NATO’s Heads of State and Government decided that next meeting will be held in Portugal.
May be it will include a pilgrimage to the tomb of Salazar, NATO’s Founding Father.

Os chefes de Estado e de governo da NATO decidiram que a próxima cimeira é em Portugal.
Talvez inclua no programa uma romagem ao túmulo de Salazar, pai fundador da organização.

Diz o comunicado final:

NATO
Strasbourg / Kehl Summit Declaration



Issued by the Heads of State and Government participating in the meeting of the North Atlantic Council in Strasbourg / Kehl on 4 April 2009




(last paragraph:)



We will meet next in Portugal to approve a new Strategic Concept and give further direction to ensure that NATO can successfully continue to defend peace, democracy and security in the Euro-Atlantic area and beyond.


Strasbourg - zona de guerra e paz / war zone, peace city

Strasbourg, 4 de Abril de 2009 – comemoração dos 60 anos da NATO

Fotos de Renato Soeiro e Nora Circosta
(material copyleft - pode ser usado livremente, mencionando a fonte)


Strasbourg foi transformado pela NATO e pelas autoridades francesas e alemãs num verdadeiro cenário de guerra. O que não se estranha, já que a guerra é a cultura natural da NATO.







O impressionante dispositivo de forças militares e policiais que, por ar, rio e terra, sequestraram a cidade, actuou à margem da lei e dos acordos realizados antes entre as autoridades locais e os organizadores da manifestação, acordos esses já em si extremamente limitativos da liberdade de expressão cidadã: a manifestação tinha sido cnfinada e relegada para uma zona periférica da cidade. Mas nem isso foi respeitado.

Em todas as direcções, os acessos que conduziam à zona de concentração dos manifestantes foram cortados. As ruas foram bloqueadas com enorme aparato bélico e verdadeiras muralhas de aço.







Pontes foram bloqueadas, nomeadamente a ponte da Europa, sobre o rio Reno, por onde chegariam os milhares de manifestantes vindos da Alemanha. A manifestação estava autorizada, mas os manifestantes não foram autorizados a passar. Esta ponte, simbolicamente construída e baptizada como um traço de união entre os antigos Estados beligerantes, deixou de ligar os dois países, passou a simbolizar o seu contrário. Não adiantava o argumento de que a manifestação estava autorizada. A ordem era de todos teriam de se submeter às novas instruções que estavam agora a ser dadas. Porém, a submissão não é a cultura dominante deste lado da barricada. Rompido o acordo pelo lado das forças da ordem, era difícil esperar que fosse mantido do outro lado. E os resultados que se podem ver abaixo mostram bem como a arrogância das forças repressivas se pode combinar com a incompetência e inoperância.

























Tentou-se a "pax christi", mas a coisa não foi fácil...





Retidos em enormes grupos, durante várias horas, em diferentes pontos da periferia da cidade, impedidos mesmo de regressar ao centro no fim da manifestação, os manifestantes foram depois autorizados a passar um a um, apresentando a sua identificação, obrigados a deixar as suas bandeiras e informados de que na cidade não estavam autorizados os gritos de slogans.









Apesar de tudo, realizou-se a manifestação possível. Ninguém se arrependeu de ter vindo a Strasbourg afirmar que a construção de um mundo de paz é possível, mas que nesse mundo a NATO não tem lugar.