A Comissão Europeia e o Tribunal de Justiça contra o Luxemburgo

Publicado em: Global (in Esquerda 31), Outubro de 2008

Continuam as lutas em torno do direito do trabalho na UE


1. O que está em causa

Um recente acórdão do Tribunal de Justiça, no caso que opôs a Comissão Europeia (CE) ao Luxemburgo, veio aumentar a incerteza e a revolta no mundo do trabalho. É uma decisão que se situa na linha outros polémicos acórdãos, como os dos casos Laval, Viking ou Rüffert, a que o Global já se referiu (ver Esquerda 28).

Está em causa uma lei relativa a trabalhadores destacados por empresas estrangeiras para prestarem serviços no Luxemburgo. Trata-se do país com maior percentagem de trabalhadores estrangeiros: imigrantes de longa duração, trabalhadores destacados e outros que atravessam a fronteira diariamente para trabalhar.

A lei previa a obrigação de haver um contrato de trabalho escrito, a adaptação automática da remuneração à evolução do custo de vida, estabelecia que as empresas colocassem à disposição da Inspecção do Trabalho os elementos indispensáveis para a fiscalização, como a identificação dos trabalhadores, qualificação profissional, qualidade em que foram contratados, actividade que exercem, local de trabalho no Luxemburgo e duração dos trabalhos, entidade de segurança social junto da qual esteja seguro e uma cópia do contrato de trabalho.

Qualquer empresa que não se encontre domiciliada neste país estaria obrigada a conservar no Luxemburgo os documentos necessários à fiscalização através de um mandatário ad hoc aí residente.


2. Actualização dos salários pela inflação

Relativamente à actualização automática das remunerações, a CE afirma que a Directiva europeia sobre destacamento de trabalhadores apenas autoriza a regulamentação das remunerações salariais mínimas e não das restantes. Assim, o Luxemburgo estaria a exorbitar das suas competências, ao exigir que qualquer salário seja actualizado pela inflação.
O Luxemburgo alegou que a sua lei tem por objectivo garantir a paz social por proteger os trabalhadores contra a inflação, constituindo um imperativo de ordem pública.

Mas o Tribunal recusou o argumento por considerar que não foi demonstrado se, e em que medida, a adaptação automática dos salários à evolução do custo de vida pode contribuir para a realização da paz social.

Para o Tribunal, esta actualização automática constitui uma derrogação ao princípio da livre prestação de serviços, que só poderia justificar-se por motivo imperativo de ordem pública, o qual deve ser sempre objecto de interpretação estrita e não pode ser determinado unilateralmente, sem controlo da Comunidade Europeia.


3. Imposição de existência de um contrato escrito

O Luxemburgo considerou que a realização de contratos escritos é de interesse público, pois tem por objectivo a protecção dos trabalhadores contra um eventual desconhecimento dos seus direitos e proporciona maior transparência no mercado de trabalho.

O Tribunal contrapôs que esta disposição submete as empresas a uma obrigação a que já estariam sujeitas no Estado onde estão estabelecidas. Acresce que esta obrigação suplementar é susceptível de dissuadir as empresas de exercerem a sua liberdade de prestação de serviços.


4. A fiscalização dos contratos

À Inspecção do Trabalho do Luxemburgo foram atribuídas vastas funções de fiscalização da situação dos trabalhadores destacados. Pode ordenar a suspensão da actividade se o empregador não satisfizer o pedido de informações e dar origem a procedimentos penais.

Diz a CE que é ao Estado de estabelecimento da empresa que cabe fiscalizar a legalidade dos contratos e não ao Estado de acolhimento. Em Portugal, todos sabemos como é eficaz a fiscalização das condições em que se contratam trabalhadores para os destacar temporariamente. As autoridades do Luxemburgo também estão cientes dessa eficaz fiscalização feita em vários países. Daí terem considerado que era sua obrigação confirmar que tudo se passa conforme a lei.

Mas o Tribunal considerou que o procedimento da fiscalização pode ser ambíguo e pode dissuadir as empresas de exercerem a sua liberdade de prestação de serviços, violando o Tratado.


5. Sobre a conservação dos documentos necessários à fiscalização

A CE considera que obrigar as empresas a entregar, no início do destacamento, os documentos necessários à fiscalização, consubstancia uma restrição à livre prestação de serviços, já que a cooperação entre os países da UE tornaria supérflua esta obrigação. Durante o serviço, também não pode ser exigido que os documentos sejam depositados num mandatário residente, já que podem ser conservados na posse de um dos trabalhadores.

Concluído o destacamento, obrigar as empresas que têm sede fora do território a designarem um mandatário encarregado de conservar os documentos, constituiria uma restrição à livre prestação de serviços, já que os inerentes custos poderiam afectar a concorrência e levar algumas empresas a desistir de prestar serviços no Luxemburgo.

O Luxemburgo contrapõe que a cooperação a que a CE se refere não funciona e que a obrigação de ter um depositário era uma exigência indispensável. Mas o Tribunal não concordou.

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