Publicado em: O Gaiense, 30 de Outubro de 2010
Houve tempos não muito distantes (todos nos lembramos) em que os Orçamentos de Estado se condicionavam pelo dogma europeu do limite do défice a 3%. Hoje, o défice continua a ser uma obsessão, mas o carácter sacrossanto daquele número passou de moda. Há um outro espectro que projecta a sua sombra sobre os Orçamentos de Estado de uma forma ainda mais impositiva: a opinião e as reacções dos mercados financeiros. Se os salários e as despesas sociais não baixarem, os mercados financeiros zangam-se. Se os partidos não se entenderem, os mercados financeiros aumentam a nossa taxa de juro. Quem nos faz imposições já não é só Bruxelas que, apesar do que muitas vezes se diz, ainda tem um rosto, ou vários rostos, que podemos conhecer, criticar, atacar. Quem condiciona as decisões que hoje estão a ser tomadas em Portugal (e noutros países) são os mercados financeiros, essas vagas entidades implacáveis e sem rosto, que estariam por isso ao abrigo de qualquer crítica. Os governantes e os seus parceiros da oposição nem gostam, nem deixam de gostar dos mercados financeiros; reconhecem-nos simplesmente como a condicionante suprema da sua acção política. É a aceitação de facto de que, para além da independência económica, acabamos de perder também a independência política. O argumento chave desta lógica perversa é só um: a inevitabilidade.
Os mercados, quando prevêm que o futuro das nossas finanças pode ser problemático, aumentam a taxa de juro da dívida pública, ajudando com isso a que as suas próprias previsões se confirmem. Simultaneamente, o Banco Central Europeu - organismo público - continua a emprestar ao sector financeiro privado à mesma taxa de juro de referência de 1%, mas os Estados - organismos públicos - têm de se financiar nos mercados financeiros privados a 4, 6 ou 7%. Para quem paga, isto é um claro absurdo. Para quem cobra, é um negócio fácil e altamente rentável.
O resultado é uma gigantesca transferência de fundos das populações dos diferentes Estados para os detentores do capital, aquela gente muito concreta, mas sem rosto, a cujos investimentos chamamos mercados financeiros e que, no fundo, nos está a emprestar a taxas proibitivas o nosso próprio dinheiro, aquele que nos sacou anteriormente, ao longo dos anos em que tem durado este processo de extorsão.
Sem comentários:
Enviar um comentário