O reflexo e a reflexão



Publicado em: O Gaiense, 4 de Junho de 2011

A que propósito os nossos legisladores instituíram a véspera de eleições como dia de reflexão, se praticamente ninguém dedica estes pacatos sábados a refletir sobre o que vai fazer no domingo? Mas talvez eles tenham feito bem, apesar de tudo. Reflitamos um pouco.

Quando as coisas correm mal no país, é por vezes difícil encontrar quem assuma ter votado nos vencedores. Mas, se ganharam, foi porque muita gente votou neles. Podemos ocultar ou mentir sobre o nosso voto perante toda a gente, mas há alguém que sabe qual foi a nossa decisão e nos cobra pesadamente: é aquela pessoa que em cada manhã se cruza connosco do outro lado do espelho (esse impiedoso instrumento de reflexão), que nos interpela olhos nos olhos e não deixa de nos atormentar quando entende que temos uma quota parte de culpa pelos males que vivemos. A esse cruel juiz ninguém consegue escapar.

Quando, depois do dia 5, estivermos a viver as consequências concretas da nossa escolha coletiva, teremos de enfrentar aquela cara a olhar para nós todos os dias. Pode ter uma expressão de orgulho e aprovação, ou então de arrependimento, ou até mesmo de raiva e condenação. Mas será tarde para mudar. Durante quatro longos anos teremos de conviver com ela. 

No sábado de reflexão, seria porventura essa a pessoa que deveríamos consultar, aproveitando para nos questionarmos sem pressa, frente ao espelho da nossa consciência, sobre o que vamos fazer no dia seguinte. Para podermos assumir intimamente e por inteiro a nossa escolha e conseguirmos depois viver em paz connosco.

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