Um NÃO que diz “sim” à Europa

Publicado em: O Gaiense, 28 de Junho de 2008

O Eurobarómetro acaba de publicar um estudo sobre o referendo na Irlanda. Confirma-se que os irlandeses apoiam (89%) a participação na UE. O desenvolvimento da sua economia, apesar das desigualdades, faz inveja a muitos países, incluindo o nosso. O Não ao Tratado de Lisboa (TL) não foi, de modo algum, um voto contra a UE. As maiores percentagens do Não, verificadas nas zonas operárias e rurais, os 74% entre os trabalhadores manuais e 65% nos jovens até aos 24 anos, são antes um grito de revolta contra o rumo que a UE está a seguir e do qual o TL é uma expressão concentrada.

O abandono do princípio de cada Estado ter um Comissário teve também forte repercussão. É claro que nos grandes países, cuja presença na Comissão nunca estará em causa, não se entende a importância que isto pode ter para países pequenos. Como não entendem até que ponto o pendor militarista do TL pode causar repulsa num país que se orgulha da sua neutralidade.

Agora, é a ideia de um segundo referendo que está a chocar a Irlanda, até porque é avançada por dirigentes que negaram esse direito aos seus próprios povos. Quando se faz um referendo, em democracia, tem de considerar-se que todas as possíveis respostas são aceitáveis e democráticas. Este é um princípio básico que o pragmatismo dos dirigentes da UE quer ignorar. A revolta na Irlanda é tal que até no Partido Trabalhista, um aparentado do nosso PS que fez campanha pelo Sim, se fala em passar para o campo do Não se o referendo for repetido.

Se a regra é a unanimidade a 27, continuar as ratificações depois de um Não é uma violação chocante dos princípios do Estado de Direito, que descredibiliza uma UE que dá lições sobre o Estado de Direito pelos quatro cantos do mundo.

Euro2008: Irlanda 1 – Bruxelas 0

Publicado em: O Gaiense, 21 de Junho de 2008

O jogo foi renhido, mas todos os comentadores com alguma isenção reconhecem que a equipa da Irlanda esteve melhor e que a vitória foi justa. Esta derrota poderá pôr fim às aspirações da equipa de Bruxelas, que sonhava ganhar este torneio.

Lembremo-nos que a actual competição não é mais do que a repetição do Euro2005, cancelado antes da final, quando a mesma esquadra azul-amarela de Bruxelas foi derrotada pelas fortíssimas equipas de França e da Holanda. Decidiram recomeçar o torneio de forma mais segura: negociando vitórias na secretaria, evitando o perigo dos jogos no campo, onde o resultado final é sempre incerto porque depende dos jogadores. Os dirigentes irlandeses, manietados por regras mais estritas da sua Federação, não conseguiram evitar que o jogo se realizasse. Agora o resultado está aí.

Mas, surpreendentemente, há membros da equipa de arbitragem (em que se incluem alguns responsáveis portugueses) que já avançaram a proposta de que jogo perdido deve ser repetido. Outros dizem que o campeonato deve continuar excluindo a equipa vencedora e mantendo os derrotados. Esta escandalosa falta de fair play está a indignar milhões de adeptos por toda a Europa. Há já quem defenda a necessidade urgente de um processo "apito estrelado" para repor as regras básicas da transparência e o respeito pela verdade desportiva, nomeadamente contra todos aqueles que negociaram os resultados fugindo ao confronto leal dentro das quatro linhas.

Este processo poderá ter mais desenvolvimentos em Junho de 2009, com castigos severos aos autores e cúmplices destas baixas manobras que acabam por afastar cada vez mais o público dos estádios.

Bem-vindos ao século dezanove

Publicado em: O Gaiense, 14 de Junho de 2008

O Conselho Europeu, reunido esta semana, chegou a acordo sobre uma proposta de directiva relativa ao tempo de trabalho. Em suma, estabelece-se um máximo semanal de 48 horas mas, sobretudo, aceita-se uma cláusula de opt-out que eleva este número para 60 horas, e mesmo para 65 ou 78 em alguns casos específicos. Trabalhar é preciso, viver não é preciso…

A decisão não foi unânime. O governo espanhol, por exemplo, considerou que esta norma é um enorme retrocesso social da UE. Na verdade, trata-se de um regresso ao século XIX, mais chocante ainda quando pensamos nos prodigiosos avanços tecnológicos e de produtividade que nos trouxeram até ao século XXI. É caso para dizer: não foi para isto que fizemos o século XX. O progresso da humanidade tem o sentido precisamente contrário aos sinais que chegam do Conselho. Seria a primeira vez na história recente que se inverteria a tendência da nossa civilização de redução do tempo de trabalho para uma maior humanização da vida pessoal e familiar.

Mas a proposta terá ainda de passar no Parlamento Europeu. E vale a pena lembrar que esta directiva, encalhada há anos no Conselho por desacordo de vários Estados-membros, só avançou agora porque as recentes eleições em França e na Itália levaram a que estes governos deixassem de se opor, permitindo a construção de uma maioria qualificada que nunca tinha sido conseguida. O voto dos cidadãos franceses e italianos fez toda a diferença para os restantes europeus. Dizia-se nas nossas primeiras eleições que o voto é a arma do povo. Depende de como se vota. Pelos vistos, pode ser também uma arma contra o povo.

Maré viva de pescadores em Bruxelas

Texto publicado em: O Gaiense, em 7 de Junho de 2008

Esta semana o mar esteve agitado em Bruxelas. Em greve contra condições impossíveis de trabalho, pescadores de vários países europeus trocaram os barcos por autocarros, mudaram o rumo e dirigiram-se à capital da UE. Explicava um deles às televisões: pedimos ajuda aos nossos governos, todos nos dizem que gostavam muito de ajudar mas não podem porque Bruxelas não deixa. Ora se a culpa é de Bruxelas, cá estamos nós em Bruxelas.

E ninguém diga que Bruxelas não dá importância aos pescadores. As barreiras de arame farpado, canhões de água, polícias de choque, helicópteros e toda a parafernália de material bélico disponibilizado com generosa abundância para os receber, revela tudo menos indiferença. E houve também disponibilidade e abertura para o diálogo. Uma delegação dos pescadores foi recebida na Comissão Europeia por um responsável pela política das pescas.

Mas quando a delegação saiu e explicou que a resposta da Comissão era que as ajudas públicas são distorções da concorrência que violam as disposições do Tratado, aí aquele mar de gente já algo agitado, transformou-se numa verdadeira maré viva. Arrancaram pedras da calçada e deixaram a sua opinião expressa nas fachadas envidraçadas dos edifícios da Comissão. Pintaram slogans, queimaram contentores de lixo e um automóvel. Foram presos.

Talvez tenham assistido na televisão a alguns dos inúmeros debates e programas evocativos dos 40 anos do Maio de 68 e tenham decidido contribuir, de uma forma menos analítica talvez mas seguramente mais próxima do original, para afirmar que o espírito de Maio está vivo. Eu pude confirmar: em Bruxelas, nos passeios da famosa rue de la Loi, sous les pavés, c’est la plage.















Os combustíveis, a concorrência e a Noruega

Publicado em: O Gaiense, 31 de Maio de 2008

Muito se tem falado da concorrência (ou da falta dela) no sector dos produtos petrolíferos e da sua influência nos preços dos combustíveis. No entanto, vale a pena pensarmos de que concorrência se trata. A nossa economia comporta vários sectores – privado, público, social – que prosseguem objectivos distintos. O que se passou em Portugal no sector dos produtos petrolíferos resultou de uma estratégia inteligente dos operadores privados – nacionais e estrangeiros – com vista à concentração total deste negócio nas suas mãos. Acabou aí a verdadeira concorrência, passámos a um regime de controlo absoluto por parte de um pequeno grupo de players com interesses comuns, um oligopólio.

Só a presença no mercado de uma forte empresa do sector público, como era a GALP, poderá trazer de volta a concorrência a sério, aquela que se processa entre interesses diferentes. E permitiria também apoiar a entrada no negócio do retalho de actores do sector social, como pequenos clubes e associações sem fins lucrativos ou IPSS, que poderiam ter uma bomba de gasolina nos seus terrenos ou em locais cedidos pelas autarquias, ajudando a aligeirar as suas dificuldades económicas.

Empresas públicas no sector dos petróleos têm sido determinantes no novo desenvolvimento de alguns países da América Latina. Mas não precisamos de olhar tão longe. O país com melhor qualidade de vida do mundo situa-se na Europa. Agora que o seu rei nos visitou, a Noruega deixou de ser tema de especialistas e entrou na casa de todos pelos telejornais, que falaram de uma economia moderna onde um forte sector público, nomeadamente no ramo dos petróleos, ajuda a financiar políticas sociais a sério. Não é que na Noruega não tenha havido pressões para entregar todos os negócios rentáveis aos privados. Mas os noruegueses compreenderam o que tinham a perder: a melhor protecção social pública que faz com que a desigualdade não tenha a face cruel que apresenta por cá.