Belém do Pará - As noites quentes da Praça da República



Durante o Fórum Social Mundial, a cidade de Belém do Pará fervilha no contacto entre a população local e a estranha população flutuante que inunda as sucessivas capitais do movimento alterglobal.

Um ponto de encontro inevitável é a Praça da República, onde aos domingos tem lugar a feira dos artesãos.

Junto ao Theatro da Paz (a mais antiga casa de espectáculos da Amazónia, imponente construção do século XIX que se diz feita à imagem do Scalla de Milão), situa-se o Bar do Parque, uma pequeníssima construção do mesmo estilo e da mesma época do Theatro, a partir do qual se servem, numa animada esplanada, as caipirinhas e a cerveja Cerpa em garrafas de 600ml. Artesãos vendem de mesa em mesa brincos e colares feitos de ossos de peixes do Amazonas e penas de arara, as biojóias, como são chamadas por aqui.

Numa mesa qualquer, um homem com longas rastas toca um charango - instrumento de dez cordas típico de toda a zona dos Andes -, acompanhado por inúmeros instrumentos de percussão, que passam de mesa em mesa, para acompanhamentos improvisados de democracia musical participativa. No Fórum, a festa nunca pode faltar.

Entre as mulatas que não conseguem resistir ao embalo da música, uma capta especialmente as atenções. Não só pela perfeição do conjunto, pela mini mini-saia ou pelo decote apropriado para fazer frente ao calor húmido do Verão do Pará, mas sobretudo porque tem a cabeça decorada com duas orelhas de onça, lembrando a quem a vê os enormes perigos das noites da Amazónia, que os olhares e os sorrisos que distribui sublinham a amarelo vivo fluorescente.

Mas toda a esplanada se anima especialmente quando de muito alto cai uma manga madura, aterrando com estrondo nas mesas metálicas, ou num copo, ou numa cabeça qualquer. Ninguém se incomoda, que quando elas caiem estão boas para comer. Abençoado o povo a quem o céu envia mangas frescas para consumo grátis nas esplanadas.







O bloco do Xiri

Mas a maior animação é trazida à praça pelo Bloco do Xiri, de seu nome completo Bloco Hidráulico Carnavalesco Xiri Relampiando, um dos mais populares blocos da cidade de Belém, que tem estado na rua aos os domingos, dançando atrás do seu carro de som, aquecendo e mobilizando apoiantes para o Carnaval que está a chegar.

Segundo um dos organizadores, o cantor Eduardo Dias, o bloco está a homenagear o Fórum Mundial; a concentração é no Bar do Parque, na praça da República, de lá, o bloco segue pela cidade, realiza a sua guerra de lançamento de farinha maizena e pára no bar Pai’dégua, onde a bandinha do Pintadinho espera os foliões para o grande baile popular.

Numa longa conversa na esplanada do Bar do Parque, bem regada com caipirinhas, pergunto a três participantes do bloco o que quer dizer o seu nome – Xiri Relampiando –, que tem uma bela sonoridade, mas cujo significado não consigo entender de todo. Riem-se de mim. Insisto na pergunta, com um genuíno interesse pela informação. Custa-lhes a acreditar que, falando português, não consiga perceber. Lé me explicam (em termos que aqui não reproduzo) que “xiri” é nome que dão ao órgão sexual feminino. Confesso que não insisti para perceber o que quer dizer “relampiando”, mas deve ter a ver com os relâmpagos que aparecem nas camisolas do grupo. Dizem que havendo muitos blocos com nomes que incluem “cobra”, “pica-pau” e outras sugestões glorificando o órgão sexual masculino, decidiram fazer um que homenageia e defende as mulheres.

Deixo-vos aqui o manifesto cultural do grupo que, sabendo agora o que é o xiri, se pode ler com proveito. No Brasil, outro mundo é de facto possível.


Manifesto Cultural do Xiri Relampiando

O presente manifesto
É contra a banalidade,
A censura, a hipocrisia
E a falsa moralidade.
É o Xiri Relampiando
Em busca da liberdade!

Contra a discriminação
Seja de que for:
Xiri branco, preto, roxo,
Amarelo, furta-for,
Gordo, magro, cabeludo,
todos têm igual valor!

Xiri criado sem calça,
Xiri caboclo, brejeiro,
Xiri manso, xiri doido,
Xiri-açu verdadeiro,
Xiri sabor açaí,
Xiri nosso, brasileiro!

No Xiri Relampiando
Só não entra quem não quer
Pois como o garfo não pode
Separar-se da colher,
Quem o bom xiri defende,
Também defende a mulher!

Aqui mostramos o pau
Antes de matar a cobrar:
Contra o flagelo da AIDS
Camisinha use de sobra
Que um xiri bem preservado,
É xiri pra toda obra!

O Xiri Relampiando
Entra firme em lutas
Contra a vil exploração
De meninas prostitutas,
Contra qualquer violência
Praticada contra putas!

Menina, não sacrifica
O teu belo alvorecer:
Abre os olhos, fecha as pernas,
Deixa o teu xiri crescer
Que a fruta apanhada verde
Não serve para comer.

Abaixo a fidelidade
Que tira o tesão e o sono!
O Xiri deve ser livre
Que nem as folhas de Outono
E em qualquer lugar da Terra
Não deve, jamais, ter dono!




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