A hipocrisia do eurodeputado Luis Herrero Tejedor na Venezuela

Um comentário português

[Publicado em: Esquerda.net / Opinião e em www.altermundo.org em 19 de Fevereiro de 2009]

(Veja também, no fim do texto, o Informe dos europeus que acompanharam o referendo)


Hoje, 18 de Fevereiro de 2009, no plenário do Parlamento Europeu em Bruxelas, o presidente Hans-Gert Pöttering apresentou um veemente protesto pela actuação das autoridades venezuelanas contra um deputado que integrava uma delegação oficial do parlamento, no caso, uma delegação do grupo parlamentar PPE-DE.

Luis Herrero Tejedor, eurodeputado espanhol, foi expulso da Venezuela após prestar declarações consideradas ofensivas pelas autoridades do país, nas vésperas do referendo que alterou alguns artigos da Constituição que retiram a limitação de mandatos nos cargos electivos, nomeadamente o de presidente da República.

A forma e o conteúdo das declarações de Tejedor são, no mínimo, altamente discutíveis, sobretudo para quem integra uma delegação oficial, mas também é verdade que a liberdade de expressão tem de incluir o direito à asneira e ao insulto. De qualquer modo, a polémica estalou, com especial veemência em Espanha e na Venezuela.

Não pretendendo avaliar os muitos argumentos e contra-argumentos já produzidos sobre o fundo da questão, nem as atitudes tomadas, gostaria apenas de acrescentar um curto comentário.


Um defensor da liberdade e da democracia?

Luis Herrero foi acusado de ser filho de um fascista. Ora, o problema não é o de o pai Herrero Tejedor ter sido um fascista. Disso ele não tem culpa. Conheci boa gente com origens semelhantes que optou por uma clara postura anti-fascista, por vezes até com activismo empenhado e militante. O problema é outro.
Nascido em 1955, Luis Herrero tinha a mesma idade de muitos jovens da minha geração que, com 20 anos e até menos, se bateram com coragem contra as ditaduras franquista e salazarista, numa altura em que combater estes ditadores e lutar pela liberdade e pela democracia comportava riscos bem maiores do que ser posto num avião e mandado para casa. Essa teria sido uma excelente oportunidade para Luis Herrero ter levantado a voz contra o seu próprio ditador, ter mostrado o seu apego à liberdade e à democracia e, com isso, ter ganho autoridade e o respeito de todos. Não tenho conhecimento de que alguma vez o tenha feito.


Um defensor da eleição limitada do chefe de Estado?

Mas, enfim, poderá argumentar-se que as preocupações democráticas de Herrero Tejedor podem ser tardias, mas não serão menos válidas por isso. Penso que também aqui há um problema. O eurodeputado está indignado com a possibilidade de Hugo Chávez se poder candidatar indefinidamente ao cargo de chefe de Estado, ele que, enquanto cidadão espanhol, não conquistou ainda sequer o direito de votar na escolha do seu próprio chefe de Estado, que não só é vitalício, como não resulta de qualquer escolha livre e democrática do povo, que deveria ser o verdadeiro soberano mas que, neste caso, é tratado meramente como súbdito, sem voto na matéria.
Não tenho também conhecimento de qualquer luta de Luis Herrero para conseguir que em Espanha o chefe de Estado tenha um mandato limitado no tempo, como defende para a Venezuela, nem sequer para conseguir tão somente que seja eleito, com limites ou sem limites. A aceitação da postura vexante de súbdito não autoriza a dar lições de soberania democrática aos outros.


A limitação de mandatos presidenciais

Em Portugal a situação é diferente da Espanha, que por cá é o povo que elege directamente o seu chefe de Estado.

Vejamos o que diz a nossa Constituição sobre a questão da limitação dos mandatos:

O mandato do Presidente da República tem a duração de cinco anos. Não é admitida a reeleição para um terceiro mandato consecutivo, nem durante o quinquénio imediatamente subsequente ao termo do segundo mandato consecutivo.

A nossa lei fundamental impede que alguém faça mais de dois mandatos seguidos no cargo, e estamos bastante satisfeitos com isso. Mas a verdade é que não temos nenhum limite ao número de vezes que uma pessoa pode concorrer e exercer o cargo de presidente da República. Todos nos lembramos da recente candidatura de Mário Soares, depois de já ter sido presidente durante dois mandatos. E nada impede que, nas próximas eleições, ele ou qualquer outro dos antigos presidentes da República (e todos fizeram dois mandatos) volte a concorrer. Em Portugal, os ex-presidentes não perdem definitivamente a sua capacidade de se candidatar a qualquer cargo.

O que acontece em Portugal seria impossível na Venezuela antes da alteração constitucional agora decidida. Diferentemente da nossa, a Constituição da Venezuela estipulava o seguinte:

El período presidencial es de seis años. El Presidente o Presidenta de la República puede ser reelegido o reelegida, de inmediato y por una sola vez, para un nuevo período.

Isto é, quem passou pelo cargo poderia repetir uma vez e depois nunca mais poderia concorrer, perdendo definitivamente a sua capacidade eleitoral passiva. O que está muito afastado da nossa cultura democrática constitucional.


Mandatos mais controlados

Mas, apesar de terem sido retirados os limites às recandidaturas, não é só no momento da eleição seguinte que o povo venezuelano pode ter uma palavra a dizer sobre quem deve exercer os mandatos. Segundo a Constituição (e estas disposições não foram alteradas), todos os cargos resultantes de eleição popular são considerados revogáveis, nos seguintes termos:

Todos los cargos y magistraturas de elección popular son revocables.
Transcurrida la mitad del período para el cual fue elegido el funcionario o funcionaria, un número no menor del veinte por ciento de los electores o electoras inscritos en la correspondiente circunscripción podrá solicitar la convocatoria de un referendo para revocar su mandato.


Como nos lembramos, Chavez já teve de enfrentar um referendo a meio do período do seu mandato, precisamente com base nesta disposição. O que quer dizer que não é uma mera retórica constitucional, mas antes um preceito com impacto na vida política real.

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REFERENDUM EN VENEZUELA

INFORME DE LOS ACOMPAÑANTES INTERNACIONALES PROCEDENTES DE EUROPA


Nosotros, acompañantes internacionales del proceso de Referéndum Constitucional, invitados por el Consejo Nacional Electoral de Venezuela procedentes de: Austria, Bélgica, Francia, Hungría, Irlanda, Italia, España, Portugal, y Rumania, representantes de partidos políticos, organizaciones de la sociedad civil, sindicatos, electos municipales y parlamentarios regionales nacionales y europeos; tras haber efectuado las tareas propias de la misión encomendada, elevamos al Consejo Nacional Electoral el siguiente informe:

1. Expresamos nuestro agradecimiento al CNE por la invitación efectuada, por su colaboración en el buen desarrollo de nuestras tareas y por el apoyo recibido, lo que nos ha facilitado el libre ejercicio de nuestra misión;

2. Felicitamos al pueblo de Venezuela por su amplia participación en el proceso democrático del referéndum, lo que supone una clara expresión de la alta madurez cívica y democrática de sus ciudadanos y ciudadanas.

3. Señalamos el buen funcionamiento de los centros de votación, donde hemos constatado la presencia de testigos de los diferentes bloques que concurrían en el proceso electoral y la presencia eficaz de los miembros de las mesas que demostraron una buena formación respecto a los procedimientos electorales y al uso de las nuevas tecnologías aplicadas, pudiendo de esta manera resolver ágilmente las eventuales contingencias aparecidas.

4. Constatamos el tranquillo y pacifico desarrollo de la jornada, tanto en el exterior de los centros de votación, como en su interior; incluyendo la buena colaboración entre testigos y componentes de las mesas en auxilio del buen desarrollo del proceso, prestando, cuando hacia falta, el debido apoyo a la ciudadanía.

5. Hemos constatado la eficacia, la transparencia y la rapidez del método electrónico de voto, incluyendo el reconocimiento dactilar y, en general, la buena información sobre los procedimientos manifestada por los votantes. De la misma manera nos parece remarcable la existencia del doble mecanismo de comprobación del voto que supone su confirmación en papel. Sin embargo, todavía existen unas dificultades puntuales con respecto al uso apropiado de la maquina y, por lo tanto, seria necesario hacer lo adecuado para aminorar los votos nulos involuntarios.

6. Señalamos que el recuento de los votos se ha realizado de manera pública, no solo delante de los testigos, sino también ante grupos de ciudadanas y ciudadanos que han decidido asistir. Igualmente hemos constatado la firma por todos los miembros de la mesa y los testigos de las actas correspondientes. La transmisión de los resultados ha sido eficiente, rápida y segura como demuestra el escaso tiempo que ha necesitado el CNE para hacer públicos los resultados preliminares;

7. Destacamos el comportamiento de las fuerzas de seguridad que, a través del Plan Republica han cooperado en todo momento en el buen desarrollo del proceso y han garantizado la seguridad, así como la asistencia a las personas con especiales dificultades a la hora del acceso a los centros de votación.

Expresamos una valoración global positiva del proceso electoral que hemos observado, respecto a sus contenidos de organización, transparencia, participación, ejercicio libre y secreto del derecho de voto, seguridad en todas las fases del procedimiento, con la indicación de seguir profundizando, mejorando y ampliando los sistemas y mecanismos de formación e información a la ciudadanía.

Por ultimo, agradecemos la cortesía y profesionalidad que todo el personal del CNE ha desplegado con respecto a los miembros de las delegaciones extranjeras.

Caracas, 16 febrero 2009


FIRMANTES DEL INFORME

Austria:
Damien Agbogbe, Consejero Districtal
Erich Wartecker, Juez

Bélgica:
Celine Delforge, Diputada

España:
Vicente Garcés, Diputado del Parlamento Europeo
Gloria Marcos, Diputada Parlamento Valenciano
Pascual Serrano, Periodista

Francia:
Pierre Lacaze,
Catherine Dosantos
Marc Dolez, Diputado Asamblea Nacional

Hungría
Peter Szigeti, Presidente del Consejo Electoral
Gyula Ortutay, Periodista
Tamas Krausz, Universidad de Budapest

Irlanda:
Robert Navan, Movimiento Solidaridad Latinoamérica

Italia:
Anna Camposampiero, SdL Intercategoriale
Marco Consolo, Partito Rifondazione Comunista/Sinistra Europea
Micól Savia, Giuristi Democratici
Luciano Vasapollo, Universitá a Sapienza
Rita Martufi, Centro Studi CESTES di RDB

Portugal:
Paulo Pisco, Director del Departamento Internacional del PS
Gloria Araujo, Diputada de la Asamblea de la República

Rumania:
Gabriela Cretu, Diputada del Parlamento Europeo

8 comentários:

José Dourado disse...

Subscrevo na íntegra o seu comentário.
A generalidade dos media de Espanha fala agora de Herrero como um bravo e corajoso defensor da liberdade. Aliás, Luis Herrero é colaborador da Cadena Cope, uma rádio que é propriedade da Conferência Episcopal do país vizinho, e que tem pautado a sua linha editorial por um reaccionarismo extremo.
Mesmo os media que, supostamente, não são de direita (por exemplo o El País), falam da Venezuela e de Chavez de uma forma preconceituosa, produzindo meramente ruído e recusando-se a informar e a reflectir com seriedade. As suas reflexões, RS, seriam facilmente classificadas como "radicais de esquerda", isto é, "anti-democráticas". É, infelizmente, o que temos. Ter um espaço amplo e audível para esta sua reflexão - lúcida - é hoje, em Espanha e em Portugal, algo de muito difícil.

Anónimo disse...
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Anónimo disse...
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Anónimo disse...
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Anónimo disse...
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Anónimo disse...
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Anónimo disse...
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Anónimo disse...

Un tío de Luis Herrero- Tejedor......¿Agregado en la Embajada de España en Portugal en 1974?