Manuais escolares: o próximo passo
Publicado em: Esquerda.net / Opinião em 13 Setembro 2009
Em época de especiais dificuldades económicas é ainda mais chocante a autêntica extorsão a que são submetidas, no início de cada ano lectivo, as famílias que têm crianças a estudar. Por isso são de saudar todas as diferentes iniciativas que permitem que os manuais escolares sejam fornecidos gratuitamente a alguns estudantes do ensino obrigatório mais carenciados.
Há, porém, um passo em frente que merece ser ponderado e que permitiria a gratuitidade imediata e generalizada: o abandono da edição dos manuais escolares em livro e a passagem ao formato digital, a ser posto à disposição de todos para download gratuito. Vejamos as vantagens e desvantagens desta opção.
Hoje em dia, todos os manuais são feitos em formato digital, antes de passarem à fase de impressão, logo a versão digital já existe e para ser disponibilizada poderá, quando muito, ser necessária uma simples conversão para o formato mais adequado.
Os manuais digitais seriam altamente vantajosos em termos ambientais e económicos: poupava-se em papel, tintas e vernizes, em sucessivos transportes de matéria prima até à empresa gráfica, de produto acabado desta para o armazém, depois para as distribuidoras e para as livrarias e espaços comerciais; poupavam-se as deslocações dos compradores para os pontos de venda; poupava-se ainda em espaço de estocagem e na reciclagem das sobras.
E poupavam-se as costas das crianças, que prejudicam a sua saúde carregando diariamente toda uma série de pesados volumes, dos quais apenas precisam, para cada dia, de umas escassas páginas.
Por outro lado, o formato digital permitirá aos autores dos manuais fazer, na hora e sem custos industriais, toda a actualização ou correcção que entendam útil introduzir, o que hoje ou não acontece, ou gera enormes custos e desperdícios.
É claro que a passagem para o formato digital implica uma generalização do acesso aos computadores. Mas a generalização deste acesso nas escolas e nas famílias é um objectivo nacional inadiável. Há que notar que o valor do investimento necessário para que cada estudante disponha de um computador simples, a preço controlado, pode ser inferior ao preço de venda dos manuais que ele utiliza ao longo de cada um dos ciclos do ensino obrigatório. Com a grande diferença de que o computador serve para muitas outras coisas para além do mero trabalho escolar, permite aceder a um mundo enciclopédico de informação e não vai ser deitado fora no fim do ano lectivo. A curto prazo, esta solução ter-se-á revelado mais económica do que a actual.
Os manuais digitais incluirão certamente fichas de trabalho que poderão ser preenchidas no próprio computador ou então impressas para serem preenchidas em papel, como as actuais. E qualquer parte do texto poderá também ser impressa por quem preferir ler em papel. O que permitirá que, neste caso, os alunos transportem apenas as folhas necessárias em cada momento.
Poderá argumentar-se que se estaria a desincentivar nas crianças o gosto pelos livros. Não me parece. Uma parte substancial da leitura que hoje fazemos na nossa vida profissional, qualquer que seja a nossa profissão, já não utiliza a forma livro e não deixa de ser leitura, nem os conteúdos passam a ter menos valor por causa disso. Não há nenhuma razão para que na escola não se passe o mesmo. Por outro lado, quem conheça o tipo de afecto que os estudantes geralmente devotam aos manuais escolares e o destino que lhes dão no fim do ano lectivo, saberá que não há nenhuma vantagem em que um dos seus primeiros contactos com o mundo dos livros seja marcado por esta relação. Pode até revelar-se contraproducente na criação de uma relação duradoura e mais encantada com a leitura e com os livros, que são objectos com que podemos estabelecer relações fortes, que podem durar uma vida inteira.
Comentários no blog:
maria disse...
A lei temos de a fazer. Ou ... fazer com que se faça :)
As crianças andam com o Mundo às costas ...
Nem deviamos estar a falar disso já devia estar resolvido.
14 de Setembro de 2009 22:28
maria disse...
Gosto do artigo :)
14 de Setembro de 2009 22:29
Tiago Silva disse...
Nunca tinha pensado nisso. Mas acho que é uma medida bastante realizável, apesar de que a parte de serem disponibilizados GRATUITAMENTE iria chocar muitos senhores, para quem, o sacrificio de uns é a sorte de outros. Mas hoje em dia é possivel cobrar pelos downloads, seria o mais provável a acontecer, mas é uma questão de apoios do estado.
Para além de que isto seria uma medida bastante moderna, e que poderia aproveitar o tão aclamado projecto de implantação tecnológico no ensino obrigatório.
Muito bom o artigo :)
14 de Setembro de 2009 23:30
madskaddie disse...
Bom eu acho que a solução passa pela opção híbrida: versão digital e a do papel. Digo isto por experiência própria: trabalho demasiado com ebooks e frequentemente vejo-me a necessitar de papel: livros "à moda antiga". Não me parece sensato a via única do digital.
Agora para a via do papel: haveria que se incentivar a biblioteca na escola. O estado financiaria a primeira leva de livros e cada aluno seria responsável pelos livros durante o ano. A caução seria indispensável (atenção: pagar uma vez a caução não é mau face a pagar N vezes o livro como é actualmente).
Para isso teria de haver, uma vez por todas, um acordo político para a estabilidade dos programas.
Outro aspecto a salientar é que o método de produção tem de mudar! Não é aceitável uma medida deste tipo sem de uma vez por todas acabar com as industrias tradicionais. Livros em creative commons são essenciais, feitos e avaliados por pares "a la Wikipedia". O professor seria o responsável pela adopção dos conteúdos digitais que mais lhe aumentasse o gosto pelo educar, sendo que obviamente teria de haver uma certa coerência com os artigos disponíveis em versão papel. Nem o Estado nem os alunos (pais dos) têm de sustentar uma industria desactualizada (só para manter empregos). Isso é desperdício e não é progresso. Para um "case study" de livros em CC, julgo que o estado da Califórnia fez um concurso público e quem ganhou em qualidade foram os editores de conteúdos livres.
Uma parte dos livreiros (que eventualmente seriam despedidos da sua função antiga) teriam de se adaptar e poderiam ir para a área de avaliação dos conteúdos e no que restasse das funções das versões em papel. Parte dos autores são professores, com esses não me preocuparia (não são ricos, mas tem emprego bem acima da média miserável nacional). O que sobra já estaria condenado a desaparecer na mesma, tal como a industria que se situa entre músicos e ouvintes, pelo que há que encontrar é uma solução e não choramingar porque foram atingidos pelo progresso.
Note-se que esta solução não pode ser aplicada duma maneira cega a todas as idades: não é a mesma coisa um miúdo da primária que um adolescente do 10 ano. Mas isso seria tema para investigação
15 de Setembro de 2009 12:46
Comentários em esquerda.net:
em 15 de Setembro de 2009 11:06 por Francisco
Esta proposta é tão óbvia e pertinente q deve ser bradada aos 7 ventos
em 14 de Setembro de 2009 22:43 por Nuno Miranda
Ao ler o meu comentário, vi que fui pouco claro. Até parece que protesto contra os computadores e os comparo a Sócrates como destruidores da leitura.
O que queria dizer é que houve sempre Velhos do Restelo que agora protestam contra os computadores na escola, tal como no seu tempo Sócrates protestou contra a escrita, novidade do seu tempo.
Aqui fica o esclarecimento!
em 13 de Setembro de 2009 23:13 por Nuno Miranda
Platão, no Fedro, põe Sócrates a dizer: "Os que utilizarem a escrita tornar-se-ão desmemoriados e apoiar-se-ão apenas num recurso externo para aquilo de que precisam internamente. A escrita enfraquece a mente."
Não há registro do que disse Sócrates, que nada escreveu. Só o que Platão disse que ele disse...
Imaginem as escolas sem a escrita, que no fundo é uma tecnologia, tal como o computador. E muitos ainda terão vivido na escola que proibia as calculadoras por não exercitarem a memória.
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4 comentários:
A lei temos de a fazer. Ou ... fazer com que se faça :)
As crianças andam com o Mundo às costas ...
Nem deviamos estar a falar disso já devia estar resolvido.
Gosto do artigo :)
Nunca tinha pensado nisso. Mas acho que é uma medida bastante realizável, apesar de que a parte de serem disponibilizados GRATUITAMENTE iria chocar muitos senhores, para quem, o sacrificio de uns é a sorte de outros. Mas hoje em dia é possivel cobrar pelos downloads, seria o mais provável a acontecer, mas é uma questão de apoios do estado.
Para além de que isto seria uma medida bastante moderna, e que poderia aproveitar o tão aclamado projecto de implantação tecnológico no ensino obrigatório.
Muito bom o artigo :)
Bom eu acho que a solução passa pela opção híbrida: versão digital e a do papel. Digo isto por experiência própria: trabalho demasiado com ebooks e frequentemente vejo-me a necessitar de papel: livros "à moda antiga". Não me parece sensato a via única do digital.
Agora para a via do papel: haveria que se incentivar a biblioteca na escola. O estado financiaria a primeira leva de livros e cada aluno seria responsável pelos livros durante o ano. A caução seria indispensável (atenção: pagar uma vez a caução não é mau face a pagar N vezes o livro como é actualmente).
Para isso teria de haver, uma vez por todas, um acordo político para a estabilidade dos programas.
Outro aspecto a salientar é que o método de produção tem de mudar! Não é aceitável uma medida deste tipo sem de uma vez por todas acabar com as industrias tradicionais. Livros em creative commons são essenciais, feitos e avaliados por pares "a la Wikipedia". O professor seria o responsável pela adopção dos conteúdos digitais que mais lhe aumentasse o gosto pelo educar, sendo que obviamente teria de haver uma certa coerência com os artigos disponíveis em versão papel. Nem o Estado nem os alunos (pais dos) têm de sustentar uma industria desactualizada (só para manter empregos). Isso é desperdício e não é progresso. Para um "case study" de livros em CC, julgo que o estado da Califórnia fez um concurso público e quem ganhou em qualidade foram os editores de conteúdos livres.
Uma parte dos livreiros (que eventualmente seriam despedidos da sua função antiga) teriam de se adaptar e poderiam ir para a área de avaliação dos conteúdos e no que restasse das funções das versões em papel. Parte dos autores são professores, com esses não me preocuparia (não são ricos, mas tem emprego bem acima da média miserável nacional). O que sobra já estaria condenado a desaparecer na mesma, tal como a industria que se situa entre músicos e ouvintes, pelo que há que encontrar é uma solução e não choramingar porque foram atingidos pelo progresso.
Note-se que esta solução não pode ser aplicada duma maneira cega a todas as idades: não é a mesma coisa um miúdo da primária que um adolescente do 10 ano. Mas isso seria tema para investigação
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