Publicado em: O Gaiense
Vale a pena ler o Memorando de Entendimento acordado esta semana entre o governo grego, o FMI e a UE, estabelendo as “condições específicas de política económica” para a concessão do apoio. É um documento de 32 páginas, do qual citaremos apenas alguns pontos que ajudam a ilustrar o que realmente está em causa.
Por um lado, há as medidas já divulgadas de aumento do IVA, taxação de serviços que estão isentos, passagem a taxa normal de serviços de taxa reduzida, aumento dos impostos sobre os combustíveis, o tabaco e o álcool, redução dos salários da função pública e das pensões (para as pensões há planos de contenção até 2060!), fim dos subsídios de férias e Natal, redução das prestações de solidariedade, redução do investimento público, aumento da carreira contributiva mínima para 40 anos, cálculo da reforma com base em toda a vida contributiva, aumento sucessivo da idade da reforma de acordo com o aumento da esperança de vida, revisão da lista de profissões pesadas e árduas que dão acesso a reformas mais cedo, condições mais restritivas para a consideração de incapacidade física, etc.
Mas há outras medidas de que se tem falado menos: admissão de apenas um funcionário público por cada cinco que se reformem, fusão de municípios e regiões para reduzir o custo operacional e salarial, revisão dos contratos no sector privado, redução do pagamento de horas extra, maior uso de contratos temporários e de tempo parcial, alteração do salário mínimo e introdução de “sub-mínimos” para jovens e desempregados de longa duração.
Há também grandes medidas económicas: liberalização total do sector da electricidade, facilitação das parcerias público-privado e da prestação de serviços por empresas estrangeiras, abertura à concorrência no transporte ferroviário e encerramento das linhas não lucrativas, privatização dos activos do Estado e das empresas públicas. E ainda, acabar com as tabelas de honorários mínimos de arquitectos e engenheiros e, espante-se, para os advogados e outros serviços jurídicos, abolição de várias restrições à actividade, nomeadamente a proibição de fazer publicidade (proibição comum a muitos países, como o nosso). Não é fácil entender o contributo desta medida para a resolução da crise mas, já que se está em maré de impor tudo e mais alguma coisa ao fragilizado governo grego, cada lobby aproveitou para meter o que mais lhe interessa, até os grandes escritórios internacionais de advogados.
Se tudo isto fosse aplicado, a Grécia sairia da crise completamente desfigurada, mais desigual, mais selvagem, mais próxima da brutalidade social do século XIX do que daquilo que se espera de uma Europa do século XXI.
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