“Comédia Infernal”




Publicado em: O Gaiense, 15 de Maio de 2010

Não, o título desta crónica não se refere à apresentação de mais um plano de ataque à crise, mas sim a um espectáculo fabuloso a que acabo de assistir, de seu nome completo “Comédia Infernal – Confissões de um serial killer”. Uma única representação em Bruxelas, cujos bilhetes se esgotaram de um dia para o outro há cinco meses, logo que o programa foi anunciado.
Trata-se de um espectáculo difícil de definir, uma peça de teatro musical para orquestra barroca, duas sopranos e um actor, baseada na história real de um assassino em série – Jack Unterweger – condenado em 1976, que na prisão se tornou poeta, tendo sido considerado um exemplo de reabilitação, o que levaria à sua libertação em 1990. Em liberdade, tornou-se um escritor e jornalista aclamado, muito do agrado das mulheres que, em grande número, se interessavam pelo seu caso e se deixavam seduzir pela sua intrigante história e personalidade. Até que sobre ele recairam suspeitas de ser o responsável por mais uma série de assassinatos de mulheres em Viena, em Graz, em Praga e Los Angeles. Preso em Miami, foi extraditado para a Áustria onde, em 1994, foi julgado e condenado por onze mortes. Nessa noite, suicidou-se na sua cela, enforcando-se com um nó especial, semelhante ao que tinha usado para matar as suas vítimas.
O papel do assassino é de John Malkovich, que nos conta de forma surpreendente a sua história, talvez não a história real, mas tal qual a escreveu após a sua morte, numa novela em que, como sempre fez na vida, nenhuma palavra é verdadeira. Esta última afirmação, será ela própria verdadeira? Ou estamos perante o velho paradoxo lógico do mentiroso que afirma só dizer mentiras, o que, a ser verdade, seria necessariamente mentira?
Malkovich (mais uma vez extraordinário como criminoso e psicopata) contracena com as sopranos Bernarda Bobro, da Eslovénia e Aleksandra Zamojska da Polónia, acompanhadas pela orquestra da Academia de Viena, dirigida pelo maestro Martin Haselböck.
O espectáculo, da autoria de Michael Sturminger, segue agora para Paris. Não sei se vem a Portugal, mas talvez o amor de Malkovich pelo nosso país o traga cá. Se for o caso, sugiro vivamente que não perca a oportunidade e lembre-se: qualquer hesitação e demora na compra do bilhete pode ser fatal.

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