Negócios de guerra em tempos de paz


Publicado em: O Gaiense, 26 de Junho de 2010

Altos responsáveis da NATO vieram esta semana ao Parlamento Europeu apresentar e debater a proposta de Novo Conceito Estratégico que vai ser decidido na cimeira de Lisboa, no próximo mês de Novembro.
O cerne deste Novo Conceito Estratégico é o empenhamento de forças fora do território da Aliança, algo que muitos consideram violar o artigo 5º do Tratado do Atlântico Norte — a carta fundadora da NATO —, que prevê uma reacção colectiva em legítima defesa em caso de “ataque armado” contra um dos membros “na Europa ou na América do Norte”.
Contrariamente, o novo documento afirma que os membros da Aliança devem reestruturar as suas forças armadas abandonando o conceito tradicional das missões de defesa territorial. Considera também que os países devem minimizar as salvaguardas com que costumam acompanhar as deliberações de envio de tropas para missões da NATO e ainda que é preciso acabar com o declínio nas despesas nacionais com a defesa, já que “o Tratado de Lisboa foi concebido, entre outras coisas, para reforçar as capacidades militares da Europa”.

No entanto, quando ouvimos qualquer responsável político referir-se aos êxitos da construção europeia, o primeiro argumento é sempre a paz que foi conseguida num continente que tinha vivido em guerra permanente. É verdade. Mas isso tem necessariamente como corolário a redução substancial dos orçamentos militares dos países europeus. A NATO lamenta o facto e quer contrariar esta tendência.
O conceito estratégico democrático para as Forças Armadas é o da defesa territorial. Mas a verdade é que ninguém prevê qualquer ataque à União Europeia que exija a intervenção das Forças Armadas em defesa do território. Como os ideólogos da guerra convivem mal com perspectivas de paz prolongada, trataram de criar um novo conceito de intervenção militar fora do espaço da Aliança, que não é nem defensivo, nem territorial, nem democrático, mas de cariz agressivo, imperialista e global. E, é claro, que exige mais dinheiro dos contribuintes para os negócios da guerra, apesar de vivermos tempos de paz, a grande conquista do projecto europeu.

Barroso, os camionistas e a segurança


Publicado em: O Gaiense, 19 de Junho de 2010

Os trabalhadores por conta de outrem devem ter um horário de trabalho, todos estão de acordo com isso. No entanto, os profissionais independentes não estão sujeitos a horários. Se o dono de uma loja, um arquitecto ou um músico que trabalhem por conta própria quiserem trabalhar 15 ou 20 horas por dia, é uma opção que devemos respeitar; verdadeiramente, ninguém tem nada a ver com isso.
Porém, não é assim para todas as profissões. Se formos operados por um cirurgião que seja um profissional liberal, gostaríamos que ele estivesse em boas condições e que não tivesse feito uma directa antes de nos operar, apesar de ter direito a fazer todas as directas que entender. Se viajarmos de avião conduzidos por um piloto que seja um profissional liberal, ficamos mais descansados se soubermos que ele está sujeito a toda uma série de regras e controlos sobre a sua capacidade técnica e sobre o seu descanso obrigatório antes do voo.
O mesmo se passa com os camionistas. Mesmo que sejam profissionais independentes, o facto de não haver limites de horas que podem passar ao volante do seu camião colocaria em risco todos os que se cruzam com eles nas estradas.
É portanto de saudar que o Parlamento Europeu tenha esta semana liminarmente rejeitado uma proposta da Comissão Barroso que pretendia excluir os condutores independentes de autocarros e camiões da legislação que regula o tempo de trabalho nesta profissão. De acordo com o PE, os condutores independentes devem estar sujeitos às mesmas normas que os assalariados, por motivos de saúde, por motivos de segurança rodoviária e também para garantir uma concorrência mais justa no sector.
Ainda bem que os nossos eleitos nem sempre deixam Durão Barroso e os seus Comissários andar à solta, seguindo os seus princípios sagrados da liberdade do mercado, obedecendo a interesses particulares que colidem com o interesse colectivo. Quem nunca compreendeu muito bem para que serve o Parlamento Europeu, que se lembre disso na próxima vez que passar por um camião.



As transferências, os agentes e o dinheiro duvidoso


O Parlamento Europeu aprovou na quinta-feira (17/6/2010) uma resolução muito crítica sobre o papel dos agentes desportivos. Aqui fica o texto para quem se interessa pelo assunto, que vai estar em foco logo a seguir ao Mundial, em período de transferências e contratações.


B7 0343/2010




Resolução do Parlamento Europeu sobre os agentes dos jogadores no desporto


O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta a sua resolução de 29 de Março de 2007 sobre o futuro do futebol profissional na Europa ,
– Tendo em conta a sua resolução de 8 de Maio de 2008 sobre o Livro Branco sobre o Desporto, apresentado pela Comissão Europeia ,
– Tendo em conta o Livro Branco sobre o Desporto (COM(2007)0391),
– Tendo em conta o acórdão, de 26 de Janeiro de 2005, do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias ,
– Tendo em conta a pergunta à Comissão, de 10 de Março de 2010, sobre o desporto e, especificamente, os agentes de desportistas (O-0032/2010 – B7 0308/2010),
– Tendo em conta o n.º 5 do artigo 115.º e o n.º 2 do artigo 110.º do seu Regimento,


1. Recorda que o Parlamento, na sua resolução de 29 de Março de 2007 sobre o futuro do futebol profissional na Europa, solicitou à Comissão que apoiasse os esforços das instâncias dirigentes para regularem a actividade dos agentes dos desportistas e que, se necessário, apresentasse uma proposta de directiva relativa a esses agentes,


2. Congratula-se com o "Estudo sobre os agentes desportivos na União Europeia", encomendado pela Comissão e cujos resultados se encontram agora disponíveis;


3. Manifesta-se particularmente preocupado com as conclusões do estudo no que diz respeito a actividades criminosas associadas a actividades desportivas, em que estas são afectadas pelo crime organizado com ligações a actividades de agentes de desportistas; considera que esta evolução é nociva para a imagem do desporto, a sua integridade e, em última instância, o seu papel na sociedade;


4. Toma nota das conclusões do estudo, segundo as quais, os agentes desportivos ocupam um lugar central nos fluxos financeiros que, frequentemente, não são transparentes, o que os torna propensos a actividades ilegais; acolhe favoravelmente as iniciativas de alguns clubes e órgãos dirigentes para aumentar a transparência das transacções financeiras;


5. Nota que o estudo sublinha a opacidade inerente aos sistemas de transferências, nomeadamente em desportos de equipa, o que constitui um terreno favorável para actividades ilegais em que são envolvidos, tanto os agentes, como os clubes e os jogadores;


6. Salienta a vulnerabilidade específica dos desportistas jovens e o risco de se tornarem vítimas de tráfico de seres humanos;


7. Salienta a responsabilidade específica dos agentes de desportistas e dos clubes, particularmente perante os desportistas jovens, pelo que solicita a ambos que assumam as suas responsabilidades, nomeadamente no que diz respeito à educação e à formação profissional dos desportistas jovens;


8. Concorda com as conclusões do estudo, segundo o qual, a regulamentação dos agentes estabelecida pelas federações desportivas se destina basicamente a controlar o acesso à actividade e o seu exercício, mas que esses organismos se limitam a competências de supervisão e de sanção, uma vez que não dispõem de meios de controlo ou de intervenção directa junto dos agentes desportivos que nelas não estejam inscritos, nem têm o direito de impor sanções de carácter civil ou penal;


9. Concorda com os órgãos dirigentes dos desportos e as partes interessadas nessas actividades desportivas em que é necessário tomar medidas para tratar problemas relativos à integridade e à credibilidade do desporto e dos actores no mundo do desporto;


10. Considera que afastar o actual sistema de licenças da FIFA para os agentes dos desportistas sem estabelecer um sistema alternativo robusto não seria a forma adequada de tratar dos problemas que rodeiam os agentes dos jogadores no futebol;


11. Aplaude os esforços dos órgãos dirigentes dos desportos para conseguirem maior transparência e supervisão no que diz respeito aos fluxos financeiros;


12. Solicita ao Conselho que intensifique os seus esforços de coordenação na luta contra actividades criminosas ligadas a actividades de agentes, incluindo o branqueamento de capitais, a trucagem de resultados e o tráfico de seres humanos;


13. Recorda o anteriormente referido acórdão no âmbito do processo T-193/02, em que o Tribunal declarou que, em princípio, a regulamentação das actividades dos agentes de desportistas, que constitui um controlo de uma actividade económica e afecta os direitos fundamentais, é da competência das autoridades públicas;


14. Recorda que, na mesma decisão, o Tribunal reconheceu que federações como a FIFA têm o direito de regulamentar a profissão de agente, desde que o objecto da regulamentação seja elevar os padrões profissionais e éticos das actividades dos agentes para proteger os jogadores e que a regulamentação não deve ser anticoncorrencial; recorda que, colectivamente, os agentes não estão organizados a nível profissional e que a profissão está sujeita a uma regulamentação muito limitada ao nível dos Estados-Membros;


15. Está convencido de que, num contexto de actividades transfronteiras e de uma diversidade de legislações nacionais aplicáveis aos desportos, a efectividade do controlo e o reforço das sanções são questões que apenas podem ser tratadas através do esforço conjunto dos órgãos dirigentes dos desportos e das autoridades públicas;


16. Nota que, apesar de as actividades dos agentes estarem amplamente regulamentadas pelas instâncias desportivas a nível internacional e nacional no que diz respeito a algumas modalidades, muito poucos Estados-Membros adoptaram legislação específica relativa aos agentes desportivos;


17. Considera que, tendo em conta a confusa diversidade da regulamentação aplicável às actividades dos agentes desportivos, é necessária uma abordagem coerente a nível do conjunto da UE para evitar escapatórias resultantes de uma regulamentação pouco clara e para assegurar o adequado acompanhamento e controlo das actividades dos agentes;


18. Reitera o seu pedido de uma iniciativa da UE sobre as actividades dos agentes de desportistas, cujo objectivo deverá consistir em:
– normas estritas e critérios de apreciação antes que alguém possa operar como agente desportivo,
– transparência nas transacções dos agentes,
– proibição da remuneração de agentes desportivos pela transferência de menores,
– normas mínimas harmonizadas para os contratos de agentes,
– monitorização eficiente e sistema disciplinar,
– introdução de um "sistema de concessão de licenças a agentes" para o conjunto da UE, assim como de um registo de agentes,
– supressão da "representação dual",
– remuneração gradual, condicionada ao cumprimento do contrato;


19. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução à Comissão Europeia.

A Holanda, os votos e a crise



Publicado em: O Gaiense, 12 de Junho de 2010

Na quarta-feira a Holanda foi a votos, no domingo será a vez da Bélgica. O que nos dizem, com os seus votos, estes países?

O que disse a Holanda não é fácil de entender, nem mesmo para os analistas holandeses. Nenhum partido obteve maioria absoluta, o que é normal naquele país. Os democratas-cristãos de Jan Pieter Balkenende – o actual primeiro-ministro, que fez quatro mandatos sucessivos –, ficaram em quarto lugar, atrás de um partido de extrema-direita cujos militantes usam uma braçadeira nazi. O primeiro-ministro demitiu-se e nem sequer vai assumir o lugar no Parlamento.

Com a diferença de apenas um deputado, os Liberais ganharam aos Trabalhistas. Se as negociações lhe correrem bem, Mark Rutte será o primeiro chefe de governo liberal desde a Primeira Grande Guerra. Já afirmou que vai fazer cortes na protecção social e no apoio à integração dos imigrantes.

Receosos e confusos, os holandeses responderam aos conturbados tempos de crise com uma profunda alteração das suas opções eleitorais. Há fortes indícios de que, no próximo domingo, os belgas poderão fazer algo semelhante.

Os povos tentam reagir à crise sem fazerem uma conexão clara entre a crise económica e as opções políticas. Predomina a ideia de que a crise é algo do mundo da economia, um mundo que não podemos controlar e cujos efeitos estamos condenados a sofrer. Assim sendo, a política só poderia fornecer alguns calmantes ou analgésicos, para podermos aguentar melhor a espera pelo momento em que a economia consiga resolver os problemas. Esta visão é absolutamente fatal.

Porque a crise é o resultado de um certo modo de funcionamento da economia, permitido e até impulsionado pelo poder político. Foi porque deixamos que os interesses dominantes no mundo da finança dominassem também os corpos legislativos e executivos dos Estados, que a política se tornou impotente para enfrentar a crise.

A crise é económica, mas só poderá ter uma saída política. Para que os políticos assumam esse papel, precisam do voto popular. O problema é que o povo está a dar o seu voto precisamente aos políticos que consideram que não podem intervir na economia, isto é, aos partidos que continuam a dar-nos aspirinas para combater o cancro, deixando que este continue a progredir. Quando a situação se agravar, pode ser tarde de mais para repensar o voto.


Fairplay financeiro no futebol



Publicado em: O Gaiense

Nesta terça-feira, a UEFA veio à Comissão de Cultura e Educação do Parlamento Europeu (PE) apresentar, em primeira mão, o plano sobre fair-play financeiro aprovado por unanimidade no seu Comité Executivo de 27 de Maio. Esta deferência para com a Comissão parlamentar que tem o pelouro do desporto foi justificada pela UEFA com o facto de aquele plano ser uma “resposta directa” aos apelos do Parlamento para que os clubes adoptassem uma atitude financeira mais prudente, tendo sido incluídas várias recomendações do PE na nova regulamentação.

A ideia central do plano — que vai ser tornado público este mês, provavelmente ainda antes do Mundial —, é obrigar os clubes a reduzirem os gastos até ao montante das suas receitas desportivas, limitando os prejuízos que os donos de clubes podem cobrir e contrariando a tendência para a espiral inflacionária nas contratações que, afirma a UEFA, está a ficar fora de controlo.

Já em 2008, os 732 clubes das primeiras divisões tinham custos de 12 100 milhões de euros e receitas de apenas 11 500. Cinquenta e sete de entre eles pagavam, só em salários, mais de 100% do valor das receitas. Hoje, metade dos clubes mais importantes apresentam prejuízos e mais de 20% têm enormes défices acumulados.

O plano obrigará os clubes a equilibrarem as receitas e despesas até ao fim de 2012. Têm quase três anos para alterar o seu padrão de gestão. As sanções por incumprimento começarão a ser aplicadas na época de 2013-2014, com impedimento de participação na Liga dos Campeões e na Liga Europa.

Outros objectivos visados no documento são uma maior atenção aos investimentos a longo prazo nas camadas jovens e nas instalações, garantir que no final de cada época os salários, impostos e dívidas a outros clubes ficam saldados e ainda que todos os compromissos assumidos sejam acompanhados de um plano credível de financiamento.

O cumprimento destes princípios vai ser verificado por um Painel de Controlo Financeiro dos Clubes, presidido pelo eurodeputado belga Jean-Luc Dehaene, que acumulará esta função com a sua função política e com a de presidente do Conselho de Administração do banco Dexia e ainda com a de administrador de várias multinacionais e de várias outras instituições.

Talvez não se resolva o problema do fair-play financeiro ou da circulação de dinheiro de origem duvidosa, mas pelo menos coloca-se um travão na corrida vertiginosa contra o muro que está a viver o futebol europeu.