Com as “Mães da Praça de Maio”





Publicado em: O Gaiense, 29 de Agosto de 2010

Umas velhas senhoras, comuns mães de família, transformaram-se numa das maiores referências mundiais na luta pela liberdade e pela justiça. Na Argentina da ditadura, quem se opunha era preso, torturado e normalmente “desaparecia”. Muitos jovens um dia, sem explicação, não regressavam a casa. As mães, desesperadas, corriam a bater à porta da polícia, dos ministérios, das prisões, dos quartéis, mas nunca obtinham resposta. Batiam todas às mesmas portas e começaram a conhecer-se. Uma vez, quando esperavam numa igreja frequentada pelos militares assassinos dos seus filhos, resolveram passar a encontrar-se em público, na Plaza de Mayo, em frente ao palácio presidencial, pedindo uma audiência e sobretudo respostas. Começaram a marchar aí todas as semanas, que a polícia não as deixava estar paradas, e eram cada vez mais, marchando sempre, conhecendo-se, trocando informações sobre as desgraçadas sortes dos seus filhos. E começaram a usar um lenço branco na cabeça, bordado com o nome do desaparecido e a data do desaparecimento. A repressão foi brutal, as perseguições sem fim, houve sequestros e prisões. Mas aquelas mulheres que, dizem elas, “nunca tinham saído da cozinha”, aprenderam rapidamente a lutar como tinham feito os seus filhos. Marchavam na praça, ocupavam igrejas, manifestavam-se quando havia visitas estrangeiras ou durante o Mundial de Futebol. O inferno da repressão não as podia vencer porque viviam num inferno ainda mais terrível que é o desaparecimento de um filho. A história é longa e não cabe numa crónica de jornal. Dos 30 000 desaparecidos, poucos voltaram. Mas elas, de alguma forma, venceram a sua batalha, que continua hoje contra a impunidade dos militares criminosos e dos seus cúmplices do mundo da política e da comunicação social, muitos deles ainda hoje com posições importantes.







Quando a nossa delegação reuniu com elas na Associação, preparavam uma pequena festa de aniversário de uma das directoras: noventa e tal anos. A presidente, Hebe de Bonafini, tem oitenta e um (com uma energia de vinte) e a mais velha tem, creio, noventa e seis. A sua obra é notável. Perderam os seus filhos, mas ganharam milhares de filhos que hoje beneficiam da sua infatigável acção social, seja na construção de habitação para os mais pobres ou na vida associativa e cultural, onde se destaca a Universidade de las Madres de Plaza de Mayo, com dois mil alunos que estudam as matérias dos cursos enquanto aprendem o exemplo de coragem e dignidade daquelas velhas mulheres que nada nem ninguém conseguiu vergar.
















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