O “monstro” de Bruxelas



Publicado em: O Gaiense, 14 de Agosto de 2010
No editorial da revista “O Referencial”, o director, general Pezarat Correia, faz um balanço dos trinta e seis anos de democracia portuguesa, com a lucidez e espírito crítico que caracterizam as suas intervenções. É um bom texto, mas a forma como é abordada a questão europeia justifica um comentário.
Critica o general, muito justamente, aqueles cuja resposta à nova crise é a velha receita “emagreça-se o Estado até o deixar à mercê da ‘piedade redentora’ do poder económico. O remédio está em menos Estado.” No entanto, continua Pezarat Correia, “esta terapia vem de Bruxelas, esse monstro supra-estatal recheado dos tecnocratas de fato cinzento, esse Leviatã que ninguém elegeu, que ninguém controla, mas que, pelos vistos, goza de um poder soberano que se sobrepõe aos poderes dos Estados-membros eleitos. Mas a esta máquina, obscenamente gorda (...) que todos pagamos, curiosamente, ninguém exige emagrecimento.”
É bem observado. De facto, nunca vi em Bruxelas os que defendem por cá “menos Estado”, defenderem por lá “menos Comissão”, “menos Conselho” ou “menos Parlamento Europeu”. Mas há, nesta análise, um problema de fundo: a visão das estruturas da UE como um monstro “que ninguém elegeu, que ninguém controla”. É corrente ouvirmos que temos que fazer isto ou aquilo porque Bruxelas o impõe. Mesmo os governantes, quando se referem ao défice ou ao PEC, deixam a ideia de que tomam aquelas opções porque são obrigados. Mas são obrigados por quem?
As decisões de fundo da UE são tomadas pelo Conselho Europeu, onde só têm assento chefes de governo eleitos. A legislação europeia é decidida pelo Parlamento, composto por deputados eleitos, e pelo Conselho dos ministros de governos que resultam do voto popular. As propostas legislativas partem da Comissão, constituída por comissários indicados por esses governos e aprovados pelo Parlamento. São estes os autores das políticas europeias. Tudo o que vem de Bruxelas vem, em última instância, dos políticos que elegemos. Os constrangimentos que o governo e outros alegam em Portugal são apenas aqueles que eles próprios decidiram em Bruxelas. Se há más leis europeias é porque os ministros e os deputados da maioria de centro-direita as aprovaram. São todos eles que têm de ser responsabilizados pelo que Bruxelas nos impõe. O “monstro” tem afinal caras bem conhecidas de todos. Que resultaram do voto popular. E que o povo poderá mudar e passar a controlar quando quiser.

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