Publicado em: O Gaiense, 7 de Agosto de 2010
É em Agosto que nos sentamos longamente junto ao mar apenas a olhar e a pensar, a “lavar os olhos”, como dizia o Eugénio de Andrade. No Algarve é diferente mas, no nosso mar, o que vemos do outro lado são os vizinhos das Américas, que vivem mesmo em frente a nós, sem um palmo de terra a separar-nos, apenas uma longa e larga estrada de céu e mar a convidar-nos. Quando estamos assim sentados (e é virados para oeste que todos preferimos sentar-nos, tanto na areia como nas esplanadas) ficam mais longe ainda as já longínquas franças e alemanhas, o caldo mediterrânico e as estepes geladas.
Somos europeus atlânticos e vivemos em frente ao Novo Mundo. Por isso gostamos da América. Geopolíticas à parte, tivemos recentemente um bom teste para conseguirmos perscrutar lá no fundo do coração as nossas preferências mais íntimas e inconscientes em matéria de relações internacionais: o Mundial de futebol. Toda a gente sabe que ver um jogo sem tomar partido retira toda a emoção, aquele mínimo de sofrimento e alegria sem o qual o futebol perde todo o sabor. Todos preferíamos Portugal, presumo. Mas, quando não era a nossa equipa que estava em campo, quando jogavam, por exemplo, equipas americanas contra europeias, para onde se inclinava o nosso coração de torcedores acidentais? Eu confesso o meu pecado: torcia sempre pelos americanos contra os europeus (melhor dizendo, pelos latino-americanos, que pela equipa dos Estados Unidos nunca conheci ninguém que torcesse). Pelo Brasil em primeiro lugar, mas por todos os outros também. Sentia-os como sendo, de alguma forma, dos nossos. Gostava mais deles do que da Inglaterra, da França ou da Alemanha.
Não sei se muitos de vós sentiram o mesmo, mas penso que há em nós — portugueses e galegos que vemos o sol a pôr-se no meio do mar, mas também nos restantes ibéricos —, um apreço natural por esta relação transatlântica. Que é de alma e de fala, mas que pode também ser económica e política, já que é por aquelas paragens que se estão desenvolver os processos de transformação política e social mais interessantes e progressivos, a que não é alheia a sua melhor resiliência face à crise, apesar de esta ter tido origem bem mais perto deles do que de nós, no seu poderoso vizinho do Norte, com o qual nos querem impingir uma outra aliança atlântica, que o nosso coração naturalmente rejeita, como o Mundial de futebol nos veio, mais uma vez, confirmar.
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