O “Foro de São Paulo”



Publicado em: O Gaiense, 21 de Agosto de 2010

Escrevo-vos esta crónica sentado no mítico Teatro Tango Porteño, no centro de Buenos Aires, na Argentina. Não que tenha vindo cá dançar o tango, que é o que se faz diariamente neste espaço (deixo isso para quem sabe), mas porque aqui decorre a sessão plenária XVI Encontro do Foro de São Paulo (FSP). Pouco conhecido na Europa, o Foro de São Paulo é um actor de primeira linha nas transformações políticas que hoje varrem a América Latina e as Caraíbas. É um espaço de debate e coordenação de partidos de esquerda e centro esquerda desta região do mundo. Criado em 1990, numa reunião em São Paulo, está hoje a comemorar o seu vigésimo aniversário na pátria de Evita e de Che Guevara.
Há vinte anos era essencialmente um agrupamento de partidos de oposição num continente que tinha sido vítima de numerosas ditaduras sangrentas de governos militares e que iria de seguida ser devastado pelas piores receitas liberais do Fundo Monetário Internacional. A Argentina é um exemplo paradigmático destes dois flagelos. Quem não se lembra dos “desaparecimentos” de opositores e da heróica resistência das mães dos desaparecidos, as Madres de la Plaza de Mayo que, com os seus lenços brancos na cabeça (hoje um dos símbolos mais respeitados do país) não deram um mês de descanso aos generais. Os filhos nunca apareceram, mas os generais já não governam a Argentina. Quem não se lembra também da bancarrota e da inflação diária que gerou o caos e a miséria sob o comando férreo do FMI e do consenso de Washington? Hoje, a Argentina, como muitos outros países latino-americanos, rejeita esses caminhos e tenta construir uma nova sociedade. O Foro veio reunir aqui em reconhecimento e apoio a esse processo. A integração política e económica deste subcontinente, que consideram fundamental para resistir às crises e promover o desenvolvimento, é também, em grande parte, fruto das discussões havidas no FSP.
Numa região caracterizada pelos maiores índices de desigualdade do globo, cujas imensas riquezas naturais foram pilhadas por sucessivas levas de colonizadores, oprimida por uma casta militar subordinada às potências hegemónicas, a afirmação livre e independente de novas políticas económicas e sociais produziu já frutos visíveis sentidos pelas populações mais pobres. É a voz desses povos, orgulhosos da “sua América”, que se está a ouvir nestas reuniões. Para os europeus, este é um caso de  estudo a que convém estar atento.



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