Lições de Chipre




Publicado em: O Gaiense, 23 de Março de 2013


Os acontecimentos em torno do “resgate” de Chipre podem ensinar-nos mais sobre a União Europeia do que muitos manuais de política ou economia. Ainda não sabemos como vai acabar, mas sabemos que estamos a viver algo que um dia os nossos netos estudarão nos manuais de história.

A decisão tomada na madrugada de sábado pelo Eurogrupo é rica em ensinamentos. Compreendemos que, quando 17 vítores gaspares se reúnem à volta da mesa para tomar decisões sobre o futuro de um país, tudo é possível, até a violação grosseira de uma Diretiva Europeia recente que dá garantia pública, em toda a UE, ao valor integral dos depósitos bancários até 100 000 euros. Mais chocante foi assistirmos, nos dias seguintes, às sucessivas declarações dos participantes na reunião que, um após outro, vieram dizer que não estavam de acordo com a decisão, entre eles o nosso Vítor Gaspar, o ministro das Finanças alemão, o francês, mas também o próprio governo de Chipre. O facto irritou Durão Barroso, que (como já o vi afirmar) está farto de que os líderes europeus tomem as decisões em Bruxelas e depois vão para os seus países queixar-se das decisões de Bruxelas; em resposta, a Comissão emitiu um comunicado lembrando que a decisão do Eurogrupo foi tomada por unanimidade de todos os Estados-Membros.

Curioso é também que esta decisão unânime do Eurogrupo tivesse zero votos a favor no respectivo Parlamento nacional. O que não pode deixar de nos lembrar, por contraste, que os portugueses elegeram um parlamento incapaz de dizer “não” sempre que foi vital para o país ter uma maioria de deputados com a coragem e a lucidez necessárias para o fazer.

Raramente a política europeia desceu tão baixo como no caso de Chipre. E nunca tinha sido tão clara a urgência de mandarmos para reforma compulsiva os políticos que têm dirigido a UE e os seus Estados-Membros nos últimos anos.


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