Publicado em: O Gaiense, 24 de Maio de 2008
O debate aqueceu no plenário do Parlamento Europeu em Estrasburgo, na sequência dos acontecimentos recentemente registados em Itália com cidadãos ciganos (romanichéis). Em Nápoles e Roma ocorreu uma série de ataques, acampamentos foram incendiados, grupos armados perseguiram os membros destas comunidades. A televisão entrou nesta campanha com um aumento da percentagem do tempo de informação dedicado a denunciar crimes em geral, que passou de 10 para 24%, alimentando uma psicose de medo entre a população. Mas alguns jornais denunciaram uma aliança entre políticos xenófobos e interesses mafiosos, nomeadamente imobiliários.
Um eurodeputado italiano de um partido pró-Mussolini propôs "que a UE promova a criação de um Estado cigano, talvez numa área do Leste europeu; terminaria a sua diáspora, melhoraria a sua qualidade de vida e segurança e, finalmente, também a nossa."
"Uma proposta pouco original – respondeu outro italiano – criar um Estado onde se confinem todos os cidadãos de etnia cigana já foi proposto por Goebbels nos anos 30 na Alemanha nazi e sabemos como eles acabaram nos fornos crematórios."
O Parlamento reagiu à situação em Itália fazendo uma série de recomendações para melhorar a aplicação da legislação antidiscriminatória na UE, sublinhando que os Estados-Membros devem assegurar que as vítimas disponham automaticamente de assistência em processos judiciais, se necessário através de fundos públicos, recomendando que se assegure a capacidade das associações e outras organizações de intentarem acções judiciais com vista à aplicação das directivas antidiscriminação.
A força dos lobbies na UE
Publicado em: O Gaiense, 17 de Maio de 2008
À medida que as competências do Parlamento Europeu se foram alargando, a pressão exercida pelos representantes de grupos de interesses (lobbying) aumentou de forma significativa, com o objectivo não só de influenciar a formulação das políticas e as decisões legislativas, mas também a afectação dos fundos comunitários. Segundo as estimativas, em Bruxelas existem cerca de 15 000 representantes e 2 500 organizações que congregam cada uma vários grupos de interesses, que procuram influenciar as decisões do Parlamento, como fazem também com a Comissão e o Conselho.
O Parlamento propõe agora ao Conselho e à Comissão um acordo interinstitucional para um registo comum obrigatório de todos os lobbies, que seja de fácil acesso na Internet, para que o público facilmente o possa pesquisar. O registo deverá indicar as verbas envolvidas na actividade e a sua proveniência, e haverá um mecanismo de exclusão em caso de actividades inaceitáveis segundo um código de comportamento ético.
O Parlamento considera útil também que seja anexada às decisões uma lista dos lobbyists que foram ouvidos durante a preparação dos textos, sobretudo se os textos forem legislativos; a isto chamou-se a "pegada legislativa", algo que se sugere que a Comissão inclua também nas suas iniciativas. Com esta decisão pretende-se que os lobbies deixem a sua pegada para que se possa seguir o rasto da sua influência nas decisões. É uma tentativa bem intencionada de melhorar a transparência, embora ninguém tenha muitas ilusões de que naquilo que verdadeiramente conta, não haverá pegadas fáceis de seguir. Na Europa como em Portugal.
À medida que as competências do Parlamento Europeu se foram alargando, a pressão exercida pelos representantes de grupos de interesses (lobbying) aumentou de forma significativa, com o objectivo não só de influenciar a formulação das políticas e as decisões legislativas, mas também a afectação dos fundos comunitários. Segundo as estimativas, em Bruxelas existem cerca de 15 000 representantes e 2 500 organizações que congregam cada uma vários grupos de interesses, que procuram influenciar as decisões do Parlamento, como fazem também com a Comissão e o Conselho.
O Parlamento propõe agora ao Conselho e à Comissão um acordo interinstitucional para um registo comum obrigatório de todos os lobbies, que seja de fácil acesso na Internet, para que o público facilmente o possa pesquisar. O registo deverá indicar as verbas envolvidas na actividade e a sua proveniência, e haverá um mecanismo de exclusão em caso de actividades inaceitáveis segundo um código de comportamento ético.
O Parlamento considera útil também que seja anexada às decisões uma lista dos lobbyists que foram ouvidos durante a preparação dos textos, sobretudo se os textos forem legislativos; a isto chamou-se a "pegada legislativa", algo que se sugere que a Comissão inclua também nas suas iniciativas. Com esta decisão pretende-se que os lobbies deixem a sua pegada para que se possa seguir o rasto da sua influência nas decisões. É uma tentativa bem intencionada de melhorar a transparência, embora ninguém tenha muitas ilusões de que naquilo que verdadeiramente conta, não haverá pegadas fáceis de seguir. Na Europa como em Portugal.
Câmara Municipal proíbe Mosquitos
Publicado em: O Gaiense, 10 de Maio de 2008
A minha outra Câmara Municipal (a minha vida está hoje repartida entre Gaia e Bruxelas) acaba de decidir, por unanimidade, proibir os Mosquitos em todo o seu território. Não se trata obviamente dos irritantes insectos, que não se erradicam por deliberação do executivo. “Mosquito” é o nome de uma nova arma de combate a adolescentes considerados indesejáveis, lançada no Reino Unido pela Compound Security Systems. Trata-se de um aparelho electrónico que emite sons de alta-frequência extremamente desagradáveis, mas que são ouvidos apenas por pessoas até aos 20-25 anos. O aparelho auditivo dos adultos é insensível àquelas ondas. Está a ser um sucesso de vendas e é utilizado para evitar a concentração de jovens em espaços públicos, mas também para correr com eles de espaços comerciais onde são considerados clientes pouco rentáveis. A empresa publicita-o como «a solução para o eterno problema dos ajuntamentos indesejáveis de jovens que afectam os lucros» e como uma solução eficaz contra «o comportamento anti-social que se tornou a maior ameaça à propriedade privada na última década».
Os vereadores consideraram-no um instrumento violento que ofende os direitos humanos. Apelaram ao governo belga e à Comissão Europeia para que decretem também uma interdição geral. Até porque há dúvidas sobre os efeitos que pode ter na saúde, sobretudo de crianças e bebés. Em França, há já processos em Tribunal contra o Mosquito. Ao contrário, o governo de Sua Majestade já disse que a proibição não está nos seus planos.
Depois da introdução na Europa das pistolas Taser de descargas eléctricas que, segundo a Amnistia Internacional, já provocaram mais de 200 mortes nos EUA e Canadá, a tecnologia de ponta continua a servir a paranóia securitária que vai minando a nossa forma civilizada de vida.
A minha outra Câmara Municipal (a minha vida está hoje repartida entre Gaia e Bruxelas) acaba de decidir, por unanimidade, proibir os Mosquitos em todo o seu território. Não se trata obviamente dos irritantes insectos, que não se erradicam por deliberação do executivo. “Mosquito” é o nome de uma nova arma de combate a adolescentes considerados indesejáveis, lançada no Reino Unido pela Compound Security Systems. Trata-se de um aparelho electrónico que emite sons de alta-frequência extremamente desagradáveis, mas que são ouvidos apenas por pessoas até aos 20-25 anos. O aparelho auditivo dos adultos é insensível àquelas ondas. Está a ser um sucesso de vendas e é utilizado para evitar a concentração de jovens em espaços públicos, mas também para correr com eles de espaços comerciais onde são considerados clientes pouco rentáveis. A empresa publicita-o como «a solução para o eterno problema dos ajuntamentos indesejáveis de jovens que afectam os lucros» e como uma solução eficaz contra «o comportamento anti-social que se tornou a maior ameaça à propriedade privada na última década».
Os vereadores consideraram-no um instrumento violento que ofende os direitos humanos. Apelaram ao governo belga e à Comissão Europeia para que decretem também uma interdição geral. Até porque há dúvidas sobre os efeitos que pode ter na saúde, sobretudo de crianças e bebés. Em França, há já processos em Tribunal contra o Mosquito. Ao contrário, o governo de Sua Majestade já disse que a proibição não está nos seus planos.
Depois da introdução na Europa das pistolas Taser de descargas eléctricas que, segundo a Amnistia Internacional, já provocaram mais de 200 mortes nos EUA e Canadá, a tecnologia de ponta continua a servir a paranóia securitária que vai minando a nossa forma civilizada de vida.
Direitos do Trabalho na União Europeia
Publicado no jornal Global, Maio 2008
*com Carmen Hilário e Miguel Portas
O SALÁRIO PELO PAÍS DE ORIGEM
Este número do Global dedica-se a dois recentes acórdãos do Tribunal de Justiça Europeu no âmbito da prestação transnacional de serviços, na área da construção civil. O tema pode parecer, à primeira vista, exotérico, “especioso”, mas não é.
Entre o respeito pelas convenções colectivas de trabalho nos países de destino e o regime jurídico aplicável à contratação transnacional de empresas prestadoras de serviços, está aberto o conflito.
Nos casos analisados, as disputas foram parar aos tribunais dos países onde ocorreram, o que levou os juízes nacionais a pedir esclarecimentos sobre a aplicabilidade do direito comunitário ao Tribunal de Justiça da União Europeia, no Luxemburgo.
As respostas do TJE foram favoráveis às empresas prestadoras de serviços. Ao contrário do que se possa pensar, não foi a directiva Bolkestein a fundamentar tais pareceres, mas o artigo 49º do Tratado da Comunidade Europeia, que se manterá em vigor se o Tratado de Lisboa vier a ser ratificado pelos 27.
O CASO VAXHOLM
A empresa Laval, da Letónia, ganhou um concurso para a construção de uma escola, na cidade de Vaxholm, na Suécia. Os sindicatos suecos da construção civil pressionaram a Laval para que assinasse a convenção sueca do sector. A empresa recusou porque queria aplicar aos seus trabalhadores, destacados na Suécia, as convenções da Letónia.
O conflito estalou de imediato. Os sindicatos suecos bloquearam o estaleiro, impediram a entrega das mercadorias e piquetes de greve impediram a entrada de homens e veículos na obra. A Laval pediu o apoio das forças policiais. Estas responderam que, como a acção colectiva era lícita à luz do direito nacional, não podiam intervir. As autoridades informaram a Laval que as condições mínimas previstas nas convenções colectivas eram igualmente aplicáveis aos trabalhadores estrangeiros destacados. A Laval manteve a recusa de adesão à referida convenção. Pouco depois, os trabalhadores destacados pela Laval regressaram à Letónia. A cidade de Vaxholm pediu a rescisão do contrato e a filial da Laval na Suécia declarou-se em situação de falência.
O modelo sueco
Na Suécia, os parceiros sociais negoceiam a convenção colectiva relativa às condições de trabalho e, em seguida, a discussão dos salários, que tem a contrapartida de uma cláusula obrigatória de paz social durante a vigência dos acordos.
Os salários são acordados a nível local entre o sindicato e cada empregador. Só quando os parceiros não chegam a acordo, os salários são objecto de negociações centralizadas. Se, ainda assim, falhar o acordo, o salário de base é determinado por uma «cláusula de reserva» da convenção colectiva. Este salário «de reserva» é um mecanismo de último recurso e não um salário mínimo.
As posições das partes
Na Suécia, o direito à acção sindical e à acção colectiva gozam de protecção constitucional. O TJE considerou, no entanto, que, de acordo com o estipulado na Carta dos Direitos
Fundamentais, tais garantias estão sujeitas a restrições específicas, se colidirem com a legislação comunitária sobre as liberdades fundamentais da União. Na opinião do tribunal europeu, o artigo 49º do Tratado da Comunidade, ficaria comprometido se obstáculos colocados por associações que não são de direito público tornassem menos atractiva, ou mais difícil, a execução de trabalhos de construção por firmas de outros Estados membros no território sueco.
A proibição de acções colectivas para modificar uma convenção em vigor já existe e é aceite pelos sindicatos suecos. Mas o TJE lembra que, se não se pode ir contra uma convenção colectiva sueca, também não se pode contrariar a convenção colectiva do país de origem da empresa que presta serviço no estrangeiro. Resumindo, o ponto de vista do TJE considera que o boicote lançado pelos sindicatos suecos se dirige contra as convenções abrangidas pela lei de outro Estado-Membro, no caso a Letónia, e portanto modificam a regra a meio do jogo.
As organizações sindicais e o Governo sueco, por sua vez, sustentaram que o boicote era justificado porque visava proteger os trabalhadores letões, bem como os suecos, contra a prática do dumping social.
Consequentemente, os sindicatos acusaram a Laval de fugir às obrigações resultantes da regulamentação sueca em matéria de convenções colectivas, e de se escudar por detrás das normas europeias de modo a obter vantagens injustas.
O acórdão do TJE
O direito comunitário não impede os Estados membros de obrigarem as empresas que destacam trabalhadores a observarem o salário mínimo. Mas como a Suécia não tem salário mínimo, esta prerrogativa não se podia aplicar.
As condições de trabalho e de emprego podem ser fixadas, para prestações de serviços transnacionais no domínio da construção, por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas, por convenções colectivas nacionais ou decisões arbitrais de aplicação geral. Tais instrumentos devem ser respeitadas por todos. Mas no caso em apreço não existia nenhum acordo de aplicação geral respeitante a massas salariais.
Na ausência de dispositivos de aplicação geral, o tribunal considerou que um Estado-Membro não tinha o direito de impor a uma empresa estabelecida noutro Estado o resultado de uma negociação “caso a caso”.
Os sindicatos suecos consideram que esta decisão põe em causa o direito a um modelo próprio de negociação colectiva. Formalmente, eles perdem porque não têm salários mínimos com força de lei.
Paradoxalmente, a derrota é consequência de um modelo de organização do conflito entre capital e trabalho que funcionou, em marco nacional, de forma razoavelmente favorável para a parte mais fraca.
Ao invés, a Laval ganhou porque fez vingar o critério do “país de origem” pelo buraco da agulha. Só o pôde fazer porque, independentemente da Directiva Bolkestein, foi o Tratado da Comunidade Europeia que a confortou.
O CASO RÜFFERT
O caso mais recente, conhecido como Rüffert, tem acórdão a 3 de Abril de 2008. O litígio opôs D. Rüffert, representante da empresa alemã de construção Objekt und Bauregie, ao Estado alemão da Baixa Saxónia (Land Niedersachsen). A empresa ganhou por concurso uma empreitada e subcontratou parte a uma empresa polaca, que não pagou o salário mínimo estipulado. O Estado rescindiu, ganhou o processo em Tribunal de primeira instância, mas perdeu o recurso devido ao parecer do Tribunal europeu.
O Land Niedersachsen tem uma lei para a adjudicação de contratos públicos com valor acima dos 10 mil euros: as empreitadas só podem ser entregues a empresas que se comprometam a pagar aos seus trabalhadores, pelo menos, a remuneração fixada na convenção colectiva da construção civil. O adjudicatário responsabiliza-se ainda por impor aos seus subempreiteiros as mesmas obrigações. Os contratos incluem uma cláusula penal no montante de 1 por cento por cada incumprimento culposo e, em caso de incumprimentos múltiplos, a pena pode chegar a 10 por cento do valor do contrato. A violação do contrato autoriza a rescisão sem pré-aviso.
Os factos
No Outono de 2003, após concurso, o Land Niedersachsen adjudicou à Objekt und
Bauregie um contrato para a construção dos toscos no estabelecimento prisional de Göttingen Rosdorf. A Objekt und Bauregie contratou uma empresa com sede na Polónia, que empregou 53 operários a quem pagava um salário 53,43 por cento abaixo do salário mínimo previsto na convenção colectiva da construção civil. O Land Niedersachsen rompeu o contrato de empreitada, acusando a Objekt und Bauregie de ter violado a convenção e aplicou as penalizações previstas na lei.
O acórdão do Tribunal de Justiça
Aberto o conflito, regressou o artigo 49. A empresa polaca estava obrigada a cumprir a lei do Land? O tribunal alemão tinha dúvida e colocou-a ao TJE. Observa que a obrigação de respeitar as convenções colectivas impõe às empresas de construção de outros Estados-Membros a perda de uma vantagem concorrencial decorrente dos seus custos salariais mais baixos, logo é um obstáculo à livre prestação de serviços.
O Tribunal do Luxemburgo começa por dizer que devem ser garantidas aos trabalhadores destacados, condições de trabalho e de emprego dignas, entre as quais, uma protecção e remuneração salarial mínima. Mas lembra que estas condições de trabalho e de emprego têm de ser fixadas por disposições normativas, por convenções colectivas ou decisões arbitrais de aplicação geral. Assim, o efeito de uma lei como a que estava em causa, apenas tocava uma parte do sector da construção porque só se aplicaria aos contratos públicos. Daí não se poder considerar que a rescisão e multa aplicada pelo Land se pudesse justificar com o objectivo de garantir uma protecção mínima dos trabalhadores já que, segundo o Tribunal europeu, nenhum indício permite concluir que a protecção resultante da lei do Land é necessária a um trabalhador quando este exerce as suas actividades no âmbito de um contrato de obras públicas, mas não quando trabalha numa obra privada…
Em consequência, o Land perdeu a causa porque o seu quadro legal, fixando uma remuneração salarial mínima, não cumpria os requisitos de aplicação geral previstos na Directiva 96/71 da União sobre o Destacamento de trabalhadores, e não podia, portanto, ser imposta a empresas estabelecidas noutros Estados membros, constituindo antes uma restrição à liberdade de prestação de serviços.
TRATADO DA COMUNIDADE EUROPEIA
Artigo 49º
As restrições à livre prestação de serviços na Comunidade serão proibidas em relação aos nacionais dos Estados-Membros estabelecidos num Estado da Comunidade que não seja o do destinatário da prestação.
Este artigo é retomado pelo Tratado de Lisboa como art. 56º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
*com Carmen Hilário e Miguel Portas
O SALÁRIO PELO PAÍS DE ORIGEM
Este número do Global dedica-se a dois recentes acórdãos do Tribunal de Justiça Europeu no âmbito da prestação transnacional de serviços, na área da construção civil. O tema pode parecer, à primeira vista, exotérico, “especioso”, mas não é.
Entre o respeito pelas convenções colectivas de trabalho nos países de destino e o regime jurídico aplicável à contratação transnacional de empresas prestadoras de serviços, está aberto o conflito.
Nos casos analisados, as disputas foram parar aos tribunais dos países onde ocorreram, o que levou os juízes nacionais a pedir esclarecimentos sobre a aplicabilidade do direito comunitário ao Tribunal de Justiça da União Europeia, no Luxemburgo.
As respostas do TJE foram favoráveis às empresas prestadoras de serviços. Ao contrário do que se possa pensar, não foi a directiva Bolkestein a fundamentar tais pareceres, mas o artigo 49º do Tratado da Comunidade Europeia, que se manterá em vigor se o Tratado de Lisboa vier a ser ratificado pelos 27.
O CASO VAXHOLM
A empresa Laval, da Letónia, ganhou um concurso para a construção de uma escola, na cidade de Vaxholm, na Suécia. Os sindicatos suecos da construção civil pressionaram a Laval para que assinasse a convenção sueca do sector. A empresa recusou porque queria aplicar aos seus trabalhadores, destacados na Suécia, as convenções da Letónia.
O conflito estalou de imediato. Os sindicatos suecos bloquearam o estaleiro, impediram a entrega das mercadorias e piquetes de greve impediram a entrada de homens e veículos na obra. A Laval pediu o apoio das forças policiais. Estas responderam que, como a acção colectiva era lícita à luz do direito nacional, não podiam intervir. As autoridades informaram a Laval que as condições mínimas previstas nas convenções colectivas eram igualmente aplicáveis aos trabalhadores estrangeiros destacados. A Laval manteve a recusa de adesão à referida convenção. Pouco depois, os trabalhadores destacados pela Laval regressaram à Letónia. A cidade de Vaxholm pediu a rescisão do contrato e a filial da Laval na Suécia declarou-se em situação de falência.
O modelo sueco
Na Suécia, os parceiros sociais negoceiam a convenção colectiva relativa às condições de trabalho e, em seguida, a discussão dos salários, que tem a contrapartida de uma cláusula obrigatória de paz social durante a vigência dos acordos.
Os salários são acordados a nível local entre o sindicato e cada empregador. Só quando os parceiros não chegam a acordo, os salários são objecto de negociações centralizadas. Se, ainda assim, falhar o acordo, o salário de base é determinado por uma «cláusula de reserva» da convenção colectiva. Este salário «de reserva» é um mecanismo de último recurso e não um salário mínimo.
As posições das partes
Na Suécia, o direito à acção sindical e à acção colectiva gozam de protecção constitucional. O TJE considerou, no entanto, que, de acordo com o estipulado na Carta dos Direitos
Fundamentais, tais garantias estão sujeitas a restrições específicas, se colidirem com a legislação comunitária sobre as liberdades fundamentais da União. Na opinião do tribunal europeu, o artigo 49º do Tratado da Comunidade, ficaria comprometido se obstáculos colocados por associações que não são de direito público tornassem menos atractiva, ou mais difícil, a execução de trabalhos de construção por firmas de outros Estados membros no território sueco.
A proibição de acções colectivas para modificar uma convenção em vigor já existe e é aceite pelos sindicatos suecos. Mas o TJE lembra que, se não se pode ir contra uma convenção colectiva sueca, também não se pode contrariar a convenção colectiva do país de origem da empresa que presta serviço no estrangeiro. Resumindo, o ponto de vista do TJE considera que o boicote lançado pelos sindicatos suecos se dirige contra as convenções abrangidas pela lei de outro Estado-Membro, no caso a Letónia, e portanto modificam a regra a meio do jogo.
As organizações sindicais e o Governo sueco, por sua vez, sustentaram que o boicote era justificado porque visava proteger os trabalhadores letões, bem como os suecos, contra a prática do dumping social.
Consequentemente, os sindicatos acusaram a Laval de fugir às obrigações resultantes da regulamentação sueca em matéria de convenções colectivas, e de se escudar por detrás das normas europeias de modo a obter vantagens injustas.
O acórdão do TJE
O direito comunitário não impede os Estados membros de obrigarem as empresas que destacam trabalhadores a observarem o salário mínimo. Mas como a Suécia não tem salário mínimo, esta prerrogativa não se podia aplicar.
As condições de trabalho e de emprego podem ser fixadas, para prestações de serviços transnacionais no domínio da construção, por disposições legislativas, regulamentares ou administrativas, por convenções colectivas nacionais ou decisões arbitrais de aplicação geral. Tais instrumentos devem ser respeitadas por todos. Mas no caso em apreço não existia nenhum acordo de aplicação geral respeitante a massas salariais.
Na ausência de dispositivos de aplicação geral, o tribunal considerou que um Estado-Membro não tinha o direito de impor a uma empresa estabelecida noutro Estado o resultado de uma negociação “caso a caso”.
Os sindicatos suecos consideram que esta decisão põe em causa o direito a um modelo próprio de negociação colectiva. Formalmente, eles perdem porque não têm salários mínimos com força de lei.
Paradoxalmente, a derrota é consequência de um modelo de organização do conflito entre capital e trabalho que funcionou, em marco nacional, de forma razoavelmente favorável para a parte mais fraca.
Ao invés, a Laval ganhou porque fez vingar o critério do “país de origem” pelo buraco da agulha. Só o pôde fazer porque, independentemente da Directiva Bolkestein, foi o Tratado da Comunidade Europeia que a confortou.
O CASO RÜFFERT
O caso mais recente, conhecido como Rüffert, tem acórdão a 3 de Abril de 2008. O litígio opôs D. Rüffert, representante da empresa alemã de construção Objekt und Bauregie, ao Estado alemão da Baixa Saxónia (Land Niedersachsen). A empresa ganhou por concurso uma empreitada e subcontratou parte a uma empresa polaca, que não pagou o salário mínimo estipulado. O Estado rescindiu, ganhou o processo em Tribunal de primeira instância, mas perdeu o recurso devido ao parecer do Tribunal europeu.
O Land Niedersachsen tem uma lei para a adjudicação de contratos públicos com valor acima dos 10 mil euros: as empreitadas só podem ser entregues a empresas que se comprometam a pagar aos seus trabalhadores, pelo menos, a remuneração fixada na convenção colectiva da construção civil. O adjudicatário responsabiliza-se ainda por impor aos seus subempreiteiros as mesmas obrigações. Os contratos incluem uma cláusula penal no montante de 1 por cento por cada incumprimento culposo e, em caso de incumprimentos múltiplos, a pena pode chegar a 10 por cento do valor do contrato. A violação do contrato autoriza a rescisão sem pré-aviso.
Os factos
No Outono de 2003, após concurso, o Land Niedersachsen adjudicou à Objekt und
Bauregie um contrato para a construção dos toscos no estabelecimento prisional de Göttingen Rosdorf. A Objekt und Bauregie contratou uma empresa com sede na Polónia, que empregou 53 operários a quem pagava um salário 53,43 por cento abaixo do salário mínimo previsto na convenção colectiva da construção civil. O Land Niedersachsen rompeu o contrato de empreitada, acusando a Objekt und Bauregie de ter violado a convenção e aplicou as penalizações previstas na lei.
O acórdão do Tribunal de Justiça
Aberto o conflito, regressou o artigo 49. A empresa polaca estava obrigada a cumprir a lei do Land? O tribunal alemão tinha dúvida e colocou-a ao TJE. Observa que a obrigação de respeitar as convenções colectivas impõe às empresas de construção de outros Estados-Membros a perda de uma vantagem concorrencial decorrente dos seus custos salariais mais baixos, logo é um obstáculo à livre prestação de serviços.
O Tribunal do Luxemburgo começa por dizer que devem ser garantidas aos trabalhadores destacados, condições de trabalho e de emprego dignas, entre as quais, uma protecção e remuneração salarial mínima. Mas lembra que estas condições de trabalho e de emprego têm de ser fixadas por disposições normativas, por convenções colectivas ou decisões arbitrais de aplicação geral. Assim, o efeito de uma lei como a que estava em causa, apenas tocava uma parte do sector da construção porque só se aplicaria aos contratos públicos. Daí não se poder considerar que a rescisão e multa aplicada pelo Land se pudesse justificar com o objectivo de garantir uma protecção mínima dos trabalhadores já que, segundo o Tribunal europeu, nenhum indício permite concluir que a protecção resultante da lei do Land é necessária a um trabalhador quando este exerce as suas actividades no âmbito de um contrato de obras públicas, mas não quando trabalha numa obra privada…
Em consequência, o Land perdeu a causa porque o seu quadro legal, fixando uma remuneração salarial mínima, não cumpria os requisitos de aplicação geral previstos na Directiva 96/71 da União sobre o Destacamento de trabalhadores, e não podia, portanto, ser imposta a empresas estabelecidas noutros Estados membros, constituindo antes uma restrição à liberdade de prestação de serviços.
TRATADO DA COMUNIDADE EUROPEIA
Artigo 49º
As restrições à livre prestação de serviços na Comunidade serão proibidas em relação aos nacionais dos Estados-Membros estabelecidos num Estado da Comunidade que não seja o do destinatário da prestação.
Este artigo é retomado pelo Tratado de Lisboa como art. 56º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia
Um presidente para a Europa?
Publicado em: O Gaiense, 3 Maio 2008
Uma das mais marcantes alterações institucionais que serão introduzidas pelo Tratado de Lisboa, se vier a ser ratificado, refere-se à presidência do Conselho Europeu, que deixará de ser exercida por cada um dos 27 chefes de Estado ou de governo durante seis meses num esquema rotativo. Passaremos a ter um presidente escolhido pelo Conselho, com um mandato de dois anos e meio.
Na UE existem outros presidentes. O presidente do Parlamento é um eurodeputado de pleno direito, eleito pelos seus pares por dois anos e meio. O presidente da Comissão, proposto pelo Conselho e votado no Parlamento Europeu, com um mandato de cinco anos, é também ele um membro de pleno direito do conselho de comissários a que preside.
No entanto, o novo presidente do Conselho não será um chefe de Estado ou de governo, um primus inter pares, e não terá sequer direito de voto, nem no órgão a que preside, nem em nenhum outro órgão da UE. É uma figura estranha, a que não estamos habituados nas arquitecturas institucionais democráticas.
O Conselho é o único órgão da UE que não tem uma legitimidade propriamente europeia, resultando a sua composição exclusivamente das eleições para órgãos internos dos Estados-Membros — presidência da República ou Parlamento nacional.
Apresentar o futuro presidente do Conselho, essa figura sem direito de voto, escolhida apenas pelos governos nacionais, como sendo o novo rosto da Europa, seria acentuar o carácter inter-governamental da UE e um real passo atrás na construção de um espírito, de uma cidadania e de uma política verdadeiramente europeia.
Uma das mais marcantes alterações institucionais que serão introduzidas pelo Tratado de Lisboa, se vier a ser ratificado, refere-se à presidência do Conselho Europeu, que deixará de ser exercida por cada um dos 27 chefes de Estado ou de governo durante seis meses num esquema rotativo. Passaremos a ter um presidente escolhido pelo Conselho, com um mandato de dois anos e meio.
Na UE existem outros presidentes. O presidente do Parlamento é um eurodeputado de pleno direito, eleito pelos seus pares por dois anos e meio. O presidente da Comissão, proposto pelo Conselho e votado no Parlamento Europeu, com um mandato de cinco anos, é também ele um membro de pleno direito do conselho de comissários a que preside.
No entanto, o novo presidente do Conselho não será um chefe de Estado ou de governo, um primus inter pares, e não terá sequer direito de voto, nem no órgão a que preside, nem em nenhum outro órgão da UE. É uma figura estranha, a que não estamos habituados nas arquitecturas institucionais democráticas.
O Conselho é o único órgão da UE que não tem uma legitimidade propriamente europeia, resultando a sua composição exclusivamente das eleições para órgãos internos dos Estados-Membros — presidência da República ou Parlamento nacional.
Apresentar o futuro presidente do Conselho, essa figura sem direito de voto, escolhida apenas pelos governos nacionais, como sendo o novo rosto da Europa, seria acentuar o carácter inter-governamental da UE e um real passo atrás na construção de um espírito, de uma cidadania e de uma política verdadeiramente europeia.
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