Uma decisão histórica






Publicado em: O Gaiense, 7 de Julho de 2012

A votação que teve lugar esta semana no Parlamento Europeu (PE) sobre o ACTA - Acordo Comercial Anticontrafação - tem uma importância histórica e um alcance global. O ACTA, inspirado por grandes interesses económicos globais, foi discretamente negociado pela UE e pelos seus Estados-Membros com os Estados Unidos, Austrália, Canadá, Japão e outros países. Só que, pela primeira vez, o PE usou os seus poderes para rejeitar um acordo comercial internacional, o que implica que agora nem a UE, nem qualquer dos seus Estados-Membros poderão aderir ao acordo, apesar de terem sido protagonistas na sua redacção e na imposição a outros países.

A que se ficou a dever esta rejeição? Certamente ao gravoso conteúdo do texto, mas o PE tem aprovado sistematicamente medidas tão más ou piores do que esta. O que houve de novo foi a entrada em cena de um activo movimento cidadão, sobretudo de utilizadores da internet, que fizeram uma enorme campanha de esclarecimento e de pressão sobre os eurodeputados para que votassem contra. As vozes de protesto foram tantas que, mesmo os deputados habituados a votar tudo o que lhes mandam, desta vez tiveram medo das consequências do voto (que era nominal) na sua imagem junto dos eleitores.

Esta foi uma vitória da ala esquerda do parlamento, que se opôs ao texto desde o início, mas foi sobretudo uma vitória da mobilização popular, que mostrou que vale a pena as pessoas empenharem-se nas causas em que acreditam e que os governos, apesar do seu poder, podem sempre ser vencidos.

Chegado o último suspiro do ACTA?


Podemos estar a menos de 24 horas do fim do ACTA na União Europeia, que pode ser decretado por um eventual chumbo do Acordo no Parlamento Europeu.

O projecto de resolução legislativa apresentado a plenário pela Comissão INTA do Comércio Internacional (que pode ler aqui) diz que PE não aprova a conclusão do Acordo e informa o Conselho de que, consequentemente, o acordo não pode ser concluído.

Note-se que o presidente da INTA é o português Vital Moreira, acérrimo defensor do ACTA, que assim é completamente desautorizado pela sua própria Comissão parlamentar.

A recusa do ACTA, a ter lugar, seria uma derrota histórica da direita, da Comissão Europeia e dos governos da União, que redigiram e assinaram o Acordo, impondo o seu ponto de vista "europeu" ao mundo, e que agora passariam pela vergonha máxima de ser a própria UE, através da sua democracia parlamentar, a não aceitar que o Acordo entre em vigor em todo o espaço da UE.

Dada a importância global deste voto, é de esperar tudo nestas últimas horas que antecedem a votação. Os lóbis da direita parlamentar, do Conselho e da Comissão poderão tentar mais uma última manobra para adiar a votação.

Lições da América Latina


Publicado em: O Gaiense, 30 de Junho de 2012

Um golpe acaba de afastar do poder o segundo presidente democraticamente eleito de um país da América Latina (AL): depois de Manuel Zelaya, nas Honduras, agora foi a vez de Fernando Lugo, do Paraguai. Continente antes dominado por ditaduras instauradas por golpes militares, vítima das mais radicais políticas neoliberais, do tipo das que hoje são impostas aos europeus, os povos da AL e das Caraíbas reagiram e foram elegendo, um após outro, presidentes e governos de esquerda, que se opuseram ao domínio do capital financeiro e das grandes multinacionais.

Como os golpes militares clássicos já não são fáceis no século XXI, outras tácticas para a recuperação do poder foram desenvolvidas pela grande burguesia que tinha feito fortuna à sombra das ditaduras. Felizmente hoje temos a Wikileaks para tornar mais claras essas tácticas. Um telegrama, redigido em 2009 para o governo dos EUA pela sua embaixada no Paraguai, relatava pormenorizadamente o plano do golpe que foi agora executado e quem seriam os protagonistas, descrevendo Federico Franco, que assumiu agora a presidência, como um “old-school liberal party politician”, com um ego exagerado e feitio difícil.

As reacções internas e internacionais contra o golpe estão em marcha. O Paraguai acaba de ser suspenso do Mercosul. Muitos governos da AL retiraram os seus embaixadores em Assunção e recusam-se a reconhecer os golpistas e o seu governo. Veremos como reage a Europa, sempre tão lesta a dar lições de democracia a todo o mundo, mas que em relação ao golpe nas Honduras não esteve à altura das suas pretensas credenciais democráticas.

Uma solução para Estrasburgo








Publicado em: O Gaiense, 23 de Junho de 2012

Poucos leitores conhecerão o Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT). Foi criado em 2008 com o objectivo de responder aos desafios societais através da inovação no triângulo do conhecimento – investigação, educação e inovação – materializada em Comunidades de Conhecimento e Inovação, parcerias altamente integradas de universidades, centros de investigação, empresas e outros agentes de inovação, em torno de temas específicos. O êxito desta experiência levou a que, nos programas da UE para o novo período 2014-2020, actualmente em fase de decisão, a Comissão Barroso tenha proposto um significativo aumento da dotação orçamental do EIT de 309 para 3182 milhões de euros.

A relatora do Parlamento Europeu (PE) para a definição da nova Agenda Estratégica do Instituto, que começou esta semana a ser discutida no PE, é a deputada portuguesa Marisa Matias. De entre as suas propostas, a que tem provocado maior debate é a hipótese de transferir para o EIT o edifício do PE em Estrasburgo, que está absolutamente vazio durante 27 dias por mês, no que se tornou um símbolo maior do absurdo na política europeia e do mau uso do dinheiro dos contribuintes.

Ver aquele edifício magnífico, pleno de condições, todos os dias cheio de investigadores e estudantes, as grandes salas animadas por conferências sobre tecnologia e ciência, seria um sinal de uma UE finalmente apostada em coisas que valem a pena, e ainda por cima sem custos adicionais, porque o edifício já existe, já o pagámos, poderia finalmente servir para alguma coisa. Terão os políticos europeus o bom-senso e a coragem para dar esse passo?

Sem vencedores antecipados



Publicado em: O Gaiense, 16 de Junho de 2012

Domingo vai ser dia de grandes emoções. Porque as competições só são autênticas e apaixonantes quando está tudo em aberto e não há vencedores antecipados. Não é certo que a Alemanha fique na frente, como sempre, nem que Portugal fique para trás. Vai jogar-se futebol a sério, daquele que se decide dentro das quatro linhas, no próprio dia.

Vou ver o jogo na sede do Syriza, em Atenas, onde se joga o outro euro. A essa hora, estarão a ser divulgados os primeiros resultados das eleições gregas em que, pela primeira vez, está também tudo em aberto e não há vencedores antecipados. Não é certo que os interesses da Alemanha fiquem na frente, como sempre, nem que o trabalhador grego fique para trás. No berço da democracia vai disputar-se uma eleição a sério, daquelas que se decidem nas urnas, no próprio dia.

Talvez ganhem mais uma vez os partidos da troika e da austeridade. Mas, o simples facto de essa vitória não estar antecipadamente garantida introduz um factor completamente novo, que revitaliza a democracia e altera o panorama político europeu: os partidos que trouxeram a Europa até à desgraçada situação em que se encontra, afinal podem ser derrotados. O grande dogma das últimas décadas – “não há alternativa” – foi ferido de morte. E não se trata de uma particularidade da martirizada nação helénica. As últimas sondagens na rica Holanda têm dado o primeiro lugar a um partido do mesmo grupo parlamentar europeu do Syriza.

Portugueses, animem-se! Também nós vamos poder mudar de vida, que hoje o futuro já não é o que era.

Aeroporto de Copenhague




Publicado em: O Gaiense, 9 de Junho de 2012

Esta semana tive uma reunião com a administração do Aeroporto de Copenhague e com o principal sindicato representativo dos 22 000 trabalhadores de muitas empresas diferentes que ali trabalham. De acordo com o modelo social dinamarquês, os trabalhadores do aeroporto participam na definição das decisões que os afectam e os empregos são minimamente decentes e com direitos. O resultado são melhores salários, mais produtividade, mais respeito por todos e melhor ambiente de trabalho.

Aqui fica um pormenor ilustrativo de como funciona: quando uma empresa começa a trabalhar no aeroporto (e isto é válido para uma pequena loja, para serviços de limpeza ou para uma companhia aérea que ali estabeleça base operacional) recebe uma carta do sindicato dando as boas-vindas e convidando-a para uma reunião com vista a decidir o acordo de trabalho dos funcionários que ali irão operar. Nessa carta informam que, se não aceitarem o convite, ou se da reunião não resultar um acordo, ficam desde já notificados, nos termos da lei dinamarquesa, para acções de luta e bloqueio da sua actividade.

E as empresas sabem que os sindicatos na Dinamarca funcionam mesmo e que a lei não facilita a vida a quem não respeita as regras de concertação. Que o diga a administração da Ryanair, campeã no tratamento indigno dos trabalhadores, aos quais proíbe mesmo de se sindicalizarem. Quando recentemente aterrou um avião para transportar a direcção da empresa para uma reunião com as autoridades aeroportuárias, viu os trabalhadores do aeroprto recusarem realizar os serviços normais às aeronaves, incluindo reabastecer, e tiveram de usar o resto do combustível para irem à vizinha cidade sueca de Malmö encher o depósito para poderem ir para casa.

“Francos progressos em várias frentes”




Publicado em: O Gaiense, 2 de Junho de 2012

A Comissão Europeia publicou esta semana as suas análises e recomendações específicas para cada um dos 27 Estados-membros para 2012-2013.

Não se encontram surpresas, a Comissão continuará a pressionar Portugal no mesmo sentido de sempre. Algumas citações podem ajudar a esclarecer esse sentido. A Comissão “sublinha a importância de adotar rapidamente as reformas estruturais dos mercados do trabalho e dos produtos, com vista a reduzir o custo da mão-de-obra”, lamenta que “a duração máxima das prestações de desemprego seja ainda demasiado longa” e lembra que “as principais medidas incluem cortes significativos nos salários do setor público e nos direitos de pensão, bem como a aplicação de taxas do IVA mais elevadas a um grande número de bens e serviços.” A Comissão defende mesmo que é preciso “eliminar as taxas reduzidas de impostos, por exemplo no IVA”.

A Comissão prevê “que outros projetos de privatização, principalmente no setor dos transportes, tomem forma em 2012” e louva os “esforços para salvaguardar o setor financeiro através de mecanismos baseados no mercado, sustentados por recursos de reserva.”

O documento conclui dizendo que “Portugal realizou francos progressos em várias frentes”. Ninguém duvida. Os nossos desempregados, os milhões de pobres, os utentes dos serviços de saúde e dos restantes serviços públicos não param de festejar alegremente esses francos progressos.