A estratégia da miséria



Publicado em: O Gaiense, 7 de Janeiro de 2012
Portugal vai ser, em 2012, um campo privilegiado de experimentação da estratégia da miséria. Não porque o governo queira ver os portugueses na pobreza, o que nenhum governo certamente deseja para o seu povo, até pelos custos políticos associados. A questão é mais séria e profunda. Trata-se da tentativa de mudança de época na Europa, de encerrar de vez o ciclo histórico iniciado no pós-guerra e que se caracterizou por um contrato social que incluía um conjunto de direitos laborais e sociais e de serviços públicos, que ficou conhecido como modelo social europeu. Este “contrato” entre o capital e o trabalho que vigorou durante décadas, com as novas circunstâncias políticas e económicas globais deixou de interessar ao capital, que tem tentado, por todas as formas, proceder à sua rescisão unilateral. Mas, apesar de todos os ataques dos últimos anos, o modelo subsiste na generalidade dos países da “velha Europa” e tem-se revelado difícil de eliminar pacificamente.
A crise financeira veio abrir uma ocasião de ouro para atingir esse objectivo. Com o argumento das dificuldades (umas reais, outras provocadas), pode enfim criar-se o ambiente propício à aceitação popular de políticas drásticas de austeridade, de cortes de direitos, de eliminação de serviços e de alienação de bens públicos que, noutras circunstâncias, seriam liminarmente rejeitadas. A estratégia passa pela redução de parte das populações à miséria e pela propagação entre os outros do receio de nela cair, induzindo um estado geral de resignação. E depois, na fase da recuperação, cavalgando a vitória da estratégia da miséria, destruído o modelo social europeu, impor “generosamente” um novo modelo económico, em que o nível salarial e a ausência de direitos permita uma nova redistribuição de rendimentos entre o capital e o trabalho, transformando a Europa num continente onde as condições de exploração possam competir com a Ásia e o resto do mundo.

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