Publicado em: O Gaiense, 27 de Dezembro de 2008
Na dita “capital” da União Europeia, o ano vai acabar sem governo. O governo belga é a primeira vítima política da actual crise financeira. Será um sinal do que iremos ter em maior escala no ano que vai começar?
O governo de Yves Leterme nunca foi um exemplo de estabilidade. Formado muitos meses depois do acto eleitoral que lhe deu origem (por dificuldades em articular uma base parlamentar no absurdo xadrez político, regional e linguístico em que a Bélgica se transformou), tentou sair do descrédito com uma acção rápida e retumbante de salvamento dos dois principais bancos do país: Fortis e Dexia. Pode ter salvo provisoriamente os bancos do naufrágio iminente, pode ter evitado o efeito dominó que criaria, mas afundou-se ele próprio na mesma operação.
O Fortis é o maior empregador privado na Bélgica. O plano, acordado entre a Bélgica, a Holanda e o Luxemburgo, incluía o desmantelamento do banco. Na Holanda nacionalizam-se as suas principais actividades e o governo belga acorda com o banco francês BNP Paribas a tomada de controle das actividades bancárias e de seguros na Bélgica. Os pequenos accionistas, vendo as suas acções perder todo o valor com esta partilha dos sectores rentáveis da instituição, recorrem judicialmente. O Tribunal não só lhes dá razão, como denuncia a existência de pressões do governo para evitar esta decisão. O caso, já chamado de “Fortisgate”, avoluma-se, fala-se de corrupção e o governo demite-se em bloco. A Bélgica mergulha numa crise política, que vem somar-se à crise financeira e económica.
Ninguém arrisca previsões sobre os efeitos desta conjugação de crises. 2009 arranca, pois, com céu fortemente nublado e prováveis tempestades. O conhecido efeito dominó, bem conhecido no sector financeiro, também existirá no mundo da política?
Para que serve um Parlamento?
Publicado em: O Gaiense, 20 de Dezembro de 2008
Esta semana, o Parlamento Europeu (PE) tomou uma daquelas decisões que vão ser referidas durante anos como um exemplo da utilidade da instituição: votou a Directiva sobre o tempo de trabalho. A proposta que estava em cima da mesa, oriunda da Comissão e depois alterada e transformada em posição comum do Conselho, foi adoptada pelos governos em Junho.
Basicamente propunha que o velho limite de 48 horas por semana, proposto pela OIT nos idos de 1919, e que consta da Directiva europeia em vigor, fosse alvo de derrogações, permitindo que a semana de trabalho se estendesse até 60 ou 65 horas e, em casos especiais, até 79 horas.
Defendia ainda que o tempo que um trabalhador é obrigado a estar no seu local de trabalho à disposição da entidade patronal a fim de poder, se necessário, prestar serviços imediatamente, não contasse como tempo de trabalho se o trabalhador não fosse utilizado.
E outro rol de malfeitorias que a dimensão desta crónica não permite abordar. Estas eram as propostas da Comissão Europeia e do Conselho Europeu. Mas, na UE, a co-decisão legislativa obriga a ter também a aprovação do PE. E os deputados votaram por larga maioria contra este verdadeiro regresso ao ambiente mais sórdido dos livros de Charles Dickens. E votaram desta forma, diga-se em abono da verdade, deputados europeus de todos os partidos, mesmo dos partidos cujos membros na Comissão e no Conselho (nos governos) foram responsáveis por esta vergonhosa proposta.
Daí que se possa responder muito facilmente a quem nos pergunte para que serve o PE: olhem, pelo menos serve para isto, que se estivéssemos entregues à Comissão e ao Conselho estávamos entregues à bicharada.
Esta semana, o Parlamento Europeu (PE) tomou uma daquelas decisões que vão ser referidas durante anos como um exemplo da utilidade da instituição: votou a Directiva sobre o tempo de trabalho. A proposta que estava em cima da mesa, oriunda da Comissão e depois alterada e transformada em posição comum do Conselho, foi adoptada pelos governos em Junho.
Basicamente propunha que o velho limite de 48 horas por semana, proposto pela OIT nos idos de 1919, e que consta da Directiva europeia em vigor, fosse alvo de derrogações, permitindo que a semana de trabalho se estendesse até 60 ou 65 horas e, em casos especiais, até 79 horas.
Defendia ainda que o tempo que um trabalhador é obrigado a estar no seu local de trabalho à disposição da entidade patronal a fim de poder, se necessário, prestar serviços imediatamente, não contasse como tempo de trabalho se o trabalhador não fosse utilizado.
E outro rol de malfeitorias que a dimensão desta crónica não permite abordar. Estas eram as propostas da Comissão Europeia e do Conselho Europeu. Mas, na UE, a co-decisão legislativa obriga a ter também a aprovação do PE. E os deputados votaram por larga maioria contra este verdadeiro regresso ao ambiente mais sórdido dos livros de Charles Dickens. E votaram desta forma, diga-se em abono da verdade, deputados europeus de todos os partidos, mesmo dos partidos cujos membros na Comissão e no Conselho (nos governos) foram responsáveis por esta vergonhosa proposta.
Daí que se possa responder muito facilmente a quem nos pergunte para que serve o PE: olhem, pelo menos serve para isto, que se estivéssemos entregues à Comissão e ao Conselho estávamos entregues à bicharada.
Tempo de trabalho: Parlamento Europeu bloqueia regresso ao século XIX
Publicado em: Esquerda.net / Opinião em 18 Dezembro 2008
Era demais. No auge da crise, depois de todos os apoios dados aos bancos, depois do "não" irlandês no referendo, na ressaca das trapalhadas para impor o Tratado de Lisboa contra as mais elementares regras da democracia, depois de terem constatado o crescente descrédito das políticas anti-sociais da União Europeia, decretar agora o fim do limite de 48 horas de trabalho semanal seria um movimento demasiado arriscado para quem precisa de ser eleito daqui a seis meses: os deputados europeus.
A grande manifestação sindical europeia, que percorreu as ruas de Estrasburgo na véspera da votação da Directiva sobre o tempo de trabalho, fez-se eco de uma verdadeira causa de civilização, mais do que apenas uma causa sindical. A proposta da Comissão e do Conselho de permitir que a semana de trabalho se estenda até às 65 horas e, em certos casos, até às 79 horas seria uma inversão do curso da história e aparentaria um regresso aos tempos negros do capitalismo do século XIX.
Sobre a Comissão Europeia, autora da proposta, já todos sabemos que não vai a votos junto do povo. E que batalha a todo o custo pela competitividade, objectivo prioritário expresso na Estratégia de Lisboa, que os integristas do mercado sobrepõem à qualidade de vida profissional e familiar dos trabalhadores. Para a Comissão, valores mais altos se levantam e a proposta de Directiva servia os interesses do costume.
Os governos afinaram pelo mesmo diapasão. Haveria sempre a possibilidade de dizerem depois, nos debates domésticos, que a culpa é de Bruxelas. Que por eles, governos, não se teria tocado nas leis que regulam o tempo de trabalho, mas que tinham, contrariados, que obedecer à Directiva. No entanto, se existe uma posição do Conselho, é porque os governos a aprovaram. Para nossa vergonha, na reunião do Conselho de 9 de Junho de 2008 que adoptou a Directiva, só os governos espanhol e grego votaram contra. Alguns governos, como o de Portugal, abstiveram-se. Esta proposta que hoje o Parlamento Europeu (PE) teve a coragem de rejeitar, é a posição comum que o conjunto dos governos lhe propôs que fosse adoptada. O voto do PE é assim uma séria derrota não só da Comissão, como também do Conselho e das suas presidências.
O limite da duração semanal do trabalho
Vejamos mais em pormenor alguns dos aspectos mais relevantes da decisão tomada. O que está em causa é a revisão de algumas das disposições da Directiva sobre o tempo de trabalho actualmente em vigor (Directiva 2003/88/CE).
Uma das questões mais importantes era a possibilidade de os governos poderem exercer um opt-out ou não participação, e as cláusulas de derrogação relativamente ao limite semanal de 48 horas. Lembremo-nos que este modesto limite tinha sido aprovado pela OIT em 1919, há já quase um século...
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DIRECTIVA 2003/88/CE
Artigo 6.º
Duração máxima do trabalho semanal
Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que, em função dos imperativos de protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores:
a) A duração semanal do trabalho seja limitada através de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas ou de convenções colectivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais;
b) A duração média do trabalho em cada período de sete dias não exceda 48 horas, incluindo as horas extraordinárias, em cada período de sete dias.
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Estava estipulado que, embora o princípio geral seja que a duração máxima do trabalho semanal na União Europeia é de 48 horas e, na prática, constitua excepção que os trabalhadores na União excedam esse limite, os Estados-Membros podem decidir não aplicar o artigo 6.º da Directiva. A esquerda propunha que esta derrogação terminasse de imediato. O Conselho pretendia manter a derrogação. O que foi aprovado pelo PE estipula que a derrogação deverá terminar no máximo 36 meses a partir da data de publicação da Directiva. Não é o ideal, mas é uma vitória importantíssima contra as pretensões do Conselho.
O Conselho defendia que o limite de horas de trabalho semanal autorizado no âmbito do opt-out, calculadas como média num período de três meses, seria de 60 horas se houvesse uma convenção colectiva ou mesmo de 65 horas se não houvesse convenção e o período inactivo do tempo de permanência fosse considerado como tempo de trabalho. Sendo contabilizada em períodos trimestrais, a duração do trabalho numa determinada semana poderia chegar às 78 ou 79 horas.
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DIRECTIVA 2003/88/CE
Artigo 16.º
Períodos de referência
Os Estados-Membros podem prever:
b) Para efeitos de aplicação do artigo 6.º (duração máxima do trabalho semanal), um período de referência não superior a quatro meses.
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Quanto ao período de referência para o cálculo da duração de trabalho, no âmbito do cumprimento da Directiva, a esquerda parlamentar defendeu que os quatro meses se deveriam manter, mas a posição comum do Conselho de passá-lo para doze meses não foi rejeitada. Este foi talvez o aspecto mais negativo de um conjunto de decisões do PE que vão genericamente no bom sentido.
Definição do tempo de trabalho e período inactivo do tempo de permanência
Uma outra questão importante prende-se com a definição de tempo de trabalho, e sobre se este inclui ou não as horas que um trabalhador é obrigado a estar no seu local de trabalho à disposição da entidade patronal para intervir assim que seja necessário. A Comissão e o Conselho propunham que os períodos inactivos durante o tempo de permanência não fossem contados. O Parlamento, pelo contrário, subscreveu a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, considerando que o que caracteriza o conceito de "tempo de trabalho" é a obrigação de estar presente no local determinado pela entidade empregadora e à disposição da mesma, a fim de poder, se necessário, prestar serviços imediatamente.
Este aspecto tem uma especial relevância para os bombeiros, médicos e outro pessoal do sector da saúde, que por isso se fizeram representar em grande número na manifestação de Estrasburgo.
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DIRECTIVA 2003/88/CE
Artigo 2.o
Definições
Para efeitos do disposto na presente directiva, entende-se por:
1. Tempo de trabalho: qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua actividade ou das suas funções, de acordo com a legislação e/ou a prática nacional.
Proposta do Conselho (rejeitada):
O período inactivo do tempo de permanência não é considerado tempo de trabalho, salvo disposição em contrário da legislação nacional ou, nos termos da legislação e/ou das práticas nacionais, de convenção colectiva ou acordo entre parceiros sociais.
Decisão do Parlamento:
Todo o tempo de permanência, incluindo o período inactivo, é considerado tempo de trabalho.
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O descanso compensatório
Outro aspecto muito significativo da decisão do PE refere-se ao descanso compensatório dos trabalhadores que, por necessidade de serviço, não puderam gozar do descanso normal. Foi aprovado que os trabalhadores deverão poder beneficiar de períodos descanso compensatório após a realização dos períodos de serviço. Esta decisão, que parece de elementar justiça e relevando do mais básico senso comum, estava também na mira dos integristas da exploração, que propunham que deveria ser da responsabilidade dos Estados-Membros a fixação da duração de um "prazo razoável" para conceder aos trabalhadores períodos equivalentes de descanso compensatório. Isto foi considerado desumano e gerador de situações em que a fadiga excessiva provoca frequentes acidentes de trabalho.
Sequência do processo
Tendo o Parlamento rejeitado a posição comum do Conselho, abrem-se agora duas hipóteses: ou o Conselho recua nos seus propósitos e aceita todas as alterações do Parlamento, e a Directiva assim revista pode entrar em vigor, ou então o Conselho não aceita e dar-se-á início a uma fase chamada de "conciliação", durante a qual os dois órgãos legislativos da União tentarão chegar a um acordo. Se não houver acordo, não há Directiva.
Para o movimento sindical e para a esquerda política, o momento é agora de exercer a máxima pressão sobre os seus governos para que se vejam obrigados a abandonar as propostas vergonhosas que constam da posição comum do Conselho, bem como a evitar os opt-outs. Não esquecendo que os inspiradores destas propostas, os lobbies empresariais e os políticos que os representam farão também a sua pressão, chantagem e promessas para que os parlamentares cedam nas posições agora tomadas.
Temos hoje uma vitória parcial e provisória, mas o desfecho deste processo está longe de estar definido. Como se costuma dizer: a luta continua!
Era demais. No auge da crise, depois de todos os apoios dados aos bancos, depois do "não" irlandês no referendo, na ressaca das trapalhadas para impor o Tratado de Lisboa contra as mais elementares regras da democracia, depois de terem constatado o crescente descrédito das políticas anti-sociais da União Europeia, decretar agora o fim do limite de 48 horas de trabalho semanal seria um movimento demasiado arriscado para quem precisa de ser eleito daqui a seis meses: os deputados europeus.
A grande manifestação sindical europeia, que percorreu as ruas de Estrasburgo na véspera da votação da Directiva sobre o tempo de trabalho, fez-se eco de uma verdadeira causa de civilização, mais do que apenas uma causa sindical. A proposta da Comissão e do Conselho de permitir que a semana de trabalho se estenda até às 65 horas e, em certos casos, até às 79 horas seria uma inversão do curso da história e aparentaria um regresso aos tempos negros do capitalismo do século XIX.
Sobre a Comissão Europeia, autora da proposta, já todos sabemos que não vai a votos junto do povo. E que batalha a todo o custo pela competitividade, objectivo prioritário expresso na Estratégia de Lisboa, que os integristas do mercado sobrepõem à qualidade de vida profissional e familiar dos trabalhadores. Para a Comissão, valores mais altos se levantam e a proposta de Directiva servia os interesses do costume.
Os governos afinaram pelo mesmo diapasão. Haveria sempre a possibilidade de dizerem depois, nos debates domésticos, que a culpa é de Bruxelas. Que por eles, governos, não se teria tocado nas leis que regulam o tempo de trabalho, mas que tinham, contrariados, que obedecer à Directiva. No entanto, se existe uma posição do Conselho, é porque os governos a aprovaram. Para nossa vergonha, na reunião do Conselho de 9 de Junho de 2008 que adoptou a Directiva, só os governos espanhol e grego votaram contra. Alguns governos, como o de Portugal, abstiveram-se. Esta proposta que hoje o Parlamento Europeu (PE) teve a coragem de rejeitar, é a posição comum que o conjunto dos governos lhe propôs que fosse adoptada. O voto do PE é assim uma séria derrota não só da Comissão, como também do Conselho e das suas presidências.
O limite da duração semanal do trabalho
Vejamos mais em pormenor alguns dos aspectos mais relevantes da decisão tomada. O que está em causa é a revisão de algumas das disposições da Directiva sobre o tempo de trabalho actualmente em vigor (Directiva 2003/88/CE).
Uma das questões mais importantes era a possibilidade de os governos poderem exercer um opt-out ou não participação, e as cláusulas de derrogação relativamente ao limite semanal de 48 horas. Lembremo-nos que este modesto limite tinha sido aprovado pela OIT em 1919, há já quase um século...
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DIRECTIVA 2003/88/CE
Artigo 6.º
Duração máxima do trabalho semanal
Os Estados-Membros tomarão as medidas necessárias para que, em função dos imperativos de protecção da segurança e da saúde dos trabalhadores:
a) A duração semanal do trabalho seja limitada através de disposições legislativas, regulamentares ou administrativas ou de convenções colectivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais;
b) A duração média do trabalho em cada período de sete dias não exceda 48 horas, incluindo as horas extraordinárias, em cada período de sete dias.
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Estava estipulado que, embora o princípio geral seja que a duração máxima do trabalho semanal na União Europeia é de 48 horas e, na prática, constitua excepção que os trabalhadores na União excedam esse limite, os Estados-Membros podem decidir não aplicar o artigo 6.º da Directiva. A esquerda propunha que esta derrogação terminasse de imediato. O Conselho pretendia manter a derrogação. O que foi aprovado pelo PE estipula que a derrogação deverá terminar no máximo 36 meses a partir da data de publicação da Directiva. Não é o ideal, mas é uma vitória importantíssima contra as pretensões do Conselho.
O Conselho defendia que o limite de horas de trabalho semanal autorizado no âmbito do opt-out, calculadas como média num período de três meses, seria de 60 horas se houvesse uma convenção colectiva ou mesmo de 65 horas se não houvesse convenção e o período inactivo do tempo de permanência fosse considerado como tempo de trabalho. Sendo contabilizada em períodos trimestrais, a duração do trabalho numa determinada semana poderia chegar às 78 ou 79 horas.
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DIRECTIVA 2003/88/CE
Artigo 16.º
Períodos de referência
Os Estados-Membros podem prever:
b) Para efeitos de aplicação do artigo 6.º (duração máxima do trabalho semanal), um período de referência não superior a quatro meses.
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Quanto ao período de referência para o cálculo da duração de trabalho, no âmbito do cumprimento da Directiva, a esquerda parlamentar defendeu que os quatro meses se deveriam manter, mas a posição comum do Conselho de passá-lo para doze meses não foi rejeitada. Este foi talvez o aspecto mais negativo de um conjunto de decisões do PE que vão genericamente no bom sentido.
Definição do tempo de trabalho e período inactivo do tempo de permanência
Uma outra questão importante prende-se com a definição de tempo de trabalho, e sobre se este inclui ou não as horas que um trabalhador é obrigado a estar no seu local de trabalho à disposição da entidade patronal para intervir assim que seja necessário. A Comissão e o Conselho propunham que os períodos inactivos durante o tempo de permanência não fossem contados. O Parlamento, pelo contrário, subscreveu a jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, considerando que o que caracteriza o conceito de "tempo de trabalho" é a obrigação de estar presente no local determinado pela entidade empregadora e à disposição da mesma, a fim de poder, se necessário, prestar serviços imediatamente.
Este aspecto tem uma especial relevância para os bombeiros, médicos e outro pessoal do sector da saúde, que por isso se fizeram representar em grande número na manifestação de Estrasburgo.
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DIRECTIVA 2003/88/CE
Artigo 2.o
Definições
Para efeitos do disposto na presente directiva, entende-se por:
1. Tempo de trabalho: qualquer período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à disposição da entidade patronal e no exercício da sua actividade ou das suas funções, de acordo com a legislação e/ou a prática nacional.
Proposta do Conselho (rejeitada):
O período inactivo do tempo de permanência não é considerado tempo de trabalho, salvo disposição em contrário da legislação nacional ou, nos termos da legislação e/ou das práticas nacionais, de convenção colectiva ou acordo entre parceiros sociais.
Decisão do Parlamento:
Todo o tempo de permanência, incluindo o período inactivo, é considerado tempo de trabalho.
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O descanso compensatório
Outro aspecto muito significativo da decisão do PE refere-se ao descanso compensatório dos trabalhadores que, por necessidade de serviço, não puderam gozar do descanso normal. Foi aprovado que os trabalhadores deverão poder beneficiar de períodos descanso compensatório após a realização dos períodos de serviço. Esta decisão, que parece de elementar justiça e relevando do mais básico senso comum, estava também na mira dos integristas da exploração, que propunham que deveria ser da responsabilidade dos Estados-Membros a fixação da duração de um "prazo razoável" para conceder aos trabalhadores períodos equivalentes de descanso compensatório. Isto foi considerado desumano e gerador de situações em que a fadiga excessiva provoca frequentes acidentes de trabalho.
Sequência do processo
Tendo o Parlamento rejeitado a posição comum do Conselho, abrem-se agora duas hipóteses: ou o Conselho recua nos seus propósitos e aceita todas as alterações do Parlamento, e a Directiva assim revista pode entrar em vigor, ou então o Conselho não aceita e dar-se-á início a uma fase chamada de "conciliação", durante a qual os dois órgãos legislativos da União tentarão chegar a um acordo. Se não houver acordo, não há Directiva.
Para o movimento sindical e para a esquerda política, o momento é agora de exercer a máxima pressão sobre os seus governos para que se vejam obrigados a abandonar as propostas vergonhosas que constam da posição comum do Conselho, bem como a evitar os opt-outs. Não esquecendo que os inspiradores destas propostas, os lobbies empresariais e os políticos que os representam farão também a sua pressão, chantagem e promessas para que os parlamentares cedam nas posições agora tomadas.
Temos hoje uma vitória parcial e provisória, mas o desfecho deste processo está longe de estar definido. Como se costuma dizer: a luta continua!
Nos 60 anos da Declaração Universal
Publicado em: O Gaiense, 13 de Dezembro de 2008
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.” Esta bela frase com que se inicia o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, hoje ainda tão longe de ser uma realidade universal, deveria ser acrescida de um complemento: nascem, vivem e morrem livres e iguais.
A articulação dos dois preceitos fundamentais da carta — “livres e iguais”, a liberdade e a igualdade — é uma das questões maiores da teoria política.
Há quem reconheça que a liberdade e a igualdade devem ser absolutas à nascença, mas se recuse a estender este reconhecimento a todo o decurso da vida do ser humano. Titular desses direitos à nascença, por imposição literal da Declaração, o ser humano seria por natureza dado à desigualdade, cabendo à liberdade garantir o desenvolvimento sem constrangimentos dessa natural desigualdade. Para eles, o que há que garantir é apenas a “igualdade de oportunidades” para que a competição seja justa. A imposição da igualdade seria um estorvo à liberdade.
E há, por outro lado, quem tenha usado o pretexto da igualdade como justificação para adiar a liberdade.
Nem uns nem outros reconhecem a profunda e essencial articulação que existe entre as duas. A igualdade é uma condição para a realização plena da liberdade. Nunca seremos verdadeiramente livres se não formos iguais. A liberdade sem igualdade é apenas a liberdade dos mais ricos ou dos mais fortes. Mas também nunca seremos verdadeiramente iguais se não formos completamente livres. Porque a ausência de liberdade só é possível se uns poucos tiverem a força suficiente para a negar a todos os outros e esta é, já em si, a pior das desigualdades.
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos.” Esta bela frase com que se inicia o artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, hoje ainda tão longe de ser uma realidade universal, deveria ser acrescida de um complemento: nascem, vivem e morrem livres e iguais.
A articulação dos dois preceitos fundamentais da carta — “livres e iguais”, a liberdade e a igualdade — é uma das questões maiores da teoria política.
Há quem reconheça que a liberdade e a igualdade devem ser absolutas à nascença, mas se recuse a estender este reconhecimento a todo o decurso da vida do ser humano. Titular desses direitos à nascença, por imposição literal da Declaração, o ser humano seria por natureza dado à desigualdade, cabendo à liberdade garantir o desenvolvimento sem constrangimentos dessa natural desigualdade. Para eles, o que há que garantir é apenas a “igualdade de oportunidades” para que a competição seja justa. A imposição da igualdade seria um estorvo à liberdade.
E há, por outro lado, quem tenha usado o pretexto da igualdade como justificação para adiar a liberdade.
Nem uns nem outros reconhecem a profunda e essencial articulação que existe entre as duas. A igualdade é uma condição para a realização plena da liberdade. Nunca seremos verdadeiramente livres se não formos iguais. A liberdade sem igualdade é apenas a liberdade dos mais ricos ou dos mais fortes. Mas também nunca seremos verdadeiramente iguais se não formos completamente livres. Porque a ausência de liberdade só é possível se uns poucos tiverem a força suficiente para a negar a todos os outros e esta é, já em si, a pior das desigualdades.
O inferno dos paraísos fiscais
Publicado em: O Gaiense, 6 de Dezembro de 2008
Conforme vão sendo conhecidos com mais pormenor os contornos das operações financeiras especulativas que estiveram no coração da tormenta, vai ganhando força uma ideia simples e concreta: é preciso acabar com os paraísos fiscais, placas giratórias para fuga ao fisco e bases de operações de capitais com origem e destino duvidosos. O combate à economia de casino passa por aí. Nos casinos jogam-se fortunas, mas o jogo de casino, apesar de tudo, tem regras, tem controle e paga impostos. Os paraísos fiscais nem casinos são. São salas de jogo clandestino.
A opinião pública portuguesa tem sido confrontada directamente com este problema a propósito dos negócios escuros da Sociedade Lusa de Negócios e do BPN, que já deram lugar à prisão do ex-presidente do banco. Situação mais preocupante quando pensamos que este perito em utilização de paraísos fiscais foi, ao longo de dois governos, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, ou seja, foi (em princípio) o responsável pelo combate à fuga ao fisco.
Há dois problemas que a UE tem hoje de enfrentar: um é a regulação das operações das empresas europeias com os paraísos fiscais, muito especialmente as operações dos bancos que estão a receber ajudas provenientes de dinheiros ou avales públicos, sobre as quais a falta de controle seria ainda mais escandalosa.
Mas a UE nunca terá autoridade nesta matéria se não começar por dar ela mesma o exemplo. Dentro do espaço da União há inúmeros paraísos fiscais, espaços legais de realização de operações sem lei. A crise tem reforçado a voz dos que reclamam o encerramento imediato de todos os paraísos fiscais dos Estados-membros.
Conforme vão sendo conhecidos com mais pormenor os contornos das operações financeiras especulativas que estiveram no coração da tormenta, vai ganhando força uma ideia simples e concreta: é preciso acabar com os paraísos fiscais, placas giratórias para fuga ao fisco e bases de operações de capitais com origem e destino duvidosos. O combate à economia de casino passa por aí. Nos casinos jogam-se fortunas, mas o jogo de casino, apesar de tudo, tem regras, tem controle e paga impostos. Os paraísos fiscais nem casinos são. São salas de jogo clandestino.
A opinião pública portuguesa tem sido confrontada directamente com este problema a propósito dos negócios escuros da Sociedade Lusa de Negócios e do BPN, que já deram lugar à prisão do ex-presidente do banco. Situação mais preocupante quando pensamos que este perito em utilização de paraísos fiscais foi, ao longo de dois governos, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, ou seja, foi (em princípio) o responsável pelo combate à fuga ao fisco.
Há dois problemas que a UE tem hoje de enfrentar: um é a regulação das operações das empresas europeias com os paraísos fiscais, muito especialmente as operações dos bancos que estão a receber ajudas provenientes de dinheiros ou avales públicos, sobre as quais a falta de controle seria ainda mais escandalosa.
Mas a UE nunca terá autoridade nesta matéria se não começar por dar ela mesma o exemplo. Dentro do espaço da União há inúmeros paraísos fiscais, espaços legais de realização de operações sem lei. A crise tem reforçado a voz dos que reclamam o encerramento imediato de todos os paraísos fiscais dos Estados-membros.
Plano Europeu de Recuperação Económica
Publicado em: O Gaiense, 29 de Novembro de 2008
Durão Barroso apresentou esta semana a proposta de plano da Comissão Europeia (CE) para combate à crise.
O plano assenta em dois pilares: uma injecção de poder de compra na economia para aumentar a procura e estimular a confiança, feita sobretudo a partir de uma expansão dos orçamentos públicos, e um programa de acções e medidas a curto prazo, numa mistura de velhas receitas fracassadas com algumas medidas interessantes e positivas.
Mas ninguém sabe ainda se o plano vai ter pernas para andar, até porque não depende da CE. O proposto impulso orçamental imediato de 200 mil milhões de euros (1,5% do PIB da UE), que muitos consideram bastante insuficiente, contém apenas um compromisso da CE de 30 mil milhões; pede-se aos Estados-membros que assegurem os restantes 170 (1,2% do PIB). E aqui podem começar os problemas. Merkel e Sarkozy consideram que 1% já seria um bom objectivo. A Irlanda acha muito bom o plano, mas não acha conveniente participar. E outras reacções se seguirão.
Barroso propõe também uma redução temporária da taxa normal do IVA, para estimular o consumo. Mas, no dia em que o Reino Unido baixou a sua taxa para 15%, a chanceler alemã (que aumentou o IVA de 16% para 19% no início do ano passado) já se pronunciou contra uma redução generalizada. Prefere uma redução no imposto automóvel, para apoiar as vendas desta importante indústria alemã, preocupada com a concorrência que pode resultar do apoio que Obama prepara para os construtores americanos.
Uma crise desta envergadura exige, de facto, uma resposta coordenada. Ainda não é claro se a vamos ter. E em que sentido a vamos ter.
Durão Barroso apresentou esta semana a proposta de plano da Comissão Europeia (CE) para combate à crise.
O plano assenta em dois pilares: uma injecção de poder de compra na economia para aumentar a procura e estimular a confiança, feita sobretudo a partir de uma expansão dos orçamentos públicos, e um programa de acções e medidas a curto prazo, numa mistura de velhas receitas fracassadas com algumas medidas interessantes e positivas.
Mas ninguém sabe ainda se o plano vai ter pernas para andar, até porque não depende da CE. O proposto impulso orçamental imediato de 200 mil milhões de euros (1,5% do PIB da UE), que muitos consideram bastante insuficiente, contém apenas um compromisso da CE de 30 mil milhões; pede-se aos Estados-membros que assegurem os restantes 170 (1,2% do PIB). E aqui podem começar os problemas. Merkel e Sarkozy consideram que 1% já seria um bom objectivo. A Irlanda acha muito bom o plano, mas não acha conveniente participar. E outras reacções se seguirão.
Barroso propõe também uma redução temporária da taxa normal do IVA, para estimular o consumo. Mas, no dia em que o Reino Unido baixou a sua taxa para 15%, a chanceler alemã (que aumentou o IVA de 16% para 19% no início do ano passado) já se pronunciou contra uma redução generalizada. Prefere uma redução no imposto automóvel, para apoiar as vendas desta importante indústria alemã, preocupada com a concorrência que pode resultar do apoio que Obama prepara para os construtores americanos.
Uma crise desta envergadura exige, de facto, uma resposta coordenada. Ainda não é claro se a vamos ter. E em que sentido a vamos ter.
Barroso amigo, Sócrates está contigo
Publicado em: Opinião / Esquerda.net em 25 de Novembro de 2008
O governo português já tornou público, através do ministro Luís Amado, o seu apoio à recondução de Durão Barroso na presidência da Comissão Europeia, em resposta às críticas que foram dirigidas ao seu mandato por parte de diversos políticos europeus.
Mantém-se, assim, uma regra de ouro da política europeia: o consenso que garante a "governabilidade". Consenso sobretudo entre as duas grandes famílias políticas do Partido Popular Europeu (onde está o PSD e o PP) e do Partido Socialista Europeu (onde está o PS). Todos se lembram da elegância com que o então primeiro-ministro Durão Barroso sempre reafirmou o seu apoio à eventual candidatura de António Vitorino para o cargo. Agora se confirma: amor com amor se paga.
Esta política europeia do consenso é uma política antiga na UE. Os "pais fundadores" do projecto europeu tentaram construir instituições pouco contaminadas pelo debate político e ideológico. O que se pode entender: os seis países fundadores acabavam de sair dos dois lados de uma guerra total, com invasões cruéis e milhões de mortos. A politização das decisões e das reuniões seria provavelmente explosiva e revelar-se-ia fatal para os periclitantes primeiros passos de uma caminhada conjunta que se pretendia de longo prazo.
Também em Portugal, desde os primórdios da adesão, se tratou de apresentar a Europa como um desígnio nacional, uma opção consensual que deveria unir as várias famílias políticas e não ser objecto de disputa directa. Assim se tem mantido até hoje. As recentes declarações de apoio são uma decorrência natural dessa estratégia.
Porém, esta política europeia do consenso ao centro, que hoje não tem qualquer razão histórica ou institucional para ser mantida, tem repercussões negativas mais fortes do que à primeira vista pode parecer.
Ela gera a falta de um verdadeiro debate público sobre as políticas concretas da UE, que tendem a ser apresentadas como soluções técnicas e neutras ou então, se claramente políticas, como inevitáveis e sem alternativa razoável. Assim, o que será preciso fazer, segundo os planos da Comissão e do Conselho, é apenas dar mais informação, fazer uma melhor propaganda da bondade da UE.
Uma das consequências desta visão preversa é o crescente afastamento das populações face à questão europeia e o desinteresse pelas eleições europeias. Quando se vota nas eleições legislativas nacionais, as populações percebem que do seu voto resulta uma mudança ou a manutenção do governo e alimentam mesmo esperanças (geralmente frustadas) de eventuais mudanças de políticas. Mas, quando votam para as eleições europeias, os eleitores não percebem qual é a influência do seu voto na política e nas caras da União. A Comissão irá continuar a ser presidida por Barroso, o Conselho continuará as suas presidências rotativas (ou passará a ter um presidente), as políticas serão provavelmente inalteradas. O eleitor tem fundadas razões para não entender para que serviu realmente o seu voto.
O mesmo não aconteceu nos referendos, que foram geralmente vivos e participados. Os franceses e holandeses sabem que é devido ao seu voto que (felizmente) não estamos submetidos à Constituição de Giscard e os irlandeses sabem que foi o seu voto que travou, pelo menos para já, o Tratado de Lisboa. Por os referendos terem politizado a questão europeia e por a terem submetido à força da democracia, ficaram debaixo de fogo dos profissionais do negócio do consenso. E as consultas populares foram retiradas imediatamente da cena política europeia.
Ora, a existência de uma relação visível entre o voto popular e a sua consequência política e institucional é absolutamente essencial para a democracia, um sistema que precisa de alternativas claras, que fomentem debates sérios e decisões conscientes. É isto que está em falta na Europa. A ideologia do consenso do bloco central é a base do défice democrático na União e do consequente afastamento dos cidadãos.
Construir a democracia ao nível da UE passa necessariamente por rebentar com este sistema sufocante e imoral de acordo que hoje governa a meias os destinos da União. Passa pela politização da questão europeia, pela clarificação dos projectos políticos, pela apresentação de candidaturas que perdem ou que ganham de acordo com a forma como os votos se expressam. O consenso oficial e o abafamento das diferenças é apanágio dos regimes anti-democráticos.
Durão Barroso é, obviamente, o candidato de Sócrates e dos seus socialistas da treta. Não é nem será o candidato da esquerda, nem daqueles que não metem o socialismo na gaveta.
O governo português já tornou público, através do ministro Luís Amado, o seu apoio à recondução de Durão Barroso na presidência da Comissão Europeia, em resposta às críticas que foram dirigidas ao seu mandato por parte de diversos políticos europeus.
Mantém-se, assim, uma regra de ouro da política europeia: o consenso que garante a "governabilidade". Consenso sobretudo entre as duas grandes famílias políticas do Partido Popular Europeu (onde está o PSD e o PP) e do Partido Socialista Europeu (onde está o PS). Todos se lembram da elegância com que o então primeiro-ministro Durão Barroso sempre reafirmou o seu apoio à eventual candidatura de António Vitorino para o cargo. Agora se confirma: amor com amor se paga.
Esta política europeia do consenso é uma política antiga na UE. Os "pais fundadores" do projecto europeu tentaram construir instituições pouco contaminadas pelo debate político e ideológico. O que se pode entender: os seis países fundadores acabavam de sair dos dois lados de uma guerra total, com invasões cruéis e milhões de mortos. A politização das decisões e das reuniões seria provavelmente explosiva e revelar-se-ia fatal para os periclitantes primeiros passos de uma caminhada conjunta que se pretendia de longo prazo.
Também em Portugal, desde os primórdios da adesão, se tratou de apresentar a Europa como um desígnio nacional, uma opção consensual que deveria unir as várias famílias políticas e não ser objecto de disputa directa. Assim se tem mantido até hoje. As recentes declarações de apoio são uma decorrência natural dessa estratégia.
Porém, esta política europeia do consenso ao centro, que hoje não tem qualquer razão histórica ou institucional para ser mantida, tem repercussões negativas mais fortes do que à primeira vista pode parecer.
Ela gera a falta de um verdadeiro debate público sobre as políticas concretas da UE, que tendem a ser apresentadas como soluções técnicas e neutras ou então, se claramente políticas, como inevitáveis e sem alternativa razoável. Assim, o que será preciso fazer, segundo os planos da Comissão e do Conselho, é apenas dar mais informação, fazer uma melhor propaganda da bondade da UE.
Uma das consequências desta visão preversa é o crescente afastamento das populações face à questão europeia e o desinteresse pelas eleições europeias. Quando se vota nas eleições legislativas nacionais, as populações percebem que do seu voto resulta uma mudança ou a manutenção do governo e alimentam mesmo esperanças (geralmente frustadas) de eventuais mudanças de políticas. Mas, quando votam para as eleições europeias, os eleitores não percebem qual é a influência do seu voto na política e nas caras da União. A Comissão irá continuar a ser presidida por Barroso, o Conselho continuará as suas presidências rotativas (ou passará a ter um presidente), as políticas serão provavelmente inalteradas. O eleitor tem fundadas razões para não entender para que serviu realmente o seu voto.
O mesmo não aconteceu nos referendos, que foram geralmente vivos e participados. Os franceses e holandeses sabem que é devido ao seu voto que (felizmente) não estamos submetidos à Constituição de Giscard e os irlandeses sabem que foi o seu voto que travou, pelo menos para já, o Tratado de Lisboa. Por os referendos terem politizado a questão europeia e por a terem submetido à força da democracia, ficaram debaixo de fogo dos profissionais do negócio do consenso. E as consultas populares foram retiradas imediatamente da cena política europeia.
Ora, a existência de uma relação visível entre o voto popular e a sua consequência política e institucional é absolutamente essencial para a democracia, um sistema que precisa de alternativas claras, que fomentem debates sérios e decisões conscientes. É isto que está em falta na Europa. A ideologia do consenso do bloco central é a base do défice democrático na União e do consequente afastamento dos cidadãos.
Construir a democracia ao nível da UE passa necessariamente por rebentar com este sistema sufocante e imoral de acordo que hoje governa a meias os destinos da União. Passa pela politização da questão europeia, pela clarificação dos projectos políticos, pela apresentação de candidaturas que perdem ou que ganham de acordo com a forma como os votos se expressam. O consenso oficial e o abafamento das diferenças é apanágio dos regimes anti-democráticos.
Durão Barroso é, obviamente, o candidato de Sócrates e dos seus socialistas da treta. Não é nem será o candidato da esquerda, nem daqueles que não metem o socialismo na gaveta.
G 19+1
Publicado em: O Gaiense, 22 de Novembro de 2008
No passado fim-de-semana, 19 líderes dos países mais ricos do mundo reuniram com o que resta do presidente dos EUA: um cadáver político sem autoridade democrática e muito menos autoridade moral para falar sobre esta crise. Mas que, ainda assim, conseguiu bloquear a decisão de se enveredar por uma maior coordenação global. E só não bloqueou uma mudança de rumo mais profunda porque, à volta da mesa, ninguém pareceu verdadeiramente interessado em propô-la.
Com os EUA e a UE acusando as maiores dificuldades, foram a China, o Japão e a Arábia Saudita que apareceram como os mais prováveis candidatos a ajudar nas situações mais graves. E a Índia fez ouvir a sua voz, sublinhando que as maiores vítimas desta crise serão os países emergentes, que menos contribuíram para as suas causas.
A reunião realizou-se no país que provocou a crise, tendo como anfitrião o seu maior responsável político e ideológico. O que já era, à partida, um sinal preocupante. Na opinião da generalidade dos comentadores, o resultado final só não foi decepcionante porque era mais do que previsível. Reafirmou-se a fé nos princípios do mercado e da concorrência, na liberdade de comércio e investimento. E afirmou-se que é preciso evitar o excesso de regulação, que poderia contrair os fluxos de capitais. Como se diz por cá: o mais cego é o que não quer ver.
Marcaram um segundo encontro para 30 de Abril, dessa vez já como G20 e não como G19+1. Veremos então como avaliam os resultados das parcas medidas agora tomadas.
No passado fim-de-semana, 19 líderes dos países mais ricos do mundo reuniram com o que resta do presidente dos EUA: um cadáver político sem autoridade democrática e muito menos autoridade moral para falar sobre esta crise. Mas que, ainda assim, conseguiu bloquear a decisão de se enveredar por uma maior coordenação global. E só não bloqueou uma mudança de rumo mais profunda porque, à volta da mesa, ninguém pareceu verdadeiramente interessado em propô-la.
Com os EUA e a UE acusando as maiores dificuldades, foram a China, o Japão e a Arábia Saudita que apareceram como os mais prováveis candidatos a ajudar nas situações mais graves. E a Índia fez ouvir a sua voz, sublinhando que as maiores vítimas desta crise serão os países emergentes, que menos contribuíram para as suas causas.
A reunião realizou-se no país que provocou a crise, tendo como anfitrião o seu maior responsável político e ideológico. O que já era, à partida, um sinal preocupante. Na opinião da generalidade dos comentadores, o resultado final só não foi decepcionante porque era mais do que previsível. Reafirmou-se a fé nos princípios do mercado e da concorrência, na liberdade de comércio e investimento. E afirmou-se que é preciso evitar o excesso de regulação, que poderia contrair os fluxos de capitais. Como se diz por cá: o mais cego é o que não quer ver.
Marcaram um segundo encontro para 30 de Abril, dessa vez já como G20 e não como G19+1. Veremos então como avaliam os resultados das parcas medidas agora tomadas.
A libertação dos legumes
Publicado em: O Gaiense, 15 de Novembro de 2008
A Comissária europeia Mariann Fischer Boel anunciou esta semana “o início de uma nova era para os pepinos curvos e as cenouras nodosas” que, juntamente com outras frutas e legumes de boa qualidade, mas com uma forma considerada menos correcta pela paranóia normalizadora de Bruxelas, estavam excluídos do mercado e agora vão poder ser de novo vendidos. É uma boa notícia para as alcachofras, cebolas e todos os seus parceiros de infortúnio. É também uma boa notícia para agricultores e consumidores.
Mas isto vem sobretudo lembrar aos europeus o ridículo em que se transformou uma União essencialmente voltada para a construção do mercado de bens, serviços e capitais. Uma UE que vota solenemente em sessão plenária do seu Parlamento a dimensão dos espelhos rectrovisores dos tractores agrícolas, mas que é incapaz de se pronunciar sobre os salários mínimos ou as pensões ou de fixá-los numa percentagem do salário médio de cada país com o mesmo à vontade com que fixou o diâmetro dos pepinos das nossas saladas.
Pior ainda: quando, por exemplo, um Estado alemão obrigou as empresas que destacam trabalhadores para o seu território a pagarem o salário mínimo, veio a UE dizer que essa uniformização é ilegal porque viola as regras da livre concorrência e afecta a competitividade das empresas que pagam salários abaixo dos mínimos.
Há de facto dois caminhos bem diferentes para a UE: ou se mantém como um regulador económico voltado para o funcionamento do mercado interno e a competitividade ou então optamos por uma Europa de fortes políticas sociais e redistributivas.
Para já, é a primeira que está a ganhar. Mas o jogo ainda nem sequer chegou ao intervalo.
A Comissária europeia Mariann Fischer Boel anunciou esta semana “o início de uma nova era para os pepinos curvos e as cenouras nodosas” que, juntamente com outras frutas e legumes de boa qualidade, mas com uma forma considerada menos correcta pela paranóia normalizadora de Bruxelas, estavam excluídos do mercado e agora vão poder ser de novo vendidos. É uma boa notícia para as alcachofras, cebolas e todos os seus parceiros de infortúnio. É também uma boa notícia para agricultores e consumidores.
Mas isto vem sobretudo lembrar aos europeus o ridículo em que se transformou uma União essencialmente voltada para a construção do mercado de bens, serviços e capitais. Uma UE que vota solenemente em sessão plenária do seu Parlamento a dimensão dos espelhos rectrovisores dos tractores agrícolas, mas que é incapaz de se pronunciar sobre os salários mínimos ou as pensões ou de fixá-los numa percentagem do salário médio de cada país com o mesmo à vontade com que fixou o diâmetro dos pepinos das nossas saladas.
Pior ainda: quando, por exemplo, um Estado alemão obrigou as empresas que destacam trabalhadores para o seu território a pagarem o salário mínimo, veio a UE dizer que essa uniformização é ilegal porque viola as regras da livre concorrência e afecta a competitividade das empresas que pagam salários abaixo dos mínimos.
Há de facto dois caminhos bem diferentes para a UE: ou se mantém como um regulador económico voltado para o funcionamento do mercado interno e a competitividade ou então optamos por uma Europa de fortes políticas sociais e redistributivas.
Para já, é a primeira que está a ganhar. Mas o jogo ainda nem sequer chegou ao intervalo.
La "refundación capitalista" y los nuevos desafíos de la izquierda
Publicado en:
http://www.kaosenlared.net/noticia/refundacion-capitalista-nuevos-desafios-izquierda
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=75321
Traducción: Insurrectasypunto
¿La crisis actual, y sobre todo las medidas propuestas por los gobiernos para su superación, van a llevar a un verdadero cambio de fase en el sistema capitalista?¿O las anunciadas medidas para la «refundación del capitalismo» son sobre todo medidas provisorias, acompañadas de mucha retórica y demagogia, cambiando lo que sea necesario para que, en lo esencial, todo quede igual?
La verdad es que todavía no lo sabemos. No parece posible dar hoy una respuesta debidamente fundamentada a esta pregunta dilemática. Pero, no por eso, la respuesta deja de ser de capital importancia para nosotros.
Después de Bretton Woods y de la fase keynesiana de la post guerra, que alteró el capitalismo en la forma como había sido vivido hasta entonces y lo adaptó a las nuevas condiciones históricas de aquella época; después de este modelo haber sido, a su vez, lenta y definitivamente enterrado y substituido por el modelo neoliberal, impulsado desde el tiempo de Reagan y de Thatcher y que se fue volviendo dominante hasta nuestros días, ¿será que estamos hoy a asistiendo en vivo al inicio de una nueva fase y de un nuevo modelo de capitalismo que va a sustituir al modelo neoliberal, en Europa y a nivel global?
Todavía no lo sabemos. Como tampoco sabemos exactamente como podrá ser esa eventual nueva configuración del capitalismo post 2008. No lo sabemos nosotros, ni lo saben aquellos que lo proyectan y protagonizan. Porque la eventualidad de un nuevo Bretton Woods y la refundación del sistema con nuevas bases es un proyecto en plena creación, aún en fase de definición de sus líneas generales. Fase que se caracteriza necesariamente por una gran incertidumbre, pero también por una gran dinámica; Sus contornos ciertamente obtendrán mayor nitidez a corto plazo.
Es verdad que no tenemos datos sólidos y consistentes para sustentar la tesis de que estamos delante de un verdadero cambio de fase. Pero, a pesar de no constituir todavía una tesis plenamente defendible, parece haber ya señales suficientes para que tengamos que considerarla como una hipo-tese, una hipótesis plausible.
Si se verificase esta hipótesis, las consecuencias serán de gran envergadura para todo el movimiento crítico. Porque nuestros instrumentos teóricos y políticos de crítica y combate al neoliberalismo no serán adecuados a la crítica y combate a la nueva forma que el capitalismo asumirá. Si entramos en nueva fase armados apenas con la tradicional argumentación anti-neoliberal, vamos con certeza a equivocarnos.
Tenemos de aceptar que va seguramente a haber un desfase entre la elaboración de nuestra respuesta y la eventual aparición de nuevas fórmulas del sistema capitalista. Este desfase es inevitable, porque la crítica tiene siempre que construirse después de que el objeto a criticar esté mínimamente definido y consolidado.
Pero el peligro que tenemos que evitar es que este desfase sea excesivo, y que las nuevas respuestas tarden de tal manera que, en los grandes embates políticos y electorales europeos e nacionales que vamos vivir en el 2009, y que definirán el panorama político para los próximos años, las poblaciones sean confrontadas con propuestas innovadoras (por lo menos aparentemente) de las fuerzas de la «refundación capitalista», y con viejas críticas del campo anticapitalista, dirigidas sobre todo al modelo de la fase anterior. Eso crearía un quiebre de la comunicación en el debate político, que seria desfavorable a quien pareciera, delante de la opinión pública, como estando en una fase atrasada al momento de transición histórica que estamos por atravesar.
http://www.kaosenlared.net/noticia/refundacion-capitalista-nuevos-desafios-izquierda
http://www.rebelion.org/noticia.php?id=75321
Traducción: Insurrectasypunto
¿La crisis actual, y sobre todo las medidas propuestas por los gobiernos para su superación, van a llevar a un verdadero cambio de fase en el sistema capitalista?¿O las anunciadas medidas para la «refundación del capitalismo» son sobre todo medidas provisorias, acompañadas de mucha retórica y demagogia, cambiando lo que sea necesario para que, en lo esencial, todo quede igual?
La verdad es que todavía no lo sabemos. No parece posible dar hoy una respuesta debidamente fundamentada a esta pregunta dilemática. Pero, no por eso, la respuesta deja de ser de capital importancia para nosotros.
Después de Bretton Woods y de la fase keynesiana de la post guerra, que alteró el capitalismo en la forma como había sido vivido hasta entonces y lo adaptó a las nuevas condiciones históricas de aquella época; después de este modelo haber sido, a su vez, lenta y definitivamente enterrado y substituido por el modelo neoliberal, impulsado desde el tiempo de Reagan y de Thatcher y que se fue volviendo dominante hasta nuestros días, ¿será que estamos hoy a asistiendo en vivo al inicio de una nueva fase y de un nuevo modelo de capitalismo que va a sustituir al modelo neoliberal, en Europa y a nivel global?
Todavía no lo sabemos. Como tampoco sabemos exactamente como podrá ser esa eventual nueva configuración del capitalismo post 2008. No lo sabemos nosotros, ni lo saben aquellos que lo proyectan y protagonizan. Porque la eventualidad de un nuevo Bretton Woods y la refundación del sistema con nuevas bases es un proyecto en plena creación, aún en fase de definición de sus líneas generales. Fase que se caracteriza necesariamente por una gran incertidumbre, pero también por una gran dinámica; Sus contornos ciertamente obtendrán mayor nitidez a corto plazo.
Es verdad que no tenemos datos sólidos y consistentes para sustentar la tesis de que estamos delante de un verdadero cambio de fase. Pero, a pesar de no constituir todavía una tesis plenamente defendible, parece haber ya señales suficientes para que tengamos que considerarla como una hipo-tese, una hipótesis plausible.
Si se verificase esta hipótesis, las consecuencias serán de gran envergadura para todo el movimiento crítico. Porque nuestros instrumentos teóricos y políticos de crítica y combate al neoliberalismo no serán adecuados a la crítica y combate a la nueva forma que el capitalismo asumirá. Si entramos en nueva fase armados apenas con la tradicional argumentación anti-neoliberal, vamos con certeza a equivocarnos.
Tenemos de aceptar que va seguramente a haber un desfase entre la elaboración de nuestra respuesta y la eventual aparición de nuevas fórmulas del sistema capitalista. Este desfase es inevitable, porque la crítica tiene siempre que construirse después de que el objeto a criticar esté mínimamente definido y consolidado.
Pero el peligro que tenemos que evitar es que este desfase sea excesivo, y que las nuevas respuestas tarden de tal manera que, en los grandes embates políticos y electorales europeos e nacionales que vamos vivir en el 2009, y que definirán el panorama político para los próximos años, las poblaciones sean confrontadas con propuestas innovadoras (por lo menos aparentemente) de las fuerzas de la «refundación capitalista», y con viejas críticas del campo anticapitalista, dirigidas sobre todo al modelo de la fase anterior. Eso crearía un quiebre de la comunicación en el debate político, que seria desfavorable a quien pareciera, delante de la opinión pública, como estando en una fase atrasada al momento de transición histórica que estamos por atravesar.
O novo espírito do capitalismo?
Publicado em: Opinião / Esquerda.net em 10 de Novembro de 2008
Na passada sexta-feira (7 de Novembro de 2008) Luc Boltanski veio ao Porto, à Fundação de Serralves, fazer uma palestra integrada no ciclo de conferências internacionais intitulado “Crítica do Contemporâneo”.
Neste tempo em que, dia após dia, vamos assistindo ao evoluir de uma nova e profunda crise do capitalismo, a comunicação de Boltanski, um analista perspicaz e profundo do sistema capitalista e das suas transformações históricas, não podia deixar de gerar o maior interesse.
Hoje o debate está ao rubro por toda a Europa, e é bom saber que o Porto não é excepção. Nessa sexta-feira estava eu de regresso de uma série de intensas reuniões na Polónia; numa daquelas longas esperas de aeroporto, entre um e outro voo, folheei um semanário alemão – Die Zeit. Na capa, para além do inevitável Obama, chamou-me a atenção uma foto do Jürgen Habermas com o título “É o fim do neoliberalismo” que anunciava uma conversa com o filósofo. Esta conversa ocupava toda a primeira e segunda página de um dos cadernos, onde se lia o destaque: “Depois da bancarrota. A ilusão das privatizações chegou ao fim. Não é o mercado, mas a política que tem que realizar o bem comum. Uma conversa sobre a necessidade de uma ordem internacional.”
Noutro dos cadernos do mesmo Die Zeit, as quatro primeiras páginas eram dedicadas a John Maynard Keynes, apresentado como “O salvador do capitalismo”. Como subtítulos: “Nas crises a ‘mão invisível’ não se mexe” e “o capitalismo é um sistema vigoroso mas muito frágil”.
E assim sucessivamente, página a página, a crise ia-se dissecando entre críticos e apologistas do sistema. Mas o tema não se ficava pelos textos, infiltra-se também no espaço da publicidade. Num anúncio a cores, a toda a largura da página, um simpático sexagenário de barba grisalha, vestido de padre, era a vedeta de um anúncio de uma editora. Anunciava o novo livro deste homem de deus, Reinhard Marx, intitulado Das Kapital. Não podia ser mais sugestivo. Sob o slogan “A especulação selvagem é pecado” dizia-se que o autor critica os responsáveis pela crise financeira. Na capa do livro, uma faixa vaticina que “Um capitalismo sem humanidade, sem solidariedade e sem justiça, não tem moral e não tem nenhum futuro”. Como contraponto a este anúncio, um outro de outro livro intitulado “Ousar mais capitalismo. Notas sobre uma sociedade justa”. Refiro esta concreta edição de um jornal alemão apenas para ilustrar a intensidade dos debates que percorrem a Europa.
Foi com este aquecimento neuronal que aterrei no Porto decidido a não perder a conferência do Boltanski. O seu livro magistral – Le Nouvel Esprit du Capitalisme (ainda não editado em português) -–, publicado há quase uma década em colaboração com Eve Chiapello, tinha sido um momento marcante da crítica às novas formas que o capitalismo assumiu a partir dos anos 70. Os autores tentavam, com esta obra, ajudar a colmatar um défice cuja constatação a seu ver se impunha nos anos 90: a de que a verdadeira crise não era a crise do capitalismo, mas sim a crise da crítica ao capitalismo.
Esta crise da crítica devia-se ao facto de os críticos e os movimentos que estes inspiravam estarem em atraso face às novas realidades económicas e sociais; mantinham discursos, análises e acções que se tinham revelado frutuosos na fase anterior, nas três décadas depois da guerra, mas que agora se revelavam impotentes porque não correspondiam às novas formas que o capitalismo tinha assumido na sua nova fase. A crítica antiga não era já eficaz face aos novos modos de organização do trabalho e das empresas, que abandonavam o pesado modelo fordista de hierarquia para assumir a leveza das redes, com equipas reduzidas geridas por objectivos e por projectos, instáveis, flexíveis e inseguras, avaliadas permanentemente pela sua suposta criatividade, autonomia e rentabilidade.
Dizia Boltanski, em 1999, que o novo capitalismo tinha conseguido integrar, em seu proveito, muitos aspectos da crítica que tinha sido dirigida pelos seus oponentes contra as formas anteriores de exploração e opressão. O neoliberalismo, ao superar a forma anterior do capitalismo, teria conseguido simultaneamente superar a sua crítica, integrando parte dela e tornando a restante obsoleta porque desfocada da realidade. A obra de Boltanski e Chiapello visava portanto o relançamento da crítica e do movimento de resistência em novas bases, para poder recuperar a eficácia de combate às novas formas que o capitalismo tinha assumido.
Porque assistimos hoje a uma nova viragem no capitalismo, esta era, pois, uma conferência a não perder. Até porque, mais uma vez, e como Boltanski e Chiapello tinham analisado na viragem anterior, o segundo “novo espírito do capitalismo” está a integrar uma série de argumentos dos críticos do neoliberalismo. Fá-lo, é certo, em proveito dos mesmos objectivos de sempre: a acumulação de riqueza nas mãos da mesma classe. Mas todos já nos espantámos (e indignámos) ao ver muitos dos argumentos com que durante anos combatemos o neoliberalismo serem hoje usados nos discursos dos dirigentes que tentam iniciar um novo ciclo capitalista como resposta a esta crise que eles próprios provocaram.
O conteúdo do livro de Boltanski corre o risco de ficar obsoleto a curto prazo com a vertigem das transformações do sistema que foi o seu objecto de análise. Mas, pelo contrário, ganham hoje uma acutilante actualidade e importância o método e as conclusões que deixou sobre o tipo de adaptação que o capitalismo é capaz de fazer em épocas de crise e de mudança, e sobretudo os alertas que trouxe sobre os problemas causados pelo atraso do movimento crítico em reconhecer a profundidade dessas mudanças e em redefinir a sua estratégia em conformidade.
Era esse contributo original para os novos debates de 2008 que eu tinha esperança de ouvir em Serralves. Mas, em vez disso, o que tivemos foi apenas um bom resumo de uma obra com dez anos de vida. Uma obra que foi inovadora e fundamental, mas que em 1999 tinha já vinte anos de atraso em relação ao objecto estudado. Talvez ainda seja demasiado cedo para aplicarmos o método Boltanski à análise do novo “novo espírito do capitalismo”; mas uma coisa ele e Chiapello nos mostraram: que o atraso da crítica foi fatal para o movimento dos trabalhadores, facilitou a exploração e tornou a recuperação da força da classe uma tarefa mais difícil. É um erro que não podemos repetir.
Na passada sexta-feira (7 de Novembro de 2008) Luc Boltanski veio ao Porto, à Fundação de Serralves, fazer uma palestra integrada no ciclo de conferências internacionais intitulado “Crítica do Contemporâneo”.
Neste tempo em que, dia após dia, vamos assistindo ao evoluir de uma nova e profunda crise do capitalismo, a comunicação de Boltanski, um analista perspicaz e profundo do sistema capitalista e das suas transformações históricas, não podia deixar de gerar o maior interesse.
Hoje o debate está ao rubro por toda a Europa, e é bom saber que o Porto não é excepção. Nessa sexta-feira estava eu de regresso de uma série de intensas reuniões na Polónia; numa daquelas longas esperas de aeroporto, entre um e outro voo, folheei um semanário alemão – Die Zeit. Na capa, para além do inevitável Obama, chamou-me a atenção uma foto do Jürgen Habermas com o título “É o fim do neoliberalismo” que anunciava uma conversa com o filósofo. Esta conversa ocupava toda a primeira e segunda página de um dos cadernos, onde se lia o destaque: “Depois da bancarrota. A ilusão das privatizações chegou ao fim. Não é o mercado, mas a política que tem que realizar o bem comum. Uma conversa sobre a necessidade de uma ordem internacional.”
Noutro dos cadernos do mesmo Die Zeit, as quatro primeiras páginas eram dedicadas a John Maynard Keynes, apresentado como “O salvador do capitalismo”. Como subtítulos: “Nas crises a ‘mão invisível’ não se mexe” e “o capitalismo é um sistema vigoroso mas muito frágil”.
E assim sucessivamente, página a página, a crise ia-se dissecando entre críticos e apologistas do sistema. Mas o tema não se ficava pelos textos, infiltra-se também no espaço da publicidade. Num anúncio a cores, a toda a largura da página, um simpático sexagenário de barba grisalha, vestido de padre, era a vedeta de um anúncio de uma editora. Anunciava o novo livro deste homem de deus, Reinhard Marx, intitulado Das Kapital. Não podia ser mais sugestivo. Sob o slogan “A especulação selvagem é pecado” dizia-se que o autor critica os responsáveis pela crise financeira. Na capa do livro, uma faixa vaticina que “Um capitalismo sem humanidade, sem solidariedade e sem justiça, não tem moral e não tem nenhum futuro”. Como contraponto a este anúncio, um outro de outro livro intitulado “Ousar mais capitalismo. Notas sobre uma sociedade justa”. Refiro esta concreta edição de um jornal alemão apenas para ilustrar a intensidade dos debates que percorrem a Europa.
Foi com este aquecimento neuronal que aterrei no Porto decidido a não perder a conferência do Boltanski. O seu livro magistral – Le Nouvel Esprit du Capitalisme (ainda não editado em português) -–, publicado há quase uma década em colaboração com Eve Chiapello, tinha sido um momento marcante da crítica às novas formas que o capitalismo assumiu a partir dos anos 70. Os autores tentavam, com esta obra, ajudar a colmatar um défice cuja constatação a seu ver se impunha nos anos 90: a de que a verdadeira crise não era a crise do capitalismo, mas sim a crise da crítica ao capitalismo.
Esta crise da crítica devia-se ao facto de os críticos e os movimentos que estes inspiravam estarem em atraso face às novas realidades económicas e sociais; mantinham discursos, análises e acções que se tinham revelado frutuosos na fase anterior, nas três décadas depois da guerra, mas que agora se revelavam impotentes porque não correspondiam às novas formas que o capitalismo tinha assumido na sua nova fase. A crítica antiga não era já eficaz face aos novos modos de organização do trabalho e das empresas, que abandonavam o pesado modelo fordista de hierarquia para assumir a leveza das redes, com equipas reduzidas geridas por objectivos e por projectos, instáveis, flexíveis e inseguras, avaliadas permanentemente pela sua suposta criatividade, autonomia e rentabilidade.
Dizia Boltanski, em 1999, que o novo capitalismo tinha conseguido integrar, em seu proveito, muitos aspectos da crítica que tinha sido dirigida pelos seus oponentes contra as formas anteriores de exploração e opressão. O neoliberalismo, ao superar a forma anterior do capitalismo, teria conseguido simultaneamente superar a sua crítica, integrando parte dela e tornando a restante obsoleta porque desfocada da realidade. A obra de Boltanski e Chiapello visava portanto o relançamento da crítica e do movimento de resistência em novas bases, para poder recuperar a eficácia de combate às novas formas que o capitalismo tinha assumido.
Porque assistimos hoje a uma nova viragem no capitalismo, esta era, pois, uma conferência a não perder. Até porque, mais uma vez, e como Boltanski e Chiapello tinham analisado na viragem anterior, o segundo “novo espírito do capitalismo” está a integrar uma série de argumentos dos críticos do neoliberalismo. Fá-lo, é certo, em proveito dos mesmos objectivos de sempre: a acumulação de riqueza nas mãos da mesma classe. Mas todos já nos espantámos (e indignámos) ao ver muitos dos argumentos com que durante anos combatemos o neoliberalismo serem hoje usados nos discursos dos dirigentes que tentam iniciar um novo ciclo capitalista como resposta a esta crise que eles próprios provocaram.
O conteúdo do livro de Boltanski corre o risco de ficar obsoleto a curto prazo com a vertigem das transformações do sistema que foi o seu objecto de análise. Mas, pelo contrário, ganham hoje uma acutilante actualidade e importância o método e as conclusões que deixou sobre o tipo de adaptação que o capitalismo é capaz de fazer em épocas de crise e de mudança, e sobretudo os alertas que trouxe sobre os problemas causados pelo atraso do movimento crítico em reconhecer a profundidade dessas mudanças e em redefinir a sua estratégia em conformidade.
Era esse contributo original para os novos debates de 2008 que eu tinha esperança de ouvir em Serralves. Mas, em vez disso, o que tivemos foi apenas um bom resumo de uma obra com dez anos de vida. Uma obra que foi inovadora e fundamental, mas que em 1999 tinha já vinte anos de atraso em relação ao objecto estudado. Talvez ainda seja demasiado cedo para aplicarmos o método Boltanski à análise do novo “novo espírito do capitalismo”; mas uma coisa ele e Chiapello nos mostraram: que o atraso da crítica foi fatal para o movimento dos trabalhadores, facilitou a exploração e tornou a recuperação da força da classe uma tarefa mais difícil. É um erro que não podemos repetir.
Cai o último do bando dos quatro
Publicado em: O Gaiense, 8 de Novembro de 2008
A emocionante vitória de Obama veio tornar mais evidente a profunda derrota de George Bush. Uma das boas notícias desta campanha era a de que, qualquer que fosse o resultado, Bush iria embora. E iria embora derrotado. Não só porque abandona o cargo com as sondagens a revelarem uma popularidade em queda livre entre os norte-americanos, aproximando-se muito da impopularidade já consolidada na Europa e no Mundo, mas também porque nesta campanha, mesmo o candidato do seu partido evitou qualquer aproximação ao presidente, por considerar que o seu apoio só teria o efeito de lhe retirar votos. Um presidente visto como um pária a evitar nas eleições do seu próprio país...
Essa derrota do bushismo estava à vista de todos, mas a expressiva vitória de Obama, mesmo em Estados tradicionalmente republicanos, veio dar-lhe uma expressão esmagadora.
Cai finalmente o último elemento do bando dos quatro que fez a cimeira dos Açores. Ao assistir, ao longo da noite eleitoral, ao evoluir das contagens, lembrei-me de um polémico cartaz que foi afixado em Portugal após a derrota de Aznar em Espanha, com a foto dos quatro que fizeram a cimeira da guerra (Bush, Blair, Barroso e Aznar), com Aznar a cinzento esvaído. O título era: “Eles mentem, eles perdem”. Zapatero retirou as tropas do Iraque, Barroso, por interposto sucessor, foi derrotado por Sócrates que não tinha apoiado a declaração de guerra, Blair foi substituído por Brown no momento em que a sua popularidade bateu no fundo, sobretudo devido ao papel do Reino Unido na guerra, agora foi a vez de Bush.
A profecia está cumprida, podem reeditar o cartaz com os quatro a cinzento e com uma ligeira alteração no título: “Eles mentem, eles perderam”.
A emocionante vitória de Obama veio tornar mais evidente a profunda derrota de George Bush. Uma das boas notícias desta campanha era a de que, qualquer que fosse o resultado, Bush iria embora. E iria embora derrotado. Não só porque abandona o cargo com as sondagens a revelarem uma popularidade em queda livre entre os norte-americanos, aproximando-se muito da impopularidade já consolidada na Europa e no Mundo, mas também porque nesta campanha, mesmo o candidato do seu partido evitou qualquer aproximação ao presidente, por considerar que o seu apoio só teria o efeito de lhe retirar votos. Um presidente visto como um pária a evitar nas eleições do seu próprio país...
Essa derrota do bushismo estava à vista de todos, mas a expressiva vitória de Obama, mesmo em Estados tradicionalmente republicanos, veio dar-lhe uma expressão esmagadora.
Cai finalmente o último elemento do bando dos quatro que fez a cimeira dos Açores. Ao assistir, ao longo da noite eleitoral, ao evoluir das contagens, lembrei-me de um polémico cartaz que foi afixado em Portugal após a derrota de Aznar em Espanha, com a foto dos quatro que fizeram a cimeira da guerra (Bush, Blair, Barroso e Aznar), com Aznar a cinzento esvaído. O título era: “Eles mentem, eles perdem”. Zapatero retirou as tropas do Iraque, Barroso, por interposto sucessor, foi derrotado por Sócrates que não tinha apoiado a declaração de guerra, Blair foi substituído por Brown no momento em que a sua popularidade bateu no fundo, sobretudo devido ao papel do Reino Unido na guerra, agora foi a vez de Bush.
A profecia está cumprida, podem reeditar o cartaz com os quatro a cinzento e com uma ligeira alteração no título: “Eles mentem, eles perderam”.
O fim de uma era?
Publicado em: O Gaiense, 1 de Novemro de 2008
Nesta crise, que a história vai registar com destaque, vive-se um sentimento de fim de uma era. Não será ainda o fim do capitalismo (infelizmente, para as suas vítimas; felizmente, para os que dele obtêm proveito), mas pode muito bem ser o fim de uma fase.
Depois da grande depressão que se seguiu ao crash da bolsa de Nova Iorque em 1929 e da guerra mundial que lhe sucedeu, a Europa viveu um período trinta anos – conhecidos como os trinta gloriosos – de 1945 até à crise do petróleo, nos anos do nosso 25 de Abril. Este período foi marcado pelo keynesianismo e pelos acordos de Bretton Woods, pelos investimentos públicos e pela regulação dos mercados de trabalho, pela construção da protecção social – o chamado modelo social europeu.
Desde meados de 70 até à grande crise financeira mundial de 2007-2009, a Europa viveu outro período de trinta anos, marcado pelo chamado Consenso de Washington, pela financiarização da economia e a liberalização dos mercados, pela retracção da intervenção do Estado e a privatização dos serviços e empresas públicas, pelo desmantelamento das regras do contrato social, das relações laborais e da protecção social. A palavra-chave para estas transformações era: “competitividade”. Foi um período que ficou conhecido como neoliberalismo, e que resultou numa acentuada acumulação de riqueza num sector reduzido da sociedade, espalhando dificuldades e incertezas por todos os demais.
Agora, estamos outra vez num momento de viragem. De incerteza, mas também de abertura e de oportunidades. Quão actual está hoje aquela derradeira frase de Pessoa: "I know not what tomorrow will bring...".
Nesta crise, que a história vai registar com destaque, vive-se um sentimento de fim de uma era. Não será ainda o fim do capitalismo (infelizmente, para as suas vítimas; felizmente, para os que dele obtêm proveito), mas pode muito bem ser o fim de uma fase.
Depois da grande depressão que se seguiu ao crash da bolsa de Nova Iorque em 1929 e da guerra mundial que lhe sucedeu, a Europa viveu um período trinta anos – conhecidos como os trinta gloriosos – de 1945 até à crise do petróleo, nos anos do nosso 25 de Abril. Este período foi marcado pelo keynesianismo e pelos acordos de Bretton Woods, pelos investimentos públicos e pela regulação dos mercados de trabalho, pela construção da protecção social – o chamado modelo social europeu.
Desde meados de 70 até à grande crise financeira mundial de 2007-2009, a Europa viveu outro período de trinta anos, marcado pelo chamado Consenso de Washington, pela financiarização da economia e a liberalização dos mercados, pela retracção da intervenção do Estado e a privatização dos serviços e empresas públicas, pelo desmantelamento das regras do contrato social, das relações laborais e da protecção social. A palavra-chave para estas transformações era: “competitividade”. Foi um período que ficou conhecido como neoliberalismo, e que resultou numa acentuada acumulação de riqueza num sector reduzido da sociedade, espalhando dificuldades e incertezas por todos os demais.
Agora, estamos outra vez num momento de viragem. De incerteza, mas também de abertura e de oportunidades. Quão actual está hoje aquela derradeira frase de Pessoa: "I know not what tomorrow will bring...".
A “refundação capitalista” e os novos desafios da esquerda
Publicado em: Opinião, in Esquerda.net em 27 de Outubro de 2008
A crise actual, e sobretudo as medidas propostas pelos governos para a sua superação, vão levar a uma verdadeira mudança de fase no sistema capitalista? Ou as anunciadas medidas para a «refundação do capitalismo» são sobretudo medidas provisórias, acompanhadas de muita retórica e demagogia, mudando o que for necessário para que, no essencial, tudo fique na mesma?
A verdade é que ainda não sabemos. Não parece possível dar hoje uma resposta devidamente fundamentada a esta pergunta dilemática. Mas, nem por isso, a resposta deixa de ser de capital importância para nós.
Depois de Bretton Woods e da fase keynesiana do pós-guerra, que alterou o capitalismo na forma como tinha sido vivido até então e o adaptou às novas condições históricas daquela época; depois de este modelo ter sido, por sua vez, lenta e definitivamente enterrado e substituído pelo modelo neoliberal, impulsionado desde o tempo de Reagan e Tatcher e que se foi tornando dominante até aos nossos dias, será que estamos hoje a assistir ao vivo ao início de uma nova fase e de um novo modelo de capitalismo que vai substituir o modelo neoliberal, na Europa e a nível global?
Ainda não sabemos. Como também não sabemos exactamente como poderá ser essa eventual nova configuração do capitalismo pós-2008. Não sabemos nós, nem sabem também aqueles que o projectam e protagonizam. Porque a eventualidade de um novo Bretton Woods e a refundação do sistema em novas bases é um projecto em plena criação, ainda em fase de definição das suas linhas gerais. Fase que se caracteriza necessariamente por uma grande incerteza, mas também por uma grande dinâmica; os seus contornos irão certamente ganhar maior nitidez a curto prazo.
É verdade que não temos dados sólidos e consistentes para sustentar a tese de que estamos perante uma verdadeira mudança de fase. Mas, apesar de não constituir ainda uma tese plenamente defensável, parece haver já sinais suficientes para que tenhamos de a considerar como uma hipo-tese, uma hipótese plausível.
A vir a verificar-se esta hipótese, as consequências serão de grande monta para todo o movimento crítico. Porque os nossos instrumentos teóricos e políticos de crítica e combate ao neoliberalismo não serão adequados à crítica e combate à nova forma que o capitalismo irá assumir. Se entramos na nova fase armados apenas com o tradicional argumentário anti-neoliberal, vamos com certeza errar o alvo.
Temos de aceitar que vai seguramente haver um desfasamento entre a elaboração da nossa resposta e o eventual aparecimento de novas fórmulas do sistema capitalista. Este desfasamento é inevitável, porque a crítica tem sempre que se construir depois de o objecto a criticar estar minimamente definido e consolidado.
Mas o perigo que temos de evitar é o de este desfasamento ser excessivo, de as novas respostas tardarem de tal maneira que, nos grandes embates políticos e eleitorais europeus e nacionais que vamos viver em 2009, e que definirão o panorama político para os próximos anos, as populações serem confrontadas com propostas inovadoras (pelo menos aparentemente) das forças da «refundação capitalista», e com velhas críticas do campo anti-capitalista, dirigidas sobretudo ao modelo da fase anterior. Isto criaria uma incomunicabilidade no debate político, que seria desfavorável a quem aparecesse, perante a opinião pública, como estando em atraso face ao momento de transição histórica que estamos a atravessar.
A crise actual, e sobretudo as medidas propostas pelos governos para a sua superação, vão levar a uma verdadeira mudança de fase no sistema capitalista? Ou as anunciadas medidas para a «refundação do capitalismo» são sobretudo medidas provisórias, acompanhadas de muita retórica e demagogia, mudando o que for necessário para que, no essencial, tudo fique na mesma?
A verdade é que ainda não sabemos. Não parece possível dar hoje uma resposta devidamente fundamentada a esta pergunta dilemática. Mas, nem por isso, a resposta deixa de ser de capital importância para nós.
Depois de Bretton Woods e da fase keynesiana do pós-guerra, que alterou o capitalismo na forma como tinha sido vivido até então e o adaptou às novas condições históricas daquela época; depois de este modelo ter sido, por sua vez, lenta e definitivamente enterrado e substituído pelo modelo neoliberal, impulsionado desde o tempo de Reagan e Tatcher e que se foi tornando dominante até aos nossos dias, será que estamos hoje a assistir ao vivo ao início de uma nova fase e de um novo modelo de capitalismo que vai substituir o modelo neoliberal, na Europa e a nível global?
Ainda não sabemos. Como também não sabemos exactamente como poderá ser essa eventual nova configuração do capitalismo pós-2008. Não sabemos nós, nem sabem também aqueles que o projectam e protagonizam. Porque a eventualidade de um novo Bretton Woods e a refundação do sistema em novas bases é um projecto em plena criação, ainda em fase de definição das suas linhas gerais. Fase que se caracteriza necessariamente por uma grande incerteza, mas também por uma grande dinâmica; os seus contornos irão certamente ganhar maior nitidez a curto prazo.
É verdade que não temos dados sólidos e consistentes para sustentar a tese de que estamos perante uma verdadeira mudança de fase. Mas, apesar de não constituir ainda uma tese plenamente defensável, parece haver já sinais suficientes para que tenhamos de a considerar como uma hipo-tese, uma hipótese plausível.
A vir a verificar-se esta hipótese, as consequências serão de grande monta para todo o movimento crítico. Porque os nossos instrumentos teóricos e políticos de crítica e combate ao neoliberalismo não serão adequados à crítica e combate à nova forma que o capitalismo irá assumir. Se entramos na nova fase armados apenas com o tradicional argumentário anti-neoliberal, vamos com certeza errar o alvo.
Temos de aceitar que vai seguramente haver um desfasamento entre a elaboração da nossa resposta e o eventual aparecimento de novas fórmulas do sistema capitalista. Este desfasamento é inevitável, porque a crítica tem sempre que se construir depois de o objecto a criticar estar minimamente definido e consolidado.
Mas o perigo que temos de evitar é o de este desfasamento ser excessivo, de as novas respostas tardarem de tal maneira que, nos grandes embates políticos e eleitorais europeus e nacionais que vamos viver em 2009, e que definirão o panorama político para os próximos anos, as populações serem confrontadas com propostas inovadoras (pelo menos aparentemente) das forças da «refundação capitalista», e com velhas críticas do campo anti-capitalista, dirigidas sobretudo ao modelo da fase anterior. Isto criaria uma incomunicabilidade no debate político, que seria desfavorável a quem aparecesse, perante a opinião pública, como estando em atraso face ao momento de transição histórica que estamos a atravessar.
O diálogo ou a barbárie
Publicado em: O Gaiense, 25 de Outubro de 2008
Esta semana, na sessão solene do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, o convidado foi Jorge Sampaio, na qualidade de Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações. Esta sessão integrou o Ano Europeu do Diálogo Intercultural.
Portador de uma mensagem de Ban Ki-moon, Secretário-Geral da ONU, Sampaio lembrou que a Europa, que é hoje um espaço de "enorme diversidade – étnica, cultural e religiosa", é também uma ponte entre civilizações, que deve enfrentar os desafios da imigração e da incerteza económica e política num ambiente de tolerância intercultural e de diálogo.
Para o ex-presidente português são necessárias novas estratégias e novas políticas, baseadas nos direitos humanos, "criando as condições para uma paz sustentável" e dando "prioridade ao desenvolvimento de uma governação democrática da diversidade cultural", concretizadas em "acções europeias, acções de governos nacionais e medidas locais, políticas integradas na educação, juventude e integração de migrantes" e a criação de estatísticas e indicadores que avaliem a implementação dessas políticas.
O diálogo de culturas não se faz só à macro-escala planetária. A diversidade está hoje instalada em cada país, em cada cidade, por vezes na mesma rua ou no mesmo prédio. A abertura ao reconhecimento do outro, daquele que é diferente de nós, é uma componente indispensável do espírito do nosso tempo, um tempo confrontado com a alternativa: o diálogo ou a barbárie. Este século ainda jovem já tem conhecido um pouco de ambos. Vindo de ambos os lados.
Esta semana, na sessão solene do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, o convidado foi Jorge Sampaio, na qualidade de Alto Representante da ONU para a Aliança das Civilizações. Esta sessão integrou o Ano Europeu do Diálogo Intercultural.
Portador de uma mensagem de Ban Ki-moon, Secretário-Geral da ONU, Sampaio lembrou que a Europa, que é hoje um espaço de "enorme diversidade – étnica, cultural e religiosa", é também uma ponte entre civilizações, que deve enfrentar os desafios da imigração e da incerteza económica e política num ambiente de tolerância intercultural e de diálogo.
Para o ex-presidente português são necessárias novas estratégias e novas políticas, baseadas nos direitos humanos, "criando as condições para uma paz sustentável" e dando "prioridade ao desenvolvimento de uma governação democrática da diversidade cultural", concretizadas em "acções europeias, acções de governos nacionais e medidas locais, políticas integradas na educação, juventude e integração de migrantes" e a criação de estatísticas e indicadores que avaliem a implementação dessas políticas.
O diálogo de culturas não se faz só à macro-escala planetária. A diversidade está hoje instalada em cada país, em cada cidade, por vezes na mesma rua ou no mesmo prédio. A abertura ao reconhecimento do outro, daquele que é diferente de nós, é uma componente indispensável do espírito do nosso tempo, um tempo confrontado com a alternativa: o diálogo ou a barbárie. Este século ainda jovem já tem conhecido um pouco de ambos. Vindo de ambos os lados.
Os negócios e a democracia
Publicado em: O Gaiense, 18 de Outubro de 2008
Uma tendência que marcou profundamente os últimos trinta anos consistiu em tentar libertar as grandes opções económicas do alcance da decisão política. A democracia, os governos e os parlamentos - tidos como demasiado inseguros, porque dependentes do voto popular -, deveriam ser impedidos de interferir no funcionamento do mercado que, evoluindo livremente, haveria de produzir o bem-estar para todos.
O que os grandes negócios aparentemente pediam, para se desenvolver, era que a política os deixasse em paz. Ou melhor, que lhes entregasse os sectores públicos rentáveis, e depois os deixasse em paz.
Pediam menos constrangimentos, menos intervenção do Estado, menos regulação. Foi uma ideologia que se tornou dominante, mas foi sobretudo uma receita que permitiu acumular, nas mãos de muito poucos, enormes fortunas e imensos recursos. São esses mesmos recursos que hoje estão em falta nos orçamentos das famílias, nas contas das empresas e no financiamento dos serviços de interesse público.
Vai continuar a ser assim? Ainda ninguém sabe qual será o alcance da crise, muito menos como sairemos dela. Mas uma coisa é certa: durante algum tempo não ouviremos as velhas teses de “menos Estado” e os mais fanáticos defensores das privatizações vão aguardar melhores dias. A economia vai estar por ora sujeita à decisão política e à intervenção do Estado.
Esta pode ser já em si uma vitória da democracia sobre a “mão invisível” dos negócios. Mas o debate transfere-se agora para a definição do tipo de intervenção e das medidas concretas a adoptar. E os suspeitos do costume irão jogar, também neste campo, a cartada dos seus interesses.
Uma tendência que marcou profundamente os últimos trinta anos consistiu em tentar libertar as grandes opções económicas do alcance da decisão política. A democracia, os governos e os parlamentos - tidos como demasiado inseguros, porque dependentes do voto popular -, deveriam ser impedidos de interferir no funcionamento do mercado que, evoluindo livremente, haveria de produzir o bem-estar para todos.
O que os grandes negócios aparentemente pediam, para se desenvolver, era que a política os deixasse em paz. Ou melhor, que lhes entregasse os sectores públicos rentáveis, e depois os deixasse em paz.
Pediam menos constrangimentos, menos intervenção do Estado, menos regulação. Foi uma ideologia que se tornou dominante, mas foi sobretudo uma receita que permitiu acumular, nas mãos de muito poucos, enormes fortunas e imensos recursos. São esses mesmos recursos que hoje estão em falta nos orçamentos das famílias, nas contas das empresas e no financiamento dos serviços de interesse público.
Vai continuar a ser assim? Ainda ninguém sabe qual será o alcance da crise, muito menos como sairemos dela. Mas uma coisa é certa: durante algum tempo não ouviremos as velhas teses de “menos Estado” e os mais fanáticos defensores das privatizações vão aguardar melhores dias. A economia vai estar por ora sujeita à decisão política e à intervenção do Estado.
Esta pode ser já em si uma vitória da democracia sobre a “mão invisível” dos negócios. Mas o debate transfere-se agora para a definição do tipo de intervenção e das medidas concretas a adoptar. E os suspeitos do costume irão jogar, também neste campo, a cartada dos seus interesses.
A Comissão Europeia e o Tribunal de Justiça contra o Luxemburgo
Publicado em: Global (in Esquerda 31), Outubro de 2008
Continuam as lutas em torno do direito do trabalho na UE
1. O que está em causa
Um recente acórdão do Tribunal de Justiça, no caso que opôs a Comissão Europeia (CE) ao Luxemburgo, veio aumentar a incerteza e a revolta no mundo do trabalho. É uma decisão que se situa na linha outros polémicos acórdãos, como os dos casos Laval, Viking ou Rüffert, a que o Global já se referiu (ver Esquerda 28).
Está em causa uma lei relativa a trabalhadores destacados por empresas estrangeiras para prestarem serviços no Luxemburgo. Trata-se do país com maior percentagem de trabalhadores estrangeiros: imigrantes de longa duração, trabalhadores destacados e outros que atravessam a fronteira diariamente para trabalhar.
A lei previa a obrigação de haver um contrato de trabalho escrito, a adaptação automática da remuneração à evolução do custo de vida, estabelecia que as empresas colocassem à disposição da Inspecção do Trabalho os elementos indispensáveis para a fiscalização, como a identificação dos trabalhadores, qualificação profissional, qualidade em que foram contratados, actividade que exercem, local de trabalho no Luxemburgo e duração dos trabalhos, entidade de segurança social junto da qual esteja seguro e uma cópia do contrato de trabalho.
Qualquer empresa que não se encontre domiciliada neste país estaria obrigada a conservar no Luxemburgo os documentos necessários à fiscalização através de um mandatário ad hoc aí residente.
2. Actualização dos salários pela inflação
Relativamente à actualização automática das remunerações, a CE afirma que a Directiva europeia sobre destacamento de trabalhadores apenas autoriza a regulamentação das remunerações salariais mínimas e não das restantes. Assim, o Luxemburgo estaria a exorbitar das suas competências, ao exigir que qualquer salário seja actualizado pela inflação.
O Luxemburgo alegou que a sua lei tem por objectivo garantir a paz social por proteger os trabalhadores contra a inflação, constituindo um imperativo de ordem pública.
Mas o Tribunal recusou o argumento por considerar que não foi demonstrado se, e em que medida, a adaptação automática dos salários à evolução do custo de vida pode contribuir para a realização da paz social.
Para o Tribunal, esta actualização automática constitui uma derrogação ao princípio da livre prestação de serviços, que só poderia justificar-se por motivo imperativo de ordem pública, o qual deve ser sempre objecto de interpretação estrita e não pode ser determinado unilateralmente, sem controlo da Comunidade Europeia.
3. Imposição de existência de um contrato escrito
O Luxemburgo considerou que a realização de contratos escritos é de interesse público, pois tem por objectivo a protecção dos trabalhadores contra um eventual desconhecimento dos seus direitos e proporciona maior transparência no mercado de trabalho.
O Tribunal contrapôs que esta disposição submete as empresas a uma obrigação a que já estariam sujeitas no Estado onde estão estabelecidas. Acresce que esta obrigação suplementar é susceptível de dissuadir as empresas de exercerem a sua liberdade de prestação de serviços.
4. A fiscalização dos contratos
À Inspecção do Trabalho do Luxemburgo foram atribuídas vastas funções de fiscalização da situação dos trabalhadores destacados. Pode ordenar a suspensão da actividade se o empregador não satisfizer o pedido de informações e dar origem a procedimentos penais.
Diz a CE que é ao Estado de estabelecimento da empresa que cabe fiscalizar a legalidade dos contratos e não ao Estado de acolhimento. Em Portugal, todos sabemos como é eficaz a fiscalização das condições em que se contratam trabalhadores para os destacar temporariamente. As autoridades do Luxemburgo também estão cientes dessa eficaz fiscalização feita em vários países. Daí terem considerado que era sua obrigação confirmar que tudo se passa conforme a lei.
Mas o Tribunal considerou que o procedimento da fiscalização pode ser ambíguo e pode dissuadir as empresas de exercerem a sua liberdade de prestação de serviços, violando o Tratado.
5. Sobre a conservação dos documentos necessários à fiscalização
A CE considera que obrigar as empresas a entregar, no início do destacamento, os documentos necessários à fiscalização, consubstancia uma restrição à livre prestação de serviços, já que a cooperação entre os países da UE tornaria supérflua esta obrigação. Durante o serviço, também não pode ser exigido que os documentos sejam depositados num mandatário residente, já que podem ser conservados na posse de um dos trabalhadores.
Concluído o destacamento, obrigar as empresas que têm sede fora do território a designarem um mandatário encarregado de conservar os documentos, constituiria uma restrição à livre prestação de serviços, já que os inerentes custos poderiam afectar a concorrência e levar algumas empresas a desistir de prestar serviços no Luxemburgo.
O Luxemburgo contrapõe que a cooperação a que a CE se refere não funciona e que a obrigação de ter um depositário era uma exigência indispensável. Mas o Tribunal não concordou.
Continuam as lutas em torno do direito do trabalho na UE
1. O que está em causa
Um recente acórdão do Tribunal de Justiça, no caso que opôs a Comissão Europeia (CE) ao Luxemburgo, veio aumentar a incerteza e a revolta no mundo do trabalho. É uma decisão que se situa na linha outros polémicos acórdãos, como os dos casos Laval, Viking ou Rüffert, a que o Global já se referiu (ver Esquerda 28).
Está em causa uma lei relativa a trabalhadores destacados por empresas estrangeiras para prestarem serviços no Luxemburgo. Trata-se do país com maior percentagem de trabalhadores estrangeiros: imigrantes de longa duração, trabalhadores destacados e outros que atravessam a fronteira diariamente para trabalhar.
A lei previa a obrigação de haver um contrato de trabalho escrito, a adaptação automática da remuneração à evolução do custo de vida, estabelecia que as empresas colocassem à disposição da Inspecção do Trabalho os elementos indispensáveis para a fiscalização, como a identificação dos trabalhadores, qualificação profissional, qualidade em que foram contratados, actividade que exercem, local de trabalho no Luxemburgo e duração dos trabalhos, entidade de segurança social junto da qual esteja seguro e uma cópia do contrato de trabalho.
Qualquer empresa que não se encontre domiciliada neste país estaria obrigada a conservar no Luxemburgo os documentos necessários à fiscalização através de um mandatário ad hoc aí residente.
2. Actualização dos salários pela inflação
Relativamente à actualização automática das remunerações, a CE afirma que a Directiva europeia sobre destacamento de trabalhadores apenas autoriza a regulamentação das remunerações salariais mínimas e não das restantes. Assim, o Luxemburgo estaria a exorbitar das suas competências, ao exigir que qualquer salário seja actualizado pela inflação.
O Luxemburgo alegou que a sua lei tem por objectivo garantir a paz social por proteger os trabalhadores contra a inflação, constituindo um imperativo de ordem pública.
Mas o Tribunal recusou o argumento por considerar que não foi demonstrado se, e em que medida, a adaptação automática dos salários à evolução do custo de vida pode contribuir para a realização da paz social.
Para o Tribunal, esta actualização automática constitui uma derrogação ao princípio da livre prestação de serviços, que só poderia justificar-se por motivo imperativo de ordem pública, o qual deve ser sempre objecto de interpretação estrita e não pode ser determinado unilateralmente, sem controlo da Comunidade Europeia.
3. Imposição de existência de um contrato escrito
O Luxemburgo considerou que a realização de contratos escritos é de interesse público, pois tem por objectivo a protecção dos trabalhadores contra um eventual desconhecimento dos seus direitos e proporciona maior transparência no mercado de trabalho.
O Tribunal contrapôs que esta disposição submete as empresas a uma obrigação a que já estariam sujeitas no Estado onde estão estabelecidas. Acresce que esta obrigação suplementar é susceptível de dissuadir as empresas de exercerem a sua liberdade de prestação de serviços.
4. A fiscalização dos contratos
À Inspecção do Trabalho do Luxemburgo foram atribuídas vastas funções de fiscalização da situação dos trabalhadores destacados. Pode ordenar a suspensão da actividade se o empregador não satisfizer o pedido de informações e dar origem a procedimentos penais.
Diz a CE que é ao Estado de estabelecimento da empresa que cabe fiscalizar a legalidade dos contratos e não ao Estado de acolhimento. Em Portugal, todos sabemos como é eficaz a fiscalização das condições em que se contratam trabalhadores para os destacar temporariamente. As autoridades do Luxemburgo também estão cientes dessa eficaz fiscalização feita em vários países. Daí terem considerado que era sua obrigação confirmar que tudo se passa conforme a lei.
Mas o Tribunal considerou que o procedimento da fiscalização pode ser ambíguo e pode dissuadir as empresas de exercerem a sua liberdade de prestação de serviços, violando o Tratado.
5. Sobre a conservação dos documentos necessários à fiscalização
A CE considera que obrigar as empresas a entregar, no início do destacamento, os documentos necessários à fiscalização, consubstancia uma restrição à livre prestação de serviços, já que a cooperação entre os países da UE tornaria supérflua esta obrigação. Durante o serviço, também não pode ser exigido que os documentos sejam depositados num mandatário residente, já que podem ser conservados na posse de um dos trabalhadores.
Concluído o destacamento, obrigar as empresas que têm sede fora do território a designarem um mandatário encarregado de conservar os documentos, constituiria uma restrição à livre prestação de serviços, já que os inerentes custos poderiam afectar a concorrência e levar algumas empresas a desistir de prestar serviços no Luxemburgo.
O Luxemburgo contrapõe que a cooperação a que a CE se refere não funciona e que a obrigação de ter um depositário era uma exigência indispensável. Mas o Tribunal não concordou.
A reunião da NATO e as vantagens da crise financeira
Publicado em: Opinião - esquerda.net em 12 de Outubro de 2008
Sobre a reunião dos ministros da Defesa dos países da NATO, nos dias 9 e 10 de Outubro, em Budapeste, pairou o espectro da crise financeira e económica global.
O porta-voz da organização, James Appathurai, começou uma conferência de imprensa de apresentação da cimeira com um desabafo informal e humorado, avisando os jornalistas que, se estava com um ar preocupado, é porque o tinham acabado de informar que perdera 80% do seu orçamento: "sinto-me um bocado como a maioria dos bancos europeus". Emendou depois, num tom mais sério, que não conhecia qualquer implicação directa da crise financeira nas operações da NATO, já que a aliança dispõe das verbas necessárias para as operações programadas.
Mas alguns responsáveis civis e militares temem que o seu desejado reforço dos orçamentos militares esteja seriamente comprometido pela injecção maciça de fundos públicos no sistema financeiro.
O que pode, de facto, ter implicações nos projectos da NATO. A aliança quer aumentar a disponibilidade de efectivos dos Estados-membros para operações NATO, passando de 40 para 50% do total dos efectivos nacionais, o que não é bem aceite pelos países que se consideram situados em zonas de vizinhança insegura, como a Polónia, a Turquia e os Estados bálticos, mas também é visto com reservas em muitos outros países, já que o aumento de efectivos a disponibilizar implica o aumento de meios logísticos para a sua deslocação e manutenção, ou seja, mais custos.
Pretende-se também aumentar o número de militares da ISAF (International Security Assistance Force) no Afeganistão, uma força internacional sob comando NATO, cujos efectivos foram já aumentados recentemente de 45 000 para 50 700.
E foi recomendado ao governo afegão um aumento das suas forças armadas até 134 000 homens, o que requereria também um enorme apoio financeiro e logístico da comunidade internacional. Os Estados Unidos, em crise económica e campanha eleitoral, esperam que sejam os seus aliados a fornecer os fundos necessários para apoiar este crescimento do Exército Nacional Afegão. Mas as boas vontades não abundam em tempos de vacas magras.
Irá a crise quebrar temporariamente os ímpetos imperiais e as capacidades operacionais dos EUA e seus aliados, debilitando as suas aventuras militares e tornando o mundo um pouco mais calmo? Ou haverá a tentação contrária de, sob a pressão do complexo industrial-militar americano e europeu, se tentar revitalizar a economia, dinamizar os negócios e criar empregos, produzindo alguns ajustamentos internacionais através de mais acções militares? A luta pela causa da paz tem aqui uma oportunidade, mas os riscos estão presentes.
Uma crise financeira destas proporções é uma ocasião em que milhões de pessoas compreendem muito rapidamente que o actual modelo económico e social neoliberal é um colosso com pés de barro. Isto significa que as suas cabeças estão mais disponíveis para olhar para outras alternativas. Nem sempre as melhores, como a história das crises do século XX dramaticamente nos lembra. Mas não necessariamente as piores, como o século passado também nos mostrou.
Ainda não sabemos como será o olhar da história sobre este período que estamos a viver. Mas sabemos que o ano de 2008 e seguintes e a sua crise, mais passageira ou mais profunda, serão certamente referidos com destaque. Assim como aquilo que nós tivermos conseguido realizar. Ou não.
Caem mais uns dogmas económicos da UE
Publicado em: O Gaiense, 11 de Outubro de 2008
Os líderes dos países da UE que participam no G8 (França, Alemanha, Itália e Reino Unido) reuniram para analisar a crise financeira, em conjunto com os presidentes da Comissão Europeia (CE), do Banco Central Europeu e do Eurogrupo.
O presidente do Conselho Europeu considerou que a "Comissão deve fazer prova de flexibilidade na aplicação de regras em matérias de ajuda do Estado às empresas" e que a "aplicação do Pacto de Estabilidade e de Crescimento deve reflectir as circunstâncias excepcionais" que o mundo enfrenta.
Estes eram dois dos dogmas mais sagrados da doutrina económica da UE. Muitas vezes as oposições tinham dito que, face à crise social e ao desemprego, a rigidez do PEC deveria ser abandonada e que, em alturas de crise, o Estado deveria intervir nos sectores económicos fundamentais. No entanto, as respostas dos governos e da CE sempre foram de intransigente recusa. O desemprego aumentou e muitos sectores económicos entraram em crise sem que qualquer ajuda fosse esboçada, porque as regras do mercado não o permitiam.
Agora, tudo é possível porque a crise já não é apenas dos operários têxteis, dos pescadores ou dos serviços públicos. A crise chegou aos banqueiros e à alta finança. E no coração sensível dos líderes europeus começou a derreter a rigidez dos princípios sagrados do PEC e da concorrência. O apoio público às empresas já não viola as regras da concorrência e se o défice ultrapassar os 3% previsos no PEC, paciência, é por uma boa causa. Até as nacionalizações, esse veneno terrível que tinha sido extirpado com o antídoto radical das privatizações a preço de saldo, até essas estão de volta, sem que isso pareça perturbar a sensibilidade dos fundamentalistas do mercado.
Os líderes dos países da UE que participam no G8 (França, Alemanha, Itália e Reino Unido) reuniram para analisar a crise financeira, em conjunto com os presidentes da Comissão Europeia (CE), do Banco Central Europeu e do Eurogrupo.
O presidente do Conselho Europeu considerou que a "Comissão deve fazer prova de flexibilidade na aplicação de regras em matérias de ajuda do Estado às empresas" e que a "aplicação do Pacto de Estabilidade e de Crescimento deve reflectir as circunstâncias excepcionais" que o mundo enfrenta.
Estes eram dois dos dogmas mais sagrados da doutrina económica da UE. Muitas vezes as oposições tinham dito que, face à crise social e ao desemprego, a rigidez do PEC deveria ser abandonada e que, em alturas de crise, o Estado deveria intervir nos sectores económicos fundamentais. No entanto, as respostas dos governos e da CE sempre foram de intransigente recusa. O desemprego aumentou e muitos sectores económicos entraram em crise sem que qualquer ajuda fosse esboçada, porque as regras do mercado não o permitiam.
Agora, tudo é possível porque a crise já não é apenas dos operários têxteis, dos pescadores ou dos serviços públicos. A crise chegou aos banqueiros e à alta finança. E no coração sensível dos líderes europeus começou a derreter a rigidez dos princípios sagrados do PEC e da concorrência. O apoio público às empresas já não viola as regras da concorrência e se o défice ultrapassar os 3% previsos no PEC, paciência, é por uma boa causa. Até as nacionalizações, esse veneno terrível que tinha sido extirpado com o antídoto radical das privatizações a preço de saldo, até essas estão de volta, sem que isso pareça perturbar a sensibilidade dos fundamentalistas do mercado.
Os governos e o seu povo
Publicado em: O Gaiense, 4 de Outubro de 2008
No domingo, ao ver as televisões belgas, confesso que fiquei emocionado. Enquanto, por toda a Bélgica, os cidadãos normais recuperavam das fadigas do fim-de-semana no conforto dos sofás, o governo, esforçado, diligente, reunia o executivo de emergência. Sim, que eles até trabalham ao domingo à noite, quando é preciso. Os jornalistas transmitiam em directo o conta-gotas informativo com que um ou outro ministro ia alimentando a audiência. Já tarde, veio finalmente a grande decisão, para alívio de todos. O governo belga, em conjugação com o governo francês, ia salvar o banco Dexia. Mesmo a tempo, antes da abertura das bolsas na segunda-feira de manhã.
Dias antes, já tinham salvado da falência o maior banco privado, o Fortis, desta vez em conjunto com a Holanda e o Luxemburgo.
Não é só George Bush que se preocupa e reage. Os europeus também.
É claro que haverá sempre maledicentes que dizem que os governos não se preocupam com o povo, que os pobres de New Orleans continuam à espera que haja dinheiro para reconstruir as casas destruídas pelo Katrina, ou que os serviços de saúde ou de apoio social bem precisariam de mais uns milhões, que são recusados porque as finanças públicas não aguentariam tal despesa. Mas as más-línguas não têm razão. Os governos preocupam-se, actuam com rapidez, encontram o financiamento necessário, seja qual for o montante, quando o seu povo precisa dele.
O que muitos talvez não tivessem entendido bem, pelo menos até ao explodir desta crise, é qual é verdadeiramente o "seu povo". Mas bastou que os banqueiros e altos magnatas da finança estivessem verdadeiramente em apuros, para que os governos esquecessem os objectivos de "menos estado" e a primazia do mercado. E o dinheiro aparecesse, a rodos. Aquele dinheiro que sempre foi negado para as políticas sociais, consideradas irrealistas porque impossíveis de financiar.
No domingo, ao ver as televisões belgas, confesso que fiquei emocionado. Enquanto, por toda a Bélgica, os cidadãos normais recuperavam das fadigas do fim-de-semana no conforto dos sofás, o governo, esforçado, diligente, reunia o executivo de emergência. Sim, que eles até trabalham ao domingo à noite, quando é preciso. Os jornalistas transmitiam em directo o conta-gotas informativo com que um ou outro ministro ia alimentando a audiência. Já tarde, veio finalmente a grande decisão, para alívio de todos. O governo belga, em conjugação com o governo francês, ia salvar o banco Dexia. Mesmo a tempo, antes da abertura das bolsas na segunda-feira de manhã.
Dias antes, já tinham salvado da falência o maior banco privado, o Fortis, desta vez em conjunto com a Holanda e o Luxemburgo.
Não é só George Bush que se preocupa e reage. Os europeus também.
É claro que haverá sempre maledicentes que dizem que os governos não se preocupam com o povo, que os pobres de New Orleans continuam à espera que haja dinheiro para reconstruir as casas destruídas pelo Katrina, ou que os serviços de saúde ou de apoio social bem precisariam de mais uns milhões, que são recusados porque as finanças públicas não aguentariam tal despesa. Mas as más-línguas não têm razão. Os governos preocupam-se, actuam com rapidez, encontram o financiamento necessário, seja qual for o montante, quando o seu povo precisa dele.
O que muitos talvez não tivessem entendido bem, pelo menos até ao explodir desta crise, é qual é verdadeiramente o "seu povo". Mas bastou que os banqueiros e altos magnatas da finança estivessem verdadeiramente em apuros, para que os governos esquecessem os objectivos de "menos estado" e a primazia do mercado. E o dinheiro aparecesse, a rodos. Aquele dinheiro que sempre foi negado para as políticas sociais, consideradas irrealistas porque impossíveis de financiar.
Se não nos roubam o telemóvel, roubam-nos pelo telemóvel
Publicado em: O Gaiense, 27 de Setembro de 2008
Poucas semanas depois da entrada em vigor da nova regulamentação europeia que obrigou à baixa dos preços das chamadas de telemóvel feitas em roaming (de um país da UE para outro), a Comissão Europeia veio propor na semana passada uma nova regulamentação, desta vez para limitar o preço das mensagens (sms, mms) e da transferência de dados.
É proposta a introdução de uma tarifa de euro-sms em que o roaming para recepção de mensagens passe a ser grátis e o envio de um país para outro não possa custar mais de 11 cêntimos mais IVA, muito abaixo do que hoje cobram algumas operadoras.
Constatou a Comissão que, mesmo depois dos últimos avisos, a livre concorrência entre as operadoras não levou a uma baixa nos preços, como seria de prever, seguindo a cartilha clássica das leis da economia liberal. Verificou-se que, pelo contrário, as operadoras móveis têm extorquido muitos milhões aos seus clientes sem qualquer justificação face aos custos reais da operação. Como o mercado livre não funciona, os poderes públicos têm de intervir para o regular.
Apesar de a nova regulamentação ser uma boa notícia para os consumidores, na sua luta desigual com os gigantes das telecomunicações móveis (um dos grandes negócios do nosso tempo), muitos têm criticado o facto de a Comissão, na posse de todas as informações que confirmam os abusos das operadoras, não ter promovido a sua condenação formal por infracção às normas da concorrência. É que essa condenação seria uma base jurídica sólida para os consumidores poderem exigir a devolução das verbas de que foram espoliados. Mas isso já seria ir longe de mais para esta Comissão.
Poucas semanas depois da entrada em vigor da nova regulamentação europeia que obrigou à baixa dos preços das chamadas de telemóvel feitas em roaming (de um país da UE para outro), a Comissão Europeia veio propor na semana passada uma nova regulamentação, desta vez para limitar o preço das mensagens (sms, mms) e da transferência de dados.
É proposta a introdução de uma tarifa de euro-sms em que o roaming para recepção de mensagens passe a ser grátis e o envio de um país para outro não possa custar mais de 11 cêntimos mais IVA, muito abaixo do que hoje cobram algumas operadoras.
Constatou a Comissão que, mesmo depois dos últimos avisos, a livre concorrência entre as operadoras não levou a uma baixa nos preços, como seria de prever, seguindo a cartilha clássica das leis da economia liberal. Verificou-se que, pelo contrário, as operadoras móveis têm extorquido muitos milhões aos seus clientes sem qualquer justificação face aos custos reais da operação. Como o mercado livre não funciona, os poderes públicos têm de intervir para o regular.
Apesar de a nova regulamentação ser uma boa notícia para os consumidores, na sua luta desigual com os gigantes das telecomunicações móveis (um dos grandes negócios do nosso tempo), muitos têm criticado o facto de a Comissão, na posse de todas as informações que confirmam os abusos das operadoras, não ter promovido a sua condenação formal por infracção às normas da concorrência. É que essa condenação seria uma base jurídica sólida para os consumidores poderem exigir a devolução das verbas de que foram espoliados. Mas isso já seria ir longe de mais para esta Comissão.
FSE - Apelo saído dos seminários de sindicalistas contra os acórdãos do Tribunal de Justiça
(Apenas em inglês)
Joint statement from the three Trade Union seminars on the ECJ judgments on Laval, Viking, Rüffert and Luxemburg cases at the ESF in Malmö 21 September 2008.
Urgent Call for Mobilizations to Strengthen Workers Rights in Europe
With the judgments in the Laval, Viking, Rüffert and Luxemburg cases the European Court of Justice has struck an unprecedented blow to workers rights in Europe. The message from the judges of the Court is, that rights that have been obtained through long and often costly struggles in the EU member states, should be curtailed to comply with the so called “economic freedoms”. This is unacceptable.
Though the judgments deal with circumstances in four particular member states, they represent an attack not only on workers rights in the countries concerned, but on the whole trade union movement in Europe. We therefore urge trade unions and social movements in all of Europe to immediately launch a struggle to annul all effects of the judgments detrimental to trade unions.
Though some steps can be taken nationally and locally to avoid some potential damages from the judgments, a real long term solution can only be achieved at the European level by changing European law, and by securing workers rights from being subordinated to the economic freedoms so central in the EU treaty.
To this end, a decisive and urgent step is to call for specific changes in the Posting of Workers Directive to restore the directive to its status of a minimum harmonization directive allowing for a higher protection of workers, and a directive that in all respects would ensure equal pay for equal work.
In addition to this, we strongly support the proposal from the ETUC for a legally binding “social progress clause” to be added to the EU treaty. A clause which would subordinate the economic freedoms to social rights and workers’ rights.
As for these demands, the current crisis of the Lisbon Treaty after the Irish No, represents an opportunity. Since the future fundamental rules guiding the European Union are still to be decided on, trade unions and social movements must put workers rights in the centre of debate. This will only happen if major mobilization takes place. Four proposals stand out at the moment:
- We support the Swedish trade unions’ demand of a stop of the ratification of the Lisbon Treaty in the Swedish Parliament until this matter is fully resolved, and we urge them to mobilize for a demonstration before the debate in Parliament. We urge trade unions in other European countries to support such an effort.
- We call on trade unions and social movements to join the demonstrations for decent work, organized by the international trade union movement on the 7th of October, and to ensure that the judgments of the court and the attack on workers rights they represent, is manifestly present in the demonstrations.
- We call on all trade unions affiliated to the ETUC, to urge the ETUC to call for a demonstration in Brussels on the occasion of the meeting of the European Council in December.
- We urge the European industrial trade union confederations to take a lead in the co-ordination of this struggle in Europe, including the use of the ratification process of the Lisbon Treaty as leverage for a social progressive clause.
Agreed upon by representatives of European, National and Local Trade Unions and Social Movements.
Joint statement from the three Trade Union seminars on the ECJ judgments on Laval, Viking, Rüffert and Luxemburg cases at the ESF in Malmö 21 September 2008.
Urgent Call for Mobilizations to Strengthen Workers Rights in Europe
With the judgments in the Laval, Viking, Rüffert and Luxemburg cases the European Court of Justice has struck an unprecedented blow to workers rights in Europe. The message from the judges of the Court is, that rights that have been obtained through long and often costly struggles in the EU member states, should be curtailed to comply with the so called “economic freedoms”. This is unacceptable.
Though the judgments deal with circumstances in four particular member states, they represent an attack not only on workers rights in the countries concerned, but on the whole trade union movement in Europe. We therefore urge trade unions and social movements in all of Europe to immediately launch a struggle to annul all effects of the judgments detrimental to trade unions.
Though some steps can be taken nationally and locally to avoid some potential damages from the judgments, a real long term solution can only be achieved at the European level by changing European law, and by securing workers rights from being subordinated to the economic freedoms so central in the EU treaty.
To this end, a decisive and urgent step is to call for specific changes in the Posting of Workers Directive to restore the directive to its status of a minimum harmonization directive allowing for a higher protection of workers, and a directive that in all respects would ensure equal pay for equal work.
In addition to this, we strongly support the proposal from the ETUC for a legally binding “social progress clause” to be added to the EU treaty. A clause which would subordinate the economic freedoms to social rights and workers’ rights.
As for these demands, the current crisis of the Lisbon Treaty after the Irish No, represents an opportunity. Since the future fundamental rules guiding the European Union are still to be decided on, trade unions and social movements must put workers rights in the centre of debate. This will only happen if major mobilization takes place. Four proposals stand out at the moment:
- We support the Swedish trade unions’ demand of a stop of the ratification of the Lisbon Treaty in the Swedish Parliament until this matter is fully resolved, and we urge them to mobilize for a demonstration before the debate in Parliament. We urge trade unions in other European countries to support such an effort.
- We call on trade unions and social movements to join the demonstrations for decent work, organized by the international trade union movement on the 7th of October, and to ensure that the judgments of the court and the attack on workers rights they represent, is manifestly present in the demonstrations.
- We call on all trade unions affiliated to the ETUC, to urge the ETUC to call for a demonstration in Brussels on the occasion of the meeting of the European Council in December.
- We urge the European industrial trade union confederations to take a lead in the co-ordination of this struggle in Europe, including the use of the ratification process of the Lisbon Treaty as leverage for a social progressive clause.
Agreed upon by representatives of European, National and Local Trade Unions and Social Movements.
Malmö - Quinto Fórum Social Europeu
Publicado em: O Gaiense, 20 de Setembro de 2008
Depois de Florença, Paris, Londres e Atenas, o Fórum Social Europeu (FSE) rumou à Escandinávia. Esta semana, viajaram para Malmö, na Suécia, cerca de vinte mil activistas de movimentos sociais e das mais diversas organizações da sociedade civil, para a quinta edição do FSE, o maior encontro europeu de reflexão e troca de experiências das instituições que trabalham pela transformação da nossa sociedade, sob o lema comum "Outra Europa é possível".
A diversidade de temas e de participantes é a nota dominante de um vasto programa de mais de 200 seminários e workshops que ocupam os cinco dias deste fim-de-semana alargado de trabalho.
A viagem para o Norte está a causar nos activistas alterglobais um saudável encontro de culturas, por vezes mesmo um choque, já que a organização, disciplina e cumprimento de horários, típicos dos suecos, nem sempre tinham sido a tónica dominante neste tipo de eventos. Contraste que combina bem com o calor do Sul, que também é preciso para derreter um pouco o gelo daquelas paragens.
Este ano, as questões sociais e do direito do trabalho estão a ter uma particular relevância, talvez por causa da crise económica, talvez também devido ao trauma causado nos países nórdicos pelos recentes acórdãos do Tribunal de Justiça europeu, que puseram em causa os hábitos de negociação colectiva e de concertação social que tinham enquadrado as suas relações laborais ao longo das últimas décadas. E que fizeram daqueles países os mais produtivos, mais ricos e menos desiguais do mundo, e simultaneamente os que têm maiores taxas de sindicalização e maior poder dos sindicatos.
Começou o Fórum Social Europeu
Malmö, 18 de Setembro de 2008
Começou o Fórum Social Europeu. Depois de Florença, Paris, Londres e Atenas, o FSE rumou a Norte, para a Suécia. À bonita e pacata cidade de Malmö têm chegado, de toda a Europa, activistas dos movimentos sociais, políticos, religiosos, sindicalistas. A organização espera cerca de 20 000.
Os debates já começaram, em salas grandes e pequenas, com audiência interessada e muito participativa, que ninguém está cá só para assistir.
Mas, para além dos mais de 200 debates programados, o Fórum é uma oportunidade única de encontros e conversas informais de pessoas que, sem estes eventos regulares, dificilmente se cruzariam. E assim se vai tecendo uma rede de ligações que se torna mais forte e mais familiar de evento para evento, sendo depois utilizada como facilitadora de outros debates e acções conjuntas.
A imagem mais marcante, nestes primeiros dias, foi talvez o conjunto de esculturas do dinamarquês Jens Galschiot, intitulado "Em nome de Deus - em memória das vítimas do fundamentalismo", representando jovens mulheres grávidas crucificadas.
É parte de um projecto que já teve outros momentos e outros lugares. Surpreendentemente (para mentalidade portuguesa) a primeira escultura foi exposta a 1 de Dezembro de 2006, dia internacional de luta contra a sida, em colaboração com a Catedral de Copenhaga, que pretendeu sublinhar que "a Bíblia não deve ser utilizada para pregar contra a contracepção". Depois esteve em Nairobi, no Fórum Social Mundial de 2007 e a seguir na Nicarágua. Este escultor já tinha apresentado, no anterior FSE de Atenas e na contra-cimeira do G8 em Rostock, um conjunto rolante de esculturas que acompanhava as manifestações, representando africanos esqueléticos, alguns carregando aos ombros anafadíssimas criaturas.
Começou o Fórum Social Europeu. Depois de Florença, Paris, Londres e Atenas, o FSE rumou a Norte, para a Suécia. À bonita e pacata cidade de Malmö têm chegado, de toda a Europa, activistas dos movimentos sociais, políticos, religiosos, sindicalistas. A organização espera cerca de 20 000.
Os debates já começaram, em salas grandes e pequenas, com audiência interessada e muito participativa, que ninguém está cá só para assistir.
Mas, para além dos mais de 200 debates programados, o Fórum é uma oportunidade única de encontros e conversas informais de pessoas que, sem estes eventos regulares, dificilmente se cruzariam. E assim se vai tecendo uma rede de ligações que se torna mais forte e mais familiar de evento para evento, sendo depois utilizada como facilitadora de outros debates e acções conjuntas.
A imagem mais marcante, nestes primeiros dias, foi talvez o conjunto de esculturas do dinamarquês Jens Galschiot, intitulado "Em nome de Deus - em memória das vítimas do fundamentalismo", representando jovens mulheres grávidas crucificadas.
É parte de um projecto que já teve outros momentos e outros lugares. Surpreendentemente (para mentalidade portuguesa) a primeira escultura foi exposta a 1 de Dezembro de 2006, dia internacional de luta contra a sida, em colaboração com a Catedral de Copenhaga, que pretendeu sublinhar que "a Bíblia não deve ser utilizada para pregar contra a contracepção". Depois esteve em Nairobi, no Fórum Social Mundial de 2007 e a seguir na Nicarágua. Este escultor já tinha apresentado, no anterior FSE de Atenas e na contra-cimeira do G8 em Rostock, um conjunto rolante de esculturas que acompanhava as manifestações, representando africanos esqueléticos, alguns carregando aos ombros anafadíssimas criaturas.
A “lei Volkswagen” na mira da Comissão Europeia e do Tribunal
Publicado em: Esquerda.net, 15 de Setembro de 2008
A Comissão Europeia vai procurar obter em tribunal uma nova alteração à chamada lei Volkswagen (VW), nomeadamente da cláusula que obriga a que decisões de fundo sejam tomadas com mais de 80% dos votos.
Esta lei, aprovada há quase 50 anos, quando a VW foi privatizada, visava proteger uma empresa considerada estratégica para a Alemanha. Tinha agora acabado de ser alterada em vários pontos, na sequência de uma queixa da Comissão e sequente decisão do Tribunal de Justiça que a considerou violadora do princípio da livre circulação de capitais. No entanto, nas alterações efectuadas, os alemães recusaram-se a incluir a cláusula dos 80%.
Esta cláusula é objecto de especial disputa porque o Estado da Baixa Saxónia (a que pertence a cidade de Wolfsburg, onde se situa a fábrica-sede da empresa) é detentor de 20% do capital, o que lhe permite bloquear qualquer decisão de fecho ou deslocalização daquela fábrica ou eventualmente de outras fábricas da VW que existem no Estado, o que poderia acontecer sobretudo em caso de um take-over. A Porsche é já hoje o maior accionista da VW com 31% e várias empresas europeias do sector automóvel têm sido adquiridas por congéneres asiáticas.
Uma crise na VW, o maior fabricante europeu de automóveis e o maior empregador privado da região, será devastadora para a Baixa Saxónia e sobretudo para Wolfsburg, uma jovem cidade criada em 1938 pelos nazis para albergar os trabalhadores da VW e cuja vida ainda hoje depende dos empregos na fábrica de automóveis e nos seus fornecedores.
Entre os sindicatos e algumas autoridades alemãs aumenta a contestação a este ataque frontal da Comissão e do Tribunal ao direito de um Estado, no exercício da sua soberania, poder definir a política económica que considera melhor corresponder aos seus interesses.
Convém lembrar que outro recente acórdão do Tribunal de Justiça (caso Rüffert, ver neste blog em Textos Global: Direito do Trabalho na União Europeia, Maio 2008) tinha recusado a aplicação de uma outra lei deste mesmo Estado alemão, que obrigava os empreiteiros de obras públicas a pagar aos imigrantes o mesmo salário mínimo da construção civil que é pago aos operários alemães, o que o Tribunal considerou constituir uma restrição à livre prestação de serviços e um ataque à vantagem competitiva das empresas que utilizam mão de obra mais barata.
Mas nem só a Alemanha tem estado na mira da Comissão e do Tribunal. Depois dos casos contra os regimes de contratação colectiva e de direito à greve nos países nórdicos, um recente acórdão recusou ao Luxemburgo a aplicação de uma lei que visava melhorar a fiscalização da regularidade dos contratos dos trabalhadores estrangeiros destacados a prestar serviços no grão-ducado.
Em tempo de crise económica, agravam-se todas as contradições. Começam agora a ganhar mais importância os embates entre, por um lado, os neoliberais mais fundamentalistas, que consideram a livre circulação de capitais e de serviços como os pilares da UE e do mercado único e, por outro lado, alguns dos próprios Estados-Membros da União, que pretendem defender-se dos efeitos mais nefastos dessa política para garantir uma certa paz social dentro de casa, tida como fundamental quando se aproximam tempos difíceis de eleições.
A Comissão Europeia vai procurar obter em tribunal uma nova alteração à chamada lei Volkswagen (VW), nomeadamente da cláusula que obriga a que decisões de fundo sejam tomadas com mais de 80% dos votos.
Esta lei, aprovada há quase 50 anos, quando a VW foi privatizada, visava proteger uma empresa considerada estratégica para a Alemanha. Tinha agora acabado de ser alterada em vários pontos, na sequência de uma queixa da Comissão e sequente decisão do Tribunal de Justiça que a considerou violadora do princípio da livre circulação de capitais. No entanto, nas alterações efectuadas, os alemães recusaram-se a incluir a cláusula dos 80%.
Esta cláusula é objecto de especial disputa porque o Estado da Baixa Saxónia (a que pertence a cidade de Wolfsburg, onde se situa a fábrica-sede da empresa) é detentor de 20% do capital, o que lhe permite bloquear qualquer decisão de fecho ou deslocalização daquela fábrica ou eventualmente de outras fábricas da VW que existem no Estado, o que poderia acontecer sobretudo em caso de um take-over. A Porsche é já hoje o maior accionista da VW com 31% e várias empresas europeias do sector automóvel têm sido adquiridas por congéneres asiáticas.
Uma crise na VW, o maior fabricante europeu de automóveis e o maior empregador privado da região, será devastadora para a Baixa Saxónia e sobretudo para Wolfsburg, uma jovem cidade criada em 1938 pelos nazis para albergar os trabalhadores da VW e cuja vida ainda hoje depende dos empregos na fábrica de automóveis e nos seus fornecedores.
Entre os sindicatos e algumas autoridades alemãs aumenta a contestação a este ataque frontal da Comissão e do Tribunal ao direito de um Estado, no exercício da sua soberania, poder definir a política económica que considera melhor corresponder aos seus interesses.
Convém lembrar que outro recente acórdão do Tribunal de Justiça (caso Rüffert, ver neste blog em Textos Global: Direito do Trabalho na União Europeia, Maio 2008) tinha recusado a aplicação de uma outra lei deste mesmo Estado alemão, que obrigava os empreiteiros de obras públicas a pagar aos imigrantes o mesmo salário mínimo da construção civil que é pago aos operários alemães, o que o Tribunal considerou constituir uma restrição à livre prestação de serviços e um ataque à vantagem competitiva das empresas que utilizam mão de obra mais barata.
Mas nem só a Alemanha tem estado na mira da Comissão e do Tribunal. Depois dos casos contra os regimes de contratação colectiva e de direito à greve nos países nórdicos, um recente acórdão recusou ao Luxemburgo a aplicação de uma lei que visava melhorar a fiscalização da regularidade dos contratos dos trabalhadores estrangeiros destacados a prestar serviços no grão-ducado.
Em tempo de crise económica, agravam-se todas as contradições. Começam agora a ganhar mais importância os embates entre, por um lado, os neoliberais mais fundamentalistas, que consideram a livre circulação de capitais e de serviços como os pilares da UE e do mercado único e, por outro lado, alguns dos próprios Estados-Membros da União, que pretendem defender-se dos efeitos mais nefastos dessa política para garantir uma certa paz social dentro de casa, tida como fundamental quando se aproximam tempos difíceis de eleições.
Crónica de um fim do mundo anunciado
Publicado em: O Gaiense, 13 de Setembro de 2008
Se hoje escrevo esta crónica, é porque afinal o mundo não acabou no momento em que foi posto em operação o LHC, o grande acelerador de partículas do CERN. Depois das profecias do fim do milénio, abundaram agora as previsões catastrofistas, abusando da ignorância popular e da decorrente tendência para acreditar em deuses e demónios, em desgraças e milagres.
Em Genebra não se fazem milagres, fazem-se coisas muito mais importantes. Abre-se uma porta para darmos mais uns passos no conhecimento da matéria, da sua natureza, da sua história e da sua origem. A matéria de que são feitas as estrelas, de que somos feitos nós, a matéria também de que são feitos os nossos sonhos.
Mas os cientistas do CERN contribuem para a nossa vida muito para além da física das partículas. As suas descobertas e invenções são postas à disposição dos outros investigadores de todos os Estados participantes e das universidades de forma livre e gratuita. Nesta atitude, que contrasta com o mesquinho mundo milionário dos negócios de patentes, estão também a abrir uma porta para um mundo diferente, em que o conhecimento será considerado património comum da humanidade.
Talvez não se lembrem, mas foi exactamente isso que fez, neste mesmo CERN, nos anos de 1989 e 90, o investigador Tim Berners-Lee quando inventou uma coisa a que chamou world wide web (www) e que, conjuntamente com o seu colega Robert Cailliau, insistiu para que fosse disponibilizada para todos de forma livre e gratuita. A essa atitude devemos o facto de hoje dispormos de uma ferramenta universal e gratuita de comunicação. Foi outra porta que o CERN abriu, pela qual hoje passam milhões de pessoas todos os dias.
Se hoje escrevo esta crónica, é porque afinal o mundo não acabou no momento em que foi posto em operação o LHC, o grande acelerador de partículas do CERN. Depois das profecias do fim do milénio, abundaram agora as previsões catastrofistas, abusando da ignorância popular e da decorrente tendência para acreditar em deuses e demónios, em desgraças e milagres.
Em Genebra não se fazem milagres, fazem-se coisas muito mais importantes. Abre-se uma porta para darmos mais uns passos no conhecimento da matéria, da sua natureza, da sua história e da sua origem. A matéria de que são feitas as estrelas, de que somos feitos nós, a matéria também de que são feitos os nossos sonhos.
Mas os cientistas do CERN contribuem para a nossa vida muito para além da física das partículas. As suas descobertas e invenções são postas à disposição dos outros investigadores de todos os Estados participantes e das universidades de forma livre e gratuita. Nesta atitude, que contrasta com o mesquinho mundo milionário dos negócios de patentes, estão também a abrir uma porta para um mundo diferente, em que o conhecimento será considerado património comum da humanidade.
Talvez não se lembrem, mas foi exactamente isso que fez, neste mesmo CERN, nos anos de 1989 e 90, o investigador Tim Berners-Lee quando inventou uma coisa a que chamou world wide web (www) e que, conjuntamente com o seu colega Robert Cailliau, insistiu para que fosse disponibilizada para todos de forma livre e gratuita. A essa atitude devemos o facto de hoje dispormos de uma ferramenta universal e gratuita de comunicação. Foi outra porta que o CERN abriu, pela qual hoje passam milhões de pessoas todos os dias.
Uma Agenda Social Renovada para a UE
Publicado em: O Gaiense, 6 de Setembro de 2008
O Parlamento Europeu começou esta semana a discutir a proposta da Comissão Barroso para dotar a Europa de uma “Agenda Social Renovada”. Com a aproximação das eleições europeias, aumenta a preocupação dos responsáveis com a crescente insatisfação popular com as políticas da União. O sinal mais claro do reconhecimento desta insatisfação foi a decisão de não fazer referendos por se compreender que a probabilidade de os ganhar se vai reduzindo de dia para dia. Agora temem que as eleições de Junho tragam para dentro do próximo Parlamento uma presença reforçada das vozes de protesto.
De facto, os estudos mostram que há uma percepção generalizada de que a UE se está a construir em torno dos mercados e da concorrência, e que a solidariedade e o progresso social são sistematicamente preteridos em função daqueles valores. Mesmo as mais modestas pretensões de harmonização social deixaram de fazer parte do léxico da Comissão desde a partida do presidente Jacques Delors.
A actual crise económica veio apenas tornar mais visíveis e mais dolorosos os resultados daquela opção política de fundo, aumentando um certo cepticismo dos cidadãos sobre o "valor acrescentado" das políticas europeias para as suas vidas quotidianas.
Mais do que um Pacote Social composto fundamentalmente por comunicações, relatórios e recomendações de carácter não legislativo, com reduzidos efeitos práticos, a UE precisa de se revitalizar em torno de um eixo diferente: o valor da solidariedade deve substituir o da competitividade.
O Parlamento Europeu começou esta semana a discutir a proposta da Comissão Barroso para dotar a Europa de uma “Agenda Social Renovada”. Com a aproximação das eleições europeias, aumenta a preocupação dos responsáveis com a crescente insatisfação popular com as políticas da União. O sinal mais claro do reconhecimento desta insatisfação foi a decisão de não fazer referendos por se compreender que a probabilidade de os ganhar se vai reduzindo de dia para dia. Agora temem que as eleições de Junho tragam para dentro do próximo Parlamento uma presença reforçada das vozes de protesto.
De facto, os estudos mostram que há uma percepção generalizada de que a UE se está a construir em torno dos mercados e da concorrência, e que a solidariedade e o progresso social são sistematicamente preteridos em função daqueles valores. Mesmo as mais modestas pretensões de harmonização social deixaram de fazer parte do léxico da Comissão desde a partida do presidente Jacques Delors.
A actual crise económica veio apenas tornar mais visíveis e mais dolorosos os resultados daquela opção política de fundo, aumentando um certo cepticismo dos cidadãos sobre o "valor acrescentado" das políticas europeias para as suas vidas quotidianas.
Mais do que um Pacote Social composto fundamentalmente por comunicações, relatórios e recomendações de carácter não legislativo, com reduzidos efeitos práticos, a UE precisa de se revitalizar em torno de um eixo diferente: o valor da solidariedade deve substituir o da competitividade.
O pau de dois bicos
Publicado em: O Gaiense, 30 de Agosto de 2008
Fevereiro de 2008: Sarkozy escreve ao presidente do Kosovo dizendo que tem a honra de informar que a França, em pleno acordo com a declaração da União Europeia, reconhece o Kosovo como um Estado soberano e independente. A UE decide enviar uma missão, com um efectivo total previsto de 3000 pessoas e um orçamento de 205 milhões de euros para os primeiros 16 meses. Putin condena a proclamação de independência, considerando-a um horrível precedente contrário aos princípios de soberania e de integridade territorial da Sérvia, reconhecidos pela Carta das Nações Unidas, e que faz voar em pedaços todo o sistema de relações internacionais existente. Compara esta declaração unilateral a um pau de dois bicos, anunciando que uma das extremidades vai um dia ser espetada na cara dos que a apoiam.
Agosto de 2008: Dmitri Medvedev anuncia que a Federação Russa aprovou o reconhecimento da Abkházia e da Ossétia do Sul como Estados soberanos e independentes. Uma missão russa é estacionada nos territórios. Sarkozy, presidente em exercício do Conselho da União Europeia, condena firmemente esta decisão, que considera contrária aos princípios de independência, de soberania e de integridade territorial da Geórgia, reconhecidos pela Carta das Nações Unidas.
Julho de 1914: O governo austro-húngaro, apoiado pelos seus aliados alemães, envia um ultimato à Sérvia, tradicional aliada da Rússia...
Fevereiro de 2008: Sarkozy escreve ao presidente do Kosovo dizendo que tem a honra de informar que a França, em pleno acordo com a declaração da União Europeia, reconhece o Kosovo como um Estado soberano e independente. A UE decide enviar uma missão, com um efectivo total previsto de 3000 pessoas e um orçamento de 205 milhões de euros para os primeiros 16 meses. Putin condena a proclamação de independência, considerando-a um horrível precedente contrário aos princípios de soberania e de integridade territorial da Sérvia, reconhecidos pela Carta das Nações Unidas, e que faz voar em pedaços todo o sistema de relações internacionais existente. Compara esta declaração unilateral a um pau de dois bicos, anunciando que uma das extremidades vai um dia ser espetada na cara dos que a apoiam.
Agosto de 2008: Dmitri Medvedev anuncia que a Federação Russa aprovou o reconhecimento da Abkházia e da Ossétia do Sul como Estados soberanos e independentes. Uma missão russa é estacionada nos territórios. Sarkozy, presidente em exercício do Conselho da União Europeia, condena firmemente esta decisão, que considera contrária aos princípios de independência, de soberania e de integridade territorial da Geórgia, reconhecidos pela Carta das Nações Unidas.
Julho de 1914: O governo austro-húngaro, apoiado pelos seus aliados alemães, envia um ultimato à Sérvia, tradicional aliada da Rússia...
O lado bom da guerra
Publicado em: O Gaiense, 23 de Agosto de 2008
Os saudosos da guerra fria retiraram da arca congeladora velhos sentimentos e velhos argumentos, e alinham-se empenhados do lado bom da guerra.
Esta semana, na sede da NATO em Bruxelas, Condoleezza Rice falou dos ataques da Rússia à democracia da Geórgia e das intimidações às ex-repúblicas soviéticas como intentos de criação de uma nova cortina de ferro a dividir a Europa. Teme que as operações na Geórgia sejam apenas um treino de musculação das forças russas para outras intervenções e avisa que a presença de bombardeiros russos ao largo do Alaska é um jogo perigoso junto à costa de um território americano. É a arrogância imperial em fim de ciclo, para consumo externo e interno.
Do outro lado, a Rússia é apresentada como uma respeitável força de manutenção de paz, agindo no quadro do direito internacional. Lembram-se as atrocidades contra os ossetas cometidas nas últimas décadas por extremistas nacionalistas georgianos e referem-se as aventuras militares de Saakachvili contra a Ossétia do Sul como a continuação de uma hostilidade com raízes históricas profundas, acentuadas no início do século XX e após o desmoronamento da URSS. E lembra-se que a Rússia já tinha avisado que a independência do Kosovo era um precedente que teria consequências. Nos vizinhos da Rússia aumentam os receios e a sensação de insegurança.
Porém, o lado bom da guerra não é o da Geórgia e dos seus aliados ocidentais, como não é o da Rússia e seus defensores, um pouco por todo o mundo. A causa da paz, a boa posição nesta matéria, terá de ser construída contra os interesses estratégicos desses blocos, em defesa dos interesses das principais vítimas desta rivalidade.
Os saudosos da guerra fria retiraram da arca congeladora velhos sentimentos e velhos argumentos, e alinham-se empenhados do lado bom da guerra.
Esta semana, na sede da NATO em Bruxelas, Condoleezza Rice falou dos ataques da Rússia à democracia da Geórgia e das intimidações às ex-repúblicas soviéticas como intentos de criação de uma nova cortina de ferro a dividir a Europa. Teme que as operações na Geórgia sejam apenas um treino de musculação das forças russas para outras intervenções e avisa que a presença de bombardeiros russos ao largo do Alaska é um jogo perigoso junto à costa de um território americano. É a arrogância imperial em fim de ciclo, para consumo externo e interno.
Do outro lado, a Rússia é apresentada como uma respeitável força de manutenção de paz, agindo no quadro do direito internacional. Lembram-se as atrocidades contra os ossetas cometidas nas últimas décadas por extremistas nacionalistas georgianos e referem-se as aventuras militares de Saakachvili contra a Ossétia do Sul como a continuação de uma hostilidade com raízes históricas profundas, acentuadas no início do século XX e após o desmoronamento da URSS. E lembra-se que a Rússia já tinha avisado que a independência do Kosovo era um precedente que teria consequências. Nos vizinhos da Rússia aumentam os receios e a sensação de insegurança.
Porém, o lado bom da guerra não é o da Geórgia e dos seus aliados ocidentais, como não é o da Rússia e seus defensores, um pouco por todo o mundo. A causa da paz, a boa posição nesta matéria, terá de ser construída contra os interesses estratégicos desses blocos, em defesa dos interesses das principais vítimas desta rivalidade.
Sarkozix – o dia em que o céu lhe caiu na cabeça
Fotos: PE
Publicado em: O Gaiense, 15 de Agosto de 2008
Na aldeia de Asterix, os indomáveis guerreiros, que não temiam nada nem ninguém, tinham contudo um profundo receio: que um dia o céu lhes caísse na cabeça. Passaram vinte séculos sem que a catásfrofe ocorresse. Mas, numa calma tarde de Agosto do ano de MMVIII, na importante cidade gaulesa de Strasbourg, caiu o tecto da grande sala onde, doze vezes por ano, vindos das 27 longínquas aldeias da União, se reunem 785 druídas da política no grande conclave do Parlamento Europeu. O poderoso deus Toutatis foi clemente na sua fúria: o castigo não causou mortos nem feridos porque a sala estava vazia. Mas o aviso ficou. Em Lutécia, o grande chefe Sarkozix ficou preocupado com o augúrio e com a má imagem que este incidente pode dar à sua presidência semestral.
Até porque há quem considere que o desabar do grande tecto é uma excelente metáfora das dificuldades trazidas à arquitectura institucional da União pela recente revolta das tribos da Irlanda contra o Tratado de Olissipo. Outros consideram-no um sinal dos céus para que o Parlamento acabe com a sua migração mensal de Bruxelas até Strasbourg para a cerimónia ritual do plenário.
Enquanto tentam a todo o custo calar os bardos que teimam em cantar o evento, os grandes chefes europeus procuram uma nova poção mágica que os possa salvar das inúmeras dificuldades em que se meteram. Desta vez aliados ao novo imperador de Roma, que está a começar a incendiar a península itálica. O tradicional banquete de encerramento da aventura está, por ora, adiado.
Nuestro comissário europeu?
Publicado em: O Gaiense, 9 de Agosto de 2008
Hoje, todos os Estados-Membros da UE têm um comissário europeu. Uma das alterações previstas no defunto Tratado de Lisboa seria a redução do número de membros da Comissão Europeia, acabando para um terço dos Estados o “privilégio” de ter uma voz no executivo europeu. Com o chumbo do Tratado o problema fica resolvido? Talvez não, porque o que está previsto no Tratado actualmente em vigor é que “a Comissão é composta por um nacional de cada Estado-Membro”, mas também que “o número de membros da Comissão pode ser modificado pelo Conselho, deliberando por unanimidade”.
Sarkozy, o presidente francês, sugere agora que o assunto se resolva através da partilha de um mesmo comissário por países de cultura e língua semelhantes.
Os primeiros a reagir foram os austríacos, que falam a língua e partilham a cultura e a história da sua vizinha Alemanha e que, dada a diferença de dimensão e de peso político dos dois países no contexto europeu, já estavam a ver a sua vida a andar para trás, prevendo que o seu “grupo” nunca deixaria de ser representado no colégio de comissários por um alemão. Ou alguém imagina a Comissão Europeia sem um alemão?
Nós seríamos certamente incluídos por Sarkozy no grupo dos hispânicos, dos ibéricos, ou das tribos transpirinaicas... E decidiríamos sobre nuestro comissário nos salões da Moncloa.
Foi mais uma brilhante saída de Sarkozy no seu melhor. Ou é a silly season no seu melhor? Talvez silly Sarkozy no seu melhor.
Hoje, todos os Estados-Membros da UE têm um comissário europeu. Uma das alterações previstas no defunto Tratado de Lisboa seria a redução do número de membros da Comissão Europeia, acabando para um terço dos Estados o “privilégio” de ter uma voz no executivo europeu. Com o chumbo do Tratado o problema fica resolvido? Talvez não, porque o que está previsto no Tratado actualmente em vigor é que “a Comissão é composta por um nacional de cada Estado-Membro”, mas também que “o número de membros da Comissão pode ser modificado pelo Conselho, deliberando por unanimidade”.
Sarkozy, o presidente francês, sugere agora que o assunto se resolva através da partilha de um mesmo comissário por países de cultura e língua semelhantes.
Os primeiros a reagir foram os austríacos, que falam a língua e partilham a cultura e a história da sua vizinha Alemanha e que, dada a diferença de dimensão e de peso político dos dois países no contexto europeu, já estavam a ver a sua vida a andar para trás, prevendo que o seu “grupo” nunca deixaria de ser representado no colégio de comissários por um alemão. Ou alguém imagina a Comissão Europeia sem um alemão?
Nós seríamos certamente incluídos por Sarkozy no grupo dos hispânicos, dos ibéricos, ou das tribos transpirinaicas... E decidiríamos sobre nuestro comissário nos salões da Moncloa.
Foi mais uma brilhante saída de Sarkozy no seu melhor. Ou é a silly season no seu melhor? Talvez silly Sarkozy no seu melhor.
OMC – países mais pobres recusam pressões
Publicado em: O Gaiense, 2 de Agosto de 2008
As negociações do ciclo de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) chegaram esta semana a um impasse por falta de acordo sobre os mecanismos especiais de salvaguarda dos agricultores mais pobres. Os representantes dos 153 países membros, reunidos em Génova, tentavam concluir um processo negocial que dura desde 2001. Esta era a última oportunidade de chegar a um acordo sobre a liberalização do comércio mundial proposto (imposto?) pelas grandes potências – o mandato dos representantes dos EUA acaba agora.
Se as propostas dos países mais ricos fossem aprovadas, teriam profundos impactes negativos nos países em desenvolvimento. Até o Banco Mundial considerou que o aumento de desemprego, a perda de rendimentos estatais dos países mais pobres e as limitações à sua liberdade para definir políticas económicas e sociais, ultrapassariam largamente os supostos benefícios das politicas comerciais propostas.
As multinacionais do sector alimentar e da agro-indústria apostavam forte na proibição da protecção dos pequenos agricultores e das culturas e produtos locais e no fim do conceito de soberania alimentar. A UE propunha ligeiras concessões no campo agrícola em troca da redução de tarifas aduaneiras e de restrições à entrada dos produtos industriais e serviços dos exportadores e financeiros europeus, o que foi visto por alguns países em desenvolvimento como uma sentença de morte para as suas frágeis indústrias e serviços.
O bloqueio das negociações foi uma vitória parcial que abre espaço para discutir uma nova politica comercial global que seja motor de um desenvolvimento equilibrado e não factor de mais desigualdade e exploração.
As negociações do ciclo de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) chegaram esta semana a um impasse por falta de acordo sobre os mecanismos especiais de salvaguarda dos agricultores mais pobres. Os representantes dos 153 países membros, reunidos em Génova, tentavam concluir um processo negocial que dura desde 2001. Esta era a última oportunidade de chegar a um acordo sobre a liberalização do comércio mundial proposto (imposto?) pelas grandes potências – o mandato dos representantes dos EUA acaba agora.
Se as propostas dos países mais ricos fossem aprovadas, teriam profundos impactes negativos nos países em desenvolvimento. Até o Banco Mundial considerou que o aumento de desemprego, a perda de rendimentos estatais dos países mais pobres e as limitações à sua liberdade para definir políticas económicas e sociais, ultrapassariam largamente os supostos benefícios das politicas comerciais propostas.
As multinacionais do sector alimentar e da agro-indústria apostavam forte na proibição da protecção dos pequenos agricultores e das culturas e produtos locais e no fim do conceito de soberania alimentar. A UE propunha ligeiras concessões no campo agrícola em troca da redução de tarifas aduaneiras e de restrições à entrada dos produtos industriais e serviços dos exportadores e financeiros europeus, o que foi visto por alguns países em desenvolvimento como uma sentença de morte para as suas frágeis indústrias e serviços.
O bloqueio das negociações foi uma vitória parcial que abre espaço para discutir uma nova politica comercial global que seja motor de um desenvolvimento equilibrado e não factor de mais desigualdade e exploração.
Pedofilia e misoginia
Publicado em: O Gaiense, 26 de Julho de 2008
Na Austrália, o Papa Bento XVI pediu desculpa às inúmeras vítimas dos crimes de pedofilia praticados por padres e bispos da Igreja Católica daquele país. Já tinha apresentado idênticas desculpas em anterior visita aos Estados Unidos da América, onde esta acção criminosa do clero tinha também alastrado de forma assustadora. Nos mesmos EUA onde esta semana se realizou a ordenação de três mulheres como sacerdotes católicas. Não serão reconhecidas pelo Vaticano e arriscam mesmo a excomunhão, já que o machismo fundamentalista dos duros do Vaticano mantém um bloqueio irredutível, absolutamente fora do espírito do nosso tempo. É um sinal forte de uma ideologia em rápido processo de obsolescência, gerindo uma instituição que resiste à mudança, em claro contraste com a mensagem de coragem transformadora e de amor universal que lhe deu origem.
No entanto, a abertura do sacerdócio e da hierarquia da Igreja Católica à participação das mulheres, para além de ser fundamentalmente um acto de elementar justiça, poderia ter como efeito imediato a redução da quantidade de crimes de abuso sexual de crianças nas igrejas. Mas nem esse problema, que pelos vistos tanto aflige o Santo Padre, parece pesar na decisão. Só homens, ainda por cima homens sem família constituída e com voto formal de eterna castidade, poderão continuar a dirigir os destinos das paróquias e das dioceses.
O que é estranho é que esta igreja de homens, que considera as mulheres indignas de exercer as funções de padre ou de bispo, continue a ser frequentada maioritariamente por mulheres.
Na Austrália, o Papa Bento XVI pediu desculpa às inúmeras vítimas dos crimes de pedofilia praticados por padres e bispos da Igreja Católica daquele país. Já tinha apresentado idênticas desculpas em anterior visita aos Estados Unidos da América, onde esta acção criminosa do clero tinha também alastrado de forma assustadora. Nos mesmos EUA onde esta semana se realizou a ordenação de três mulheres como sacerdotes católicas. Não serão reconhecidas pelo Vaticano e arriscam mesmo a excomunhão, já que o machismo fundamentalista dos duros do Vaticano mantém um bloqueio irredutível, absolutamente fora do espírito do nosso tempo. É um sinal forte de uma ideologia em rápido processo de obsolescência, gerindo uma instituição que resiste à mudança, em claro contraste com a mensagem de coragem transformadora e de amor universal que lhe deu origem.
No entanto, a abertura do sacerdócio e da hierarquia da Igreja Católica à participação das mulheres, para além de ser fundamentalmente um acto de elementar justiça, poderia ter como efeito imediato a redução da quantidade de crimes de abuso sexual de crianças nas igrejas. Mas nem esse problema, que pelos vistos tanto aflige o Santo Padre, parece pesar na decisão. Só homens, ainda por cima homens sem família constituída e com voto formal de eterna castidade, poderão continuar a dirigir os destinos das paróquias e das dioceses.
O que é estranho é que esta igreja de homens, que considera as mulheres indignas de exercer as funções de padre ou de bispo, continue a ser frequentada maioritariamente por mulheres.
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