BCE – independência ou parcialidade?

Publicado em: O Gaiense, 12 de Julho de 2008

Ainda na ressaca da recente subida da taxa de juro de referência para 4,25%, o Banco Central Europeu (BCE) veio esta semana ao Parlamento Europeu discutir o seu relatório anual.

Muito se questionou a interpretação unilateral da missão do BCE. É verdade que o art. 105º do Tratado define como objectivo principal manter a estabilidade dos preços. Mas refere também que deve contribuir para a realização dos objectivos da Comunidade, tal como definidos no art 2º, o que inclui um nível de emprego e de protecção social elevado, um aumento da qualidade de vida e a coesão económica e social.

Ora Jean-Claude Trichet, presidente do BCE, afirma no relatório que "o forte crescimento do investimento foi apoiado por condições de financiamento favoráveis, fortes lucros empresariais e ganhos continuados na eficiência das empresas". Diz ainda que se "verificaram riscos de uma dinâmica salarial mais forte do que o esperado, implicando a ameaça de efeitos de segunda ordem sobre a fixação de salários e preços"; "o BCE acompanhou muito atentamente as negociações salariais e a fixação de preços". Os negociadores de salários foram alertados para manter moderação.

Fortes lucros empresariais e moderação salarial para conter a inflação? Quando todos reconhecem que a inflação se ficou a dever sobretudo à especulação financeira sobre os produtos petrolíferos e alimentares (com fortes lucros empresariais) e não a qualquer aumento da procura motivado por aumento do poder de compra? Agora, as taxas de juro mais altas vão afectar sobretudo as famílias cujos orçamentos já estão estrangulados pelas prestações aos bancos, as mesmas que mais sofrem com os aumentos dos combustíveis e alimentos.

Paris remunicipaliza águas

Publicado em: O Gaiense, 5 de Julho de 2008

A Câmara de Paris decidiu remunicipalizar o abastecimento de água. A reforma não resulta de uma mudança política no executivo. As recentes eleições municipais foram ganhas por Bertrand Delanoë, o anterior presidente. Na campanha eleitoral propôs a criação de um operador público único que assumisse a responsabilidade por toda a cadeia da água, abrangendo a produção e a distribuição.

Em 2009 expiram os contratos de concessão às empresas Suez e Veolia, que não serão renovados, passando a distribuição, numa primeira fase, para a sociedade de economia mista Águas de Paris, que gere o resto das operações de captação, tratamento e transporte. Em 2011 termina, por sua vez, o contrato desta empresa mista e então os seus 589 funcionários, juntamente com os funcionários que tiver incorporado do sector da distribuição, passarão para uma entidade gerida directamente pela Câmara.

O presidente justifica esta opção com a necessidade de melhor gestão e controlo dos sistemas de abastecimento, conseguindo ganhos de produtividade e garantindo um produto de alta qualidade com um custo controlado e mais estável, uma resposta aos sucessivos aumentos de preço. Um relatório da Assembleia Nacional concluiu que a água tem um preço 33% mais elevado quando os serviços são concessionados a privados. Em Paris os distribuidores privados obtiveram um lucro de 28%.

Não deixa de ser irónico constatar que a remunicipalização se dá no país de onde são originárias as grandes multinacionais do sector da água, que operam também entre nós. Portugal costuma copiar as modas com algum atraso. Ainda estamos na fase das concessões aos privados, àqueles que na sua terra as estão a perder. Paris sempre esteve um pouco à frente...