Votos para 2012

Banda desenhada publicada na contra-capa da revista O Tempo e o Modo nº 81, Jul-Ago 1970

Publicado em: O Gaiense, 31 de Dezembro de 2012
Numa crónica de fim de ano, ou se faz o balanço do ano que acaba, ou se fazem votos para o ano que começa. Vou pela segunda opção porque, confesso, já estou um bocado farto deste penoso 2011.
Faço votos para que 2012 seja o ano da recuperação. Recuperação da dignidade de um povo que em 2011 foi classificado como lixo pelas agências internacionais, foi tratado como lixo pelos poderes políticos europeus e nacionais, foi descartado como lixo pelas instituições financeiras e, pior do que tudo isso, comeu e calou, paralisado pelo veneno da resignação (“é duro, mas tinha que ser...”).
Faço votos para que, em 2012, Portugal seja de novo um bom aluno. Não um bom aluno das receitas falhadas que nos conduzirão de volta à pobreza e ao fim do que nos resta de Estado social. Nós vivemos metade do século passado a penar na pobreza e na falta de direitos porque fomos tolerando, com inaceitável passividade, as regras caducas de quem nos governava. É tempo de sermos bons alunos, mas de outras escolas. De seguirmos exemplos de quem não se resigna, de quem foi para as praças libertadoras derrubar poderes eternos, de quem ocupou Wall street ou a Puerta del Sol. Bons alunos, afinal, de nós próprios, que num certo Abril acendemos o sol da liberdade no país dos impossíveis. Ou, recuando mais um pouco, bons alunos daquele nosso Poeta que nos disse, de forma tão bela, que “todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades”. Em 2012, haja mais coragem, que na nossa terra “não se muda já como soía”.

Uma proposta de Natal



Publicado em: O Gaiense, 24 de Dezembro de 2011
Já que estamos naquela quadra em que se multiplicam as mais louváveis iniciativas solidárias e toda a gente afirma o seu espírito de Natal em unânimes votos de amor pelas crianças e de partilha e compaixão com os mais desfavorecidos, permitam que esta carta se venha juntar a esse coro benfazejo com uma sugestão muito concreta.
Se - como se diz e eu concordo - Natal devia ser o ano todo ou, pelo menos, sempre que uma pessoa quiser, proponho que passemos a utilizar o espírito de Natal como critério concreto e permanente para avaliar as propostas e medidas com que se vai mudando a nossa vida colectiva. As que passassem no teste mantinham-se, as que chumbassem teríamos de eliminar.
Alguns exemplos: O corte do subsídio de Natal está de acordo com o espírito de Natal? Obrigar os trabalhadores a meia hora diária de trabalho grátis é uma medida solidária com quem mais precisa? O aumento das taxas na Saúde é mais compaixão com os doentes? Os cortes na Educação fazem-se por amor às crianças, as tais que merecem sempre o melhor? O Orçamento de Estado é uma expressão quantificada do amor universal? As decisões do Conselho Europeu aprofundam a fraternidade entre os povos? A troika são os três reis magos?
Se respondeu “sim” a todas as perguntas, desejo-lhe um feliz 2012. Se respondeu “não”, pergunto-lhe: o que vai fazer para ser fiel aos seus votos natalícios? Ou eles esgotam-se no dia 26?

Mais um Conselho Europeu decisivo


Publicado em: O Gaiense, 17 de Dezembro de 2011 
A última reunião do Conselho Europeu foi apresentada, com todo o dramatismo, como absolutamente decisiva para resolver a crise, a última e irrepetível chance de encontrar uma solução. Curioso é que o mesmo já tenha sido dito da anterior, e da anterior a ela. Como se dirá certamente da próxima. Há anos que não temos senão cimeiras decisivas para atacar a crise - sejam da UE, sejam do G8, do G20, das Nações Unidas para o Clima – onde nada de fundamental se decide, e a vida continua, de mal a pior. Mas o erro pode estar na expectativa de que será em cimeiras dos que provocam as doenças que se vai encontrar a cura.
Se a cumplicidade de David Cameron com os interesses financeiros da City de Londres foi frontalmente assumida por ele como razão para rejeitar a alteração aos Tratados, as imposições do eixo franco-alemão não estão menos ao serviço de semelhantes interesses, simplesmente servem os do lá de cá da Mancha. Vale tudo para tentar apaziguar os mercados. Ora, os ameaçadores “mercados” são entidades concretas (muitas delas europeias): são as empresas financeiras e os fundos que compram e vendem de forma especulativa acções, moeda e títulos das dívidas soberanas e que transacionam, à velocidade de um clic, ficções derivadas destes títulos em montantes muitas e muitas vezes superiores aos valores dos PIB dos países mais ricos, assentando aí o seu poder arrasador. Enquanto estes interesses continuarem a ser vacas sagradas para as formatadas cabeças dos líderes europeus (e portugueses), não será de esperar que qualquer solução real para a crise possa emergir de uma reunião do Conselho ou do Banco Central Europeu.

Singularidades da política belga



Publicado em: O Gaiense, 10 de Dezembro de 2011

Terminaram as negociações para a formação do governo belga resultante das eleições de Junho de 2010. O partido que ganhou, da direita separatista flamenga, não participa. O primeiro-ministro será socialista. No congresso que o PS (como os outros partidos que integram o acordo de governo) teve de fazer para aprovar o acordo, cantou-se A Internacional de punho no ar e as televisões mostraram que, contrariamente ao habitual, o presidente Elio Di Rupo se manteve estático, assumindo uma afastada postura de primeiro-ministro. Mau sinal, disseram alguns.
Mas, no discurso de apresentação oficial do governo, comprometeu-se a manter a indexação automática dos salários à inflação, sistema muito contestado na UE; disse também que o combate pelo emprego e pela repartição da riqueza não pode ser ganho numa sociedade dominada pela especulação, onde algumas pessoas ganham penosamente 1200 euros em certas empresas, enquanto outras acumulam fortunas comprando e vendendo acções dessas mesmas empresas. Assim não dá! – disse ele – assumindo que uma regulamentação apropriada do sector financeiro será uma das prioridades do novo governo.
Apesar das belas palavras, os sindicatos, mesmo os ligados ao PS, desconfiam. É que, se muitos belgas ficaram aliviados por terem finalmente governo, sabem também que foram poupados a planos de austeridade porque não havia governo para os impor e temem que agora eles cheguem também à Bélgica. Essa a razão por que realizaram, na semana passada, uma enorme manifestação “preventiva” contra as medidas que podem vir com o orçamento do novo governo. Nisso, os belgas são mais duros e organizados do que os portugueses: lutam antes que o pior lhes aconteça; nós reagimos tarde e nem sempre com o vigor necessário.

A voz da outra Bruxelas






Publicado em: O Gaiense, 3 de Dezembro de 2011
Nesta sexta-feira, a capital da União Europeia esteve praticamente paralisada. As confederações sindicais saíram à rua para afirmar que a austeridade cega que querem impor aos trabalhadores belgas não é uma fatalidade, só vai agravar a crise, e que há alternativas para lutar contra o défice.
Dizem e repetem: a factura da crise não deve ser paga pelos mais fracos e ainda menos pelas gerações futuras. O que é preciso é investir no relançamento da economia em bases duráveis e ir buscar o dinheiro a quem o tem, lutando contra a fraude fiscal e taxando as grandes fortunas, os lucros do capital, as transações financeiras e a especulação que parasita a economia, em vez de empobrecer ainda mais os desempregados, transformar os pré-reformados em desempregados e os funcionários em pessoas à procura de emprego. É também preciso - dizem os belgas - reforçar os serviços públicos e o sector social, porque estes sectores têm um efeito redistributivo.
É bom que os portugueses saibam que no centro “rico” da Europa os trabalhadores lutam pelos mesmos objectivos do que eles: estas exigências que ecoam hoje nas ruas de Bruxelas são iguais às que se têm ouvido nas ruas de Portugal. Elas partem de uma frente comum das grandes centrais sindicais que incluem a FGTB, situada mais à esquerda, a CSC, a confederação de sindicatos cristãos e a CGSLB, a central sindical liberal. Unidos para tentar que a voz de quem trabalha se faça ouvir mais forte do que a voz dos interesses do capital, até mesmo nesta capital onde eles costumam reinar.