A concorrência contra a economia


Publicado em: O Gaiense


O presidente do Banco Europeu de Investimento veio a público acusar a Comissão Europeia de bloquear o montante de mais de mil milhões de euros que o BEI tem disponível para financiamento à economia portuguesa através das PME. O caso é sério, que não é nada frequente o presidente de uma instituição europeia ter este tipo de franquezas ou desabafos públicos contra outra instituição.

A Comissão já reagiu, explicando que a concessão pelo Governo de garantias aos bancos nacionais para fazerem face às exigências do BEI no empréstimo são consideradas ajudas de Estado que violam as regras da concorrência, aquela estrita ortodoxia que proíbe qualquer intervenção do Estado na economia. É a mesma regra que tínhamos visto recentemente bloquear a vida dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo.

A Comissão não quer ceder aqui, porque este princípio lhe tem sido essencial para atingir outros fins mais importantes. Um dos grandes objectivos é a entrega a privados do negócio dos serviços públicos, como a água, a elecricidade, os correios, a televisão, o transporte aéreo e ferroviário, etc. Ora, acontece que a Comissão não tem mandato, nem autoridade, nem força para obrigar os Estados Membros a privatizarem esses serviços. Como procede então? Primeiro, no âmbito das suas competências referentes à construção do mercado interno, obriga os Estados a abrirem aqueles sectores de actividade a novos concorrentes num regime de mercado aberto; a seguir, ao abrigo da lei da concorrência, impede as ajudas do Estado às suas próprias empresas, enviando-as indefesas para a disputa com empresas privadas que têm todas as ajudas necessárias dos seus accionistas. E depois, espera que a vida faça o resto.

Universidade de Verão da Esquerda Europeia este ano é em Portugal. Inscrevam-se.



As inscrições estão abertas.

Encontrará a ficha de inscrição aqui.

Pós-troika, já!





Publicado em: O Gaiense, 25 de Maio de 2013

 

O Conselho de Estado discutiu o pós-troika (ninguém sabe em que termos, que o contributo dos ilustres da nação é para mero consumo interno de Belém). Foi uma reunião muito útil para o Presidente se dotar de informação relevante para basear a sua inacção.

A verdade é que por todo o lado se discute o pós-troika, mais concretamente, a forma de nos vermos livres das imposições da dita, quanto antes melhor, para podermos finalmente recuperar o país devastado pelo tornado da austeridade. Já se sabe que, quando a troika sair, todos os nossos indicadores (défice, dívida, desemprego, falências, etc.) estarão pelas ruas da amargura. Um caso de sucesso, como diz o ministro das Finanças alemão.

Mas há dois pós-troika possíveis. Um seria um pós-troika podre, tipo "evolução na continuidade", daquela forma como o marcelismo foi, no final dos anos sessenta, um pós-salazarismo, mantendo os fundamentos do sistema, num processo de contínua degenerescência nacional. Tivemos de resolver o assunto com a revolução de Abril.

A outra possibilidade é um pós-troika a sério, que corte com a lógica desta política e demita os seus promotores, mudando de vida para reconstruirmos o país numa base minimamente decente.

Se é assim, por que haveríamos de esperar por Junho de 2014? Os capitães de Abril não esperaram pelo fim do mandato de Marcelo Caetano, porque sabiam que, a cada mês que passasse, Portugal estaria pior. Hoje também, há que cortar o mal pela raiz e passar ao pós-troika quanto antes. Pós-troika que quer dizer: pós-Passos, pós-Gaspar, pós-Portas e que será também, no fundo, um pós-Cavaco.


E a demissão do ex-líder do PSD e ex-primeiro ministro, ninguém pede?


Publicado em: O Gaiense, 18 de Maio de 2013



A França entrou em recessão, a Itália está um caos e Portugal é aquela desgraça que todos sabemos. No entanto, é uma francesa, um italiano e um português que andam a impor na Europa as receitas da austeridade. A troika não são aqueles três senhores de fato escuro e cara de pau que vemos nos telejornais; esses são apenas três funcionários — muito ironicamente, três funcionários públicos — que cumprem as ordens de Christine Lagarde, Mario Draghi e Durão Barroso, esses sim, os verdadeiros rostos da troika, três latinos da Europa do sul.

É algo incoerente que tanto se ataque a senhora Merkel e se responsabilize a Alemanha pelas políticas desastrosas que estão a ser levadas a cabo na UE (e eu sou um deles, e convicto, como o leitor regular destas crónicas já deve ter notado) e que tanto se ataque as políticas da troika, mas se deixe mais ou menos em paz os três responsáveis diretos dessas políticas.

É incoerente que tanta gente (eu incluído) peça a demissão do líder do PSD e primeiro ministro Passos Coelho por aplicar a política da troika e ninguém peça a demissão do ex-líder do PSD e ex-primeiro ministro Durão Barroso por definir e impor essa mesma política, que está a arruinar Portugal. Muitos dirão: Barroso não manda nada, só faz o que manda a chanceler. Mas esse não seria, só por si, motivo suficiente para pedir a sua demissão? Se é ele que manda, peça-se a demissão porque a sua política está a ser um desastre. Se não manda nada, peça-se a demissão porque os tempos que correm exigem na UE políticos com coragem e não fantoches.

Nesta onda de pedido de demissões também tem que haver alguma justiça redistributiva...

Os infiltrados




Publicado em: O Gaiense, 11 de Maio de 2013


E se Pinto da Costa se fizesse eleger presidente do Benfica por um mandato e aproveitasse para vender ao Porto a preço de saldo os melhores jogadores, despedisse funcionários vitais para o clube e concessionasse o Estádio da Luz para campo de treinos do Sporting?

Algo de semelhante se está a passar no país. Um grupo de representantes do sector privado da economia, com treino específico na forma de defender esses interesses, fez-se eleger ou nomear para dirigir a coisa pública. Ocupam cargos no governo e na administração, a partir dos quais transferem tudo o que podem (que é de todos nós) para as mãos dos seus.

Se o serviço postal privado é que é bom, porque não vão trabalhar para lá e deixam em paz os nossos Correios, que prestam um serviço de proximidade, empregam muita gente e ainda por cima dão lucros de milhões? Se o ensino, a saúde, o abastecimento de água, os estaleiros, os aeroportos e as estradas privadas são o seu projecto de vida, porque continuam a dar ordens nos nossos serviços públicos e nas nossas infra-estruturas?

Se afirmam que nas empresas privadas é que se cria emprego, porque não vão para lá criar emprego? Se acham que a solução é ser empreendedor, porque não são empreendedores e vão criar o seu próprio posto de trabalho, em vez de continuarem a receber as suas remunerações do orçamento de Estado?

O sector privado da economia é legítimo e tem o seu lugar na sociedade. O que não é legítimo é, em vez mostrar a sua valia num ambiente de sã concorrência, infiltrar agentes no sector público para desviar para negócios privados fundos do Estado e impostos dos cidadãos, para destruir serviços que funcionam, só para abrir campo à prestação privada dos mesmos.

Os infiltrados violam a ética de serviço público que consta do compromisso de honra de qualquer tomada de posse. Não deveriam deixar a gestão pública para quem quiser defender o que é público?



Elogio da coragem



Publicado em: O Gaiense, 4 de Maio de 2013


O presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, veio esta semana a Portugal dar uma forcinha ao membro do Conselho Europeu Passos Coelho. É neste órgão da UE, a que ele formalmente preside, mas onde manda quem pode (e todos sabemos quem é a senhora que lá manda) que se têm vindo a tomar as decisões mais gravosas para a Europa.
Quando Rompuy elogia Passos, está a julgar em causa própria. Passos, como sabemos, vai às reuniões do Conselho receber ordens e abanar a cabeça. Daí que vir agora o presidente dizer que Portugal é “um bom exemplo”, o trabalho feito nas finanças é óptimo e os resultados alcançados são muito positivos, parece não só inútil, mas sobretudo uma enorme falta de sensibilidade e respeito pelas vítimas das decisões tomadas e só em Portugal já são alguns milhões.
A esta falta de sensibilidade e respeito, Rompuy chama coragem: “Muitos líderes, tal como os do vosso país, mostram coragem. Estão convencidos de que têm que agir como agem. E é assim que tem que ser”.
Costumamos chamar coragem à capacidade de enfrentar com valentia ameaças fortes. Ora não consta que os reformados, os trabalhadores ou os doentes alguma vez tenham ameaçado o país. Pelo contrário, a nossa sociedade e a nossa economia têm sido atacadas por forças poderosas, essas sim bem fortes: os mercados e os especuladores financeiros, aos quais mensalmente são entregues os milhões de euros que nos são cobrados em nome da austeridade. Coragem política seria bater o pé a esses poderes, enfrentar os fortes em nome e em defesa dos mais fracos e expressá-lo nas reuniões do Conselho. Aceitar tirar aos fracos para dar aos fortes é simples covardia, ou pior, é um miserável serviço de traição, que na história da humanidade tem tristes precedentes e diversas classificações onde a palavra coragem nunca foi incluída.