Medicamentos falsificados



Publicado em: O Gaiense, 19 de Fevereiro de 2011

A falsificação de medicamentos é um problema grave: em dois anos, aumentou 384%. Já não é apenas o Viagra e outros "revigorantes" falsificados que circulam, são também medicamentos para o cancro, para doenças cardíacas, o colesterol, a diabetes, numa milionária actividade organizada por redes internacionais. E não é só na venda pela internet: os falsificados entraram já nos circuitos tradicionais de comercialização farmacêutica.


Esta semana, o Parlamento Europeu aprovou uma directiva-quadro, proposta pela eurodeputada portuguesa Marisa Matias, que regula o combate aos medicamentos falsificados. Portugal e os outros 26 Estados-membros farão a seguir a sua transposição para a legislação nacional.

A Comissão Europeia via isto como um problema de distorção de mercado. Mas o problema não é o mesmo que ir à feira comprar roupa de marca a um quinto do preço. O Parlamento Europeu, com apoio do Conselho, alterou a base jurídica da proposta de directiva da Comissão, que deixou de ser uma directiva do mercado, para ser uma directiva de saúde pública. Uma decisão europeia politicamente saudável, para variar.


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EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS apresentada por Marisa Matias


A proposta da Comissão destinada a impedir a introdução, na cadeia de abastecimento, de medicamentos falsificados chama a atenção para uma questão que preocupa cada vez mais os cidadãos europeus: a qualidade e a segurança dos medicamentos que consomem. A relatora congratula-se, por isso, com a proposta da Comissão que tem por objectivo lutar contra os medicamentos falsificados, dado tratar-se de uma medida necessária para fazer face a esta ameaça crescente para a saúde e melhor garantir a segurança dos doentes.

O problema

A avaliação de impacto realizada pela Comissão (SEC(2008)2674) refere, entre outros aspectos, as seguintes constatações, particularmente alarmantes:
- Acentuado aumento das apreensões de medicamentos falsificados pelos serviços aduaneiros (2,7 milhões de medicamentos apreendidos nas fronteiras da UE em 2006 e 2,5 milhões em 2007, ou seja, um aumento de 384% relativamente a 2005);

- Tendência para uma evolução da falsificação dos chamados medicamentos "lifestyle" para a falsificação de medicamentos que salvam vidas, como os medicamentos destinados ao tratamento do cancro e de doenças cardíacas, perturbações psiquiátricas e infecções. A utilização destes medicamentos falsificados pode ter consequências fatais.

- Tendência para chegar à cadeia de abastecimento clássica. Para além da Internet, a cadeia de distribuição autorizada é cada vez mais atingida. Dos treze Estados­Membros que dispunham de dados, sete relataram casos de presença de medicamentos contrafeitos na cadeia de abastecimento legal.

Convém sublinhar que, de acordo com o grupo de peritos da OMS, em grande número de países de África e em certas regiões da Ásia e da América Latina, mais de 30% dos medicamentos à venda podem ser falsificados. As estratégias para impedir a introdução de medicamentos falsificados no mercado europeu deveriam ter igualmente um impacto positivo noutras regiões do mundo onde o problema é ainda mais grave.

Os doentes têm de ter a certeza absoluta de que os medicamentos que consomem são realmente os querem consumir. A utilização de medicamentos falsificados pode conduzir ao fracasso terapêutico e colocar vidas em perigo. A relatora considera, por conseguinte, que a protecção da saúde pública contra os medicamentos falsificados deve ser o principal objectivo da directiva. Este objectivo não deve ser comprometido por outros objectivos secundários.

A directiva não deve abordar os direitos de propriedade intelectual nem os direitos de patente, que já são objecto de outros instrumentos legislativos específicos.


Base jurídica dupla

A relatora prefere uma base jurídica dupla para esta directiva. A falsificação de medicamentos é um crime que priva os doentes do tratamento médico de que necessitam e prejudica a sua saúde, podendo mesmo provocar a morte. Por esta razão, o principal objectivo da directiva deve ser a protecção da saúde pública. Este objectivo deve ser reflectido na base jurídica da directiva. Tal está em consonância com o projecto de convenção do Conselho da Europa que coloca a ênfase na saúde pública.

Definições e responsabilidades

Para melhor salvaguardar a rede de distribuição de medicamentos, é crucial dispor de definições claras, não apenas relativamente ao âmbito de aplicação da directiva, mas também aos diferentes intervenientes na cadeia de abastecimento. O que é um medicamento falsificado? O que é uma substância activa ou um excipiente? A proposta da Comissão não proporciona a clareza necessária. O mesmo é válido para as definições dos diferentes intervenientes na cadeia de abastecimento, sendo necessário clarificar as suas funções e responsabilidades. É absolutamente necessário estabelecer uma distinção entre os intervenientes já oficialmente reconhecidos - e que são considerados responsáveis - e os que não pertencem a esta categoria, embora sejam importantes para a responsabilidade da cadeia de distribuição. É, por conseguinte, importante estabelecer uma distinção entre comerciantes e corretores, bem como clarificar as suas funções e responsabilidades. O mesmo é válido para outros intervenientes, como transportadores ou comerciantes paralelos. A directiva deve impedir que se gerem confusões e não deixar margem para o surgimento de zonas "cinzentas". Deve indicar com clareza os intervenientes que podem exercer uma actividade neste domínio e as condições em que o podem fazer. Definições mais claras facilitarão a aplicação da directiva.

Sanções

A falsificação de medicamentos não é um delito menor. Trata-se de uma actividade criminosa organizada que coloca em perigo vidas humanas. As sanções por falsificação devem reflectir este facto e ser equivalentes às normalmente aplicadas por actos ilícitos associados a narcóticos. É crucial reforçar as disposições relativas a sanções contidas na proposta da Comissão.

Dispositivos de segurança

Os Estados­Membros distinguem entre medicamentos sujeitos a receita médica e medicamentos não sujeitos a receita médica, dado que os primeiros comportam maiores riscos para os doentes, tanto no caso de serem falsificados, como no caso de serem tomados indevidamente. Por esta razão, os dispositivos de segurança devem ser obrigatórios para os medicamentos sujeitos a receita médica. Contudo, é necessário reconhecer que os medicamentos só são falsificados se existirem razões económicas para o fazer. Os baixos custos dos medicamentos genéricos tornam menos lucrativa a sua falsificação. A relatora considera, por isso, que, para certos medicamentos genéricos ou categorias de produtos, se pode renunciar aos critérios de desempenho aplicáveis aos dispositivos de segurança, se as conclusões de uma avaliação dos riscos apontarem nesse sentido. A relatora propõe ainda que, num prazo de cinco anos a contar da data de entrada em vigor da directiva em apreciação, se avalie se os dispositivos de segurança devem tornar-se igualmente obrigatórios para os medicamentos vendidos sem receita médica.

Excipientes

Ao tomarem medicamentos, os doentes consomem não apenas substâncias activas, mas também excipientes. As consequências da utilização de excipientes falsificados são bem conhecidas. Entre os casos de consequências graves inclui-se a morte de 89 pessoas em 1995 e de, pelo menos, 59 crianças em 1996, no Haiti, ou a morte de 30 crianças na Índia, em 1998. A relatora inclui, por isso, os excipientes no projecto de relatório. É necessário verificar a qualidade e a autenticidade dos medicamentos.

Vendas pela Internet

A proposta da Comissão não faz referência às vendas pela Internet, considerando-as parte da cadeia de abastecimento ilegal. Tal não tem em conta o facto de as vendas pela Internet estarem legalizadas nalguns Estados­Membros. É sabido que a Internet é um dos principais canais de entrada de medicamentos falsificados no mercado europeu. A relatora optou por incluir no projecto de relatório disposições que permitem fazer face a este importante problema. A primeira prioridade consiste em sensibilizar o público para os riscos associados à aquisição de medicamentos na Internet. É necessário criar programas de informação para sensibilizar os consumidores para a existência de produtos falsificados e o risco de adquirirem medicamentos em canais não autorizados. A segunda prioridade consiste em assegurar que os doentes reconheçam os sítios Internet que respeitam a legislação em vigor. O público teria dificuldade em compreender uma directiva que visa lutar contra a falsificação de medicamentos, mas que não faz referência à Internet, o mais importante canal de entrada de medicamentos falsificados. Encontrar uma solução para este problema é um dos principais objectivos do projecto de relatório.

Informações e relatórios

A criação de uma rede entre a Comissão, a Agência Europeia dos Medicamentos e as autoridades competentes dos Estados­Membros permitiria dispor de mais informação sobre o fenómeno e compreendê lo melhor, a fim de o combater de forma mais eficaz. A Comissão, a Agência Europeia dos Medicamentos e as autoridades competentes dos Estados­Membros informarão anualmente esta rede sobre as acções que empreenderam.

Cooperação internacional

É necessária coordenação entre os diversos organismos nacionais e internacionais envolvidos na luta contra os medicamentos falsificados. É importante melhorar a cooperação internacional e desenvolver mecanismos multilaterais que permitam aos países importadores lançar investigações e identificar a verdadeira origem dos medicamentos contrafeitos que entram nos seus mercados.

Inspecções das importações

A directiva em apreciação centra-se no controlo da qualidade das importações de medicamentos, dado que são uma das principais portas de entrada de medicamentos falsificados no mercado europeu. Por esta razão, a relatora considera fundamental criar um sistema de inspecções que se baseie principalmente nas boas práticas de fabrico já definidas em acordos internacionais. A cooperação internacional já existente e a experiência dos Estados­Membros são elementos essenciais para o desenvolvimento de um sistema de detecção de falsificações mais sólido e eficaz.


Exportações

A proposta da Comissão não faz referência ao controlo e à distribuição de medicamentos falsificados destinados a países terceiros. É difícil explicar a razão pela qual a UE aplica disposições rigorosas aos medicamentos que entram no mercado europeu para poder encontrar os responsáveis no caso de os medicamentos serem falsificados, mas não prevê quaisquer disposições para os medicamentos exportados para países terceiros em África, na América do Sul ou na Ásia. Este facto reduz significativamente as possibilidades de a Europa insistir numa cooperação internacional reforçada. O fabrico e a distribuição de medicamentos da UE destinados a países terceiros devem obedecer aos critérios aplicados à importação. Tal reforçaria o nosso contributo para a luta contra a falsificação criminosa de medicamentos em diversos países terceiros, nos quais, de acordo com a OMS, o problema é bastante grave.

Observações finais

Na directiva em apreciação estão em jogo vários interesses, muitas vezes contraditórios. Para alguns intervenientes, a solução implica a redução de intermediários; outros prefeririam a manutenção dos procedimentos já existentes, sem participação na partilha de responsabilidades ou custos. Alguns defendem que esta directiva deve centrar-se nos riscos dos produtos; outros advogam que se deve centrar nos riscos da cadeia. A relatora está convicta de que a directiva deve ter em conta os diferentes interesses, mas privilegiar o nosso interesse comum - a segurança dos doentes. É este o princípio subjacente às alterações apresentadas no projecto de relatório. 

Não há austeridade para a NATO




[ Imagens do projecto da nova sede da NATO em Bruxelas ]

Publicado em: O Gaiense, 12 de Fevereiro de 2011

Quando chegamos ao aeroporto de Bruxelas e apanhamos o autocarro para o centro da cidade, a primeira paragem é junto à sede da NATO, que nos aparece do lado esquerdo. Mas, se olharmos para a direita, o que vemos é um enorme terreno onde começam as obras de construção da nova sede da Aliança. Esta semana, num encontro do secretário-geral Anders Fogh Rasmussen com a imprensa, foi informado que o custo da obra está estimado em mil milhões de euros.
É um valor significativo para tempos de crise. E para uma organização que se queixa da redução dos orçamentos de defesa na Europa. Rasmussen lembrou que os acontecimentos no Egipto mostraram que não podemos dar a estabilidade por garantida e deixou “um sério aviso” contra os cortes europeus: há dez anos, os norte-americanos pagavam menos de metade dos custos; hoje, a sua comparticipação atinge os 75% e continua a crescer. A NATO é, assim, cada vez mais um assunto dos Estados Unidos.
Os europeus bem podiam aproveitar o pretexto da crise para deixar este amigo da estabilidade a brincar às sedes e às guerras com os seus financiadores transatlânticos e começar de vez a usar os seus recursos de uma forma mais inteligente e mais útil para todos.

A good idea from Mubarak

O lado negro do milagre industrial alemão

Publicado em: O Gaiense, 5 de Fevereiro de 2011

Os tribunais portugueses decidiram acusar os alemães da Man Ferrostaal, empresa do consórcio dos submarinos. Na Alemanha, o presidente foi exonerado e um administrador preso por corrupção na venda de submarinos à Grécia. O Ministério Público de Munique detectou o pagamento de “luvas” e aplicou uma coima de 240 milhões. A Siemens, onde entre 2000 e 2006 foram detectados 1300 milhões de euros de “luvas” pagas, e com vários executivos condenados, pagou quase mil milhões a tribunais norte-americanos para encerrar processos e outro tanto na Alemanha. A MAN foi obrigada a pagar uma coima de 150 milhões. Entre muitos outros casos.
De facto, para haver corruptos que recebem, tem que haver corruptos que paguem. E nisso têm-se destacado as grandes empresas europeias, particularmente alemãs e francesas. O problema é que a corrupção tem sido encarada como um custo aceitável, um factor de competitividade muitas vezes decisivo na luta pelos grandes contratos mundiais e, portanto, não era condenada no mundo dos negócios dos países desenvolvidos. Corruptos eram apenas os que recebiam… Felizmente, agora começam a sentar-se todos juntos no banco dos réus.

Depois da Tunísia, o Egipto






[ Manif de egípcios em Bruxelas de apoio à revolução ]

Publicado em: O Gaiense, 29 de Janeiro de 2011
A revolta popular na Tunísia continua a inspirar os povos da região, igualmente submetidos a regimes opressivos e corruptos. No Egipto, um país que vive num “estado de emergência” contínuo há três décadas, onde a prisão e tortura de opositores é prática corrente, o povo contesta na rua o regime do Partido Nacional Democrático do presidente Hosni Mubarak.
Estes movimentos populares estão a gerar uma enorme incomodidade nos meios políticos do ocidente, nomeadamente na UE, onde aqueles regimes têm sido tratados como bons parceiros. O Acordo de Associação UE-Egipto afirma-se “baseado no respeito pelos princípios democráticos e nos direitos humanos fundamentais expressos na Declaração Universal”. Algo difícil de engolir por quem hoje está na rua em luta precisamente por esses valores e é fortemente reprimido pelo governo.
No campo partidário não estamos melhor: tanto o ditador tunisino Ben Ali e o seu partido RCD, como o egípcio Mubarak e o seu PND são, há muito, membros da Internacional Socialista. O partido de Ben Ali foi expulso da IS só depois de este ter sido expulso do país. O partido de Mubarak mantém a sua qualidade de membro daquela organização, em cujo site não se consegue encontrar uma palavra de solidariedade com o povo em luta. Que valores definem afinal a realpolitik internacional?

Nota: Já depois de escrito e publicado este artigo, a Internacional Socialista, em carta datada de 31 de Janeiro, assinada pelo Secretário Geral Luis Ayala, informa o partido de Mubarak PND que, a partir desse dia, cessa a sua qualidade de membro da IS.

O controlo dos jornalistas na Hungria



Publicado em: O Gaiense, 22 de Fevereiro de 2011

O primeiro-ministro Viktor Orbán esteve no Parlamento Europeu a apresentar a presidência húngara do Conselho da UE. A discussão, contra a sua vontade, centrou-se na crítica à nova lei dos meios de comunicação.
A lei obriga os meios de comunicação a não violar a moral pública e a respeitar a dignidade humana e valorizar a família e as comunidades religiosas, o que tem sido motivo de grande galhofa, já que a senhora Annamária Szalai, nova chefe da Autoridade Nacional para os Media, foi há anos a editora de uma revista porno.



Os jornalistas e os meios serão punidos se a cobertura dos eventos não for considerada objectiva e equilibrada. Como se fosse possível - disse um eurodeputado - Nixon considerar a denúncia do Watergate objectiva, ou Bush entender que a informação sobre Abou Ghraïb era equilibrada, ou Berlusconi achar que os relatos sobre a sua vida respeitam a sua dignidade.
Se os jornalistas tencionam controlar o poder, então o poder tratará de os controlar a eles. É a Hungria de 2011.