Rating: o termo oculto da equação


Publicado em: O Gaiense

Sugiro aos leitores um pequeno exercício de reflexão a dois tempos. Primeira questão: o que é pagar? Há muitas coisas que podemos fazer sozinhos, mas pagar não é uma delas. Pagar é uma relação entre quem paga e quem recebe, um fluxo (financeiro normalmente) entre os dois pólos da relação. Assim, dizer que A pagou a B é o mesmo que dizer que B recebeu de A. Acontece que na agitada cena financeira actual, fala-se diariamente que a Grécia ou Portugal e agora também a Espanha (o lado A da relação) vão pagar mais pelo seu crédito, mas nunca se diz que B vai receber mais daqueles países. Se vão pagar mais é porque alguém vai receber mais, porém o lado B nunca é claramente mencionado.

Segunda questão: as agências de rating, ou de notação financeira, quando dão as suas notas, interferem naquela relação entre A e B. No caso presente, baixando a notação destes países, o resultado directo é que B vai receber um valor superior.

As agências de rating são empresas privadas normais, têm os seus custos, pretendem obter lucros e para isso têm de vender qualquer coisa. Vendem o quê? A única coisa que produzem: o rating. Para venderem é preciso haver quem compre. Neste caso, quem comprou foi quem tem o capital que empresta aos países, o lado B da nossa equação.

Quando a nota atribuída a um país é alterada para baixo, esse país vai pagar mais, que é o mesmo que dizer que os detentores do capital emprestado vão receber mais, que é o mesmo que dizer que os clientes das agências de rating que encomendaram o parecer vão receber mais.

Acontece que, por vezes, é o lado A da equação a encomendar o rating. Por exemplo quando uma empresa ou instituição financeira pretende atrair capital e, com um bom rating, assegurar os potenciais investidores. É interessante lembrar que estas mesmas agências de rating que agora atacam Portugal, a Grécia e Espanha tinham atribuído classificações muito positivas a alguns dos colossos envolvidos nas fraudes financeiras que levaram à crise actual, algumas vezes pouco tempo antes de estes se encontrarem em situação de falência, levando os investidores (o lado B) a perder somas fabulosas. Mas, nestes casos, tinha sido o lado A a pagar os estudos...

Medicamentos falsificados - fake medicines - médicaments de contrefaçon


Brussels 27 April 2010




Patient safety the basis for new measures to tackle potentially lethal fake medicines

Following the vote on her report on Falsified Medicines in today's European Parliament Environment and Public Health Committee meeting, Portuguese GUE/NGL MEP Marisa Matias said "an important step has been taken by MEPs towards protecting patient safety and preventing potentially lethal falsified medicines being sold in Europe."
"In today's vote we were able to propose the extension of the legal basis of a directive initially only focused on the internal market but now focused on public health. There has been a dangerous increase in falsified medicines on the market in recent years with some products infiltrating legal supply chains and posing a serious threat to patients. Falsification is a crime and must therefore carry serious penalties. On several counts, the original Commission proposal was simply not up to the mark" she said.
The Matias report improves safety-features and requirements on products and introduces provisions to deal with the selling of falsified medicines through the internet, a key market not covered by the original Commission proposal.
"Without our amendments, the internet would have operated as the 'Trojan horse' for fake medicines. We can not leave the largest gateway for counterfeit drugs in Europe out of this legislation. We must clearly distinguish between legal and illegal online pharmacies, guiding consumers to the former with a new EU logo for approved sites and the listing of licensed online pharmacies. Finally, public awareness campaigns and information about the risks of buying from unaccredited pharmacies must be enhanced."
The Matias report, unlike the Commission proposal, addresses the control and distribution of falsified medicines to third countries. "It is difficult to explain why we have stringent provisions for medicines that enter the European market but no provisions for medicines which are exported to third countries in Africa, South America or Asia".
"After nine months of debate and dialogue, Parliament is now in a strong position to negotiate with Council on the dimensions of the legislation still open for discussion", the rapporteur concluded.

The report was adopted in ENVI: 51 votes in favour, 0 against, 3 abstentions.
Vote in plenary: July 2010

..............................................................................
La sécurité des patients sera le point de départ de nouvelles mesures visant à lutter contre les médicaments de contrefaçon

Après le vote d'aujourd'hui sur son rapport relatif aux médicaments falsifiés à la réunion de la commission de l'environnement et de santé publique au Parlement européen, la députée portugaise du GUE/NGL Marisa Matias a dit qu'une "étape importante venait d'être franchie par les députés afin de protéger la santé des patients et d'empêcher les médicaments falsifiés potentiellement mortels d'être commercialisés en Europe".
«Ce vote d'aujourd'hui nous permet d'étendre la base légale d'une directive qui visait au départ uniquement le marché intérieur et qui maintenant s'occupe également de santé publique. Ces dernières années, on a assisté à une augmentation dangereuse de médicaments de contrefaçon avec l'infiltration légale de certains produits dans les chaînes d'approvisionnement et présentant une menace sérieuse pour les patients. Sur certains aspects, la proposition initiale de la Commission n'était tout simplement pas satisfaisante», a déclaré la députée.
Le rapport Matias améliore les conditions liées à la sécurité et les exigences en matière de produits et introduit des dispositions pour faire face à la vente de médicaments falsifiés, via internet, un marché clé non couvert par la proposition initiale de la Commission.
"Sans nos amendements, Internet se serait transformé en un cheval de Troie en ce qui concerne les médicaments de contrefaçon. Nous ne pouvons pas laisser la porte d'entrée la plus importante en Europe pour la contrefaçon de médicaments en dehors de cette législation. Nous devons distinguer clairement entre les pharmacies en ligne légales et illégales, guider les utilisateurs de pharmacies en ligne légales avec un nouveau logo de l'UE pour les sites approuvés et la liste des pharmacies en ligne sous licence. Enfin, les campagnes de sensibilisation et d'information du public sur les risques d'achat auprès de pharmacies sans accréditation doivent être améliorées.»
Le rapport Matias, contrairement à la proposition de la Commission, aborde le contrôle et la distribution de médicaments falsifiés vers les pays tiers. «Il est difficile d'expliquer pourquoi nous avons des dispositions strictes pour les médicaments qui entrent sur le marché européen mais pas de dispositions pour les médicaments qui sont exportés vers des pays tiers, en Afrique, en Asie, ou en Amérique du Sud».
"Après neuf mois de débat et de dialogue, le Parlement est maintenant en position de force pour négocier avec le Conseil sur les dimensions de la législation qui sont encore ouvertes à la discussion", conclut Marisa Matias.

Le rapport a été adopté en commission ENVI: 51 votes pour, 0 contre et 3 abstentions.
Vote en plénière: juillet 2010

GUE/NGL PRESS:
Gianfranco Battistini + 32 475 64 66 28
Sonja Giese + 32 486 94 50 21
David Lundy + 32 485 50 58 12
http://www.guengl.eu/
Gauche Unitaire Européenne / Gauche Verte Nordique
European United Left / Nordic Green Left

Sucata de identidades



Publicado em: O Gaiense, 24 de Abril de 2010
O uso de aparelhos ou artefactos onde registamos dados, sejam eles computadores, CD, DVD, telemóveis ou outros, tem registado uma expansão muito significativa. Se combinarmos esta expansão do uso com a progressiva redução do tempo de vida útil desses objectos, obtemos uma medida do crescimento do volume de lixo e sucata electrónica produzida pelos nossos novos hábitos tecnológicos.
Para além dos problemas ambientais no tratamento desse lixo, há um outro problema que começa a preocupar seriamente as autoridades e os consumidores europeus: muitos destes objectos são, mesmo no lixo, portadores de inúmera informação sobre os seus anteriores proprietários e sobre terceiros com que se relacionaram. E acontece que essa informação pode ser a real motivação para um eventual comprador ou recolector da sucata.
Apesar do nosso crescente cuidado ambiental com a deposição de computadores, discos ou telemóveis velhos, não temos muitas vezes a mesma preocupação com o apagamento completo dos dados neles armazenados. Ou não temos sequer capacidade técnica para o fazer, seja porque estão avariados, seja porque não é um simples comando de "apagar" que pode resolver eficazmente o problema.
Os dados remanescentes nas memórias podem vir a ser utilizados para actividades de fraude directa ou mesmo de roubo de identidade para iniciar processos fraudulentos mais complexos. É como se houvesse, no ecoponto, um contentor especializado só para documentos de identificação e cartões bancários caducados, extractos de operações e contas bancárias já conferidos e outros documentos sobre a nossa vida pessoal. Se algum sucateiro ou profissional de reciclagem quisesse comprar esse lixo a peso, pelo valor do plástico ou do papel, seria seguro vendê-lo? Acontece que a sucata informática possui informações igualmente preciosas e recuperáveis. A protecção desses dados do "lixo" tem de ser uma preocupação maior naquele ciclo de vida do material informático e de comunicação que começa após a rejeição pelo utilizador. Em primeiro lugar, por parte do próprio utilizador, o primeiro e principal interessado em que os seus dados pessoais ou empresariais não vão parar a mãos menos próprias.

A nova estratégia da UE para 2010-2020



Publicado em: O Gaiense, 17 de Abril de 2010

Em Março de 2000, era Guterres primeiro-ministro e exercia a presidência rotativa do Conselho Europeu, foi aprovada em Lisboa a estratégia da União para a primeira década do século XXI – a chamada “Estratégia de Lisboa”. O prazo chegou agora ao fim e todos são unânimes em considerar que os objectivos não foram alcançados. A estratégia, apesar de aprovada por todos os governos, nunca foi consensual na sociedade, tendo originado um vasto leque de críticas. Vivia-se a época do neoliberalismo triunfante, a UE mantinha ilusões de que, baseando a sua estratégia no paradigma da competitividade, iria liderar o mundo em 2010. Porém, 2010 chegou com toda a sua crua realidade: a UE não é o “espaço económico mais dinâmico e competitivo do mundo”, não temos “mais e melhores empregos”, nem “maior coesão social”, como previsto em Lisboa. A afirmação de que “esta estratégia visa permitir à União reconquistar as condições do pleno emprego” soa-nos hoje quase a humor negro.
Depois dessa fase de ilusões, o neoliberalismo, como ideologia, sofreu um enorme revés com a crise e verificou-se que alguns países que não seguiram à letra as suas receitas e dogmas resistiram melhor às dificuldades e ganharam espaço de maior destaque na cena internacional.
A Europa estaria disposta a tirar algumas lições de tudo isto? Este seria o momento, já que 2010 é ano de aprovar nova estratégia, a que se chama, para já, “Estratégia Europa 2020”. Foi proposta pela Comissão Europeia e começou a ser discutida na reunião do Conselho realizada precisamente no mesmo mês de Março, dez anos depois de Lisboa. Vai ser formalmente aprovada no Conselho Europeu de Junho.
Para já, o que o Conselho fez foi dar um apoio genérico ao documento da Comissão, mas não se comprometendo com as metas concretas aí apontadas. A proposta da Comissão é polémica, discutível, francamente criticável na sua aposta em velhas receitas que já comprovaram a sua habilidade para produzir maus resultados. Mas, com a contribuição do Conselho, vamos provavelmente ficar com um documento frouxo, dissimulado e impreciso. Talvez um verdadeiro retrato da falta de liderança e de projecto que caracteriza a actual UE. De qualquer modo, não fará grande diferença. A experiência já mostrou que não é para cumprir.

Uma caricatura de democracia

Nas fotos: House of Lords

Publicado em: O Gaiense, 10 de Abril de 2010

Começou a campanha no Reino Unido (RU). O processo eleitoral foi desencadeado pelo pedido do primeiro-ministro à Rainha para que dissolvesse o parlamento e convocasse eleições, um processo normal no RU, onde o fim da legislatura não é determinado por lei, como em Portugal e na generalidade das democracias, ficando à discricionariedade do primeiro-ministro, com um limite máximo de cinco anos. Sendo o primeiro-ministro frequentemente candidato (como é agora o caso), a decisão é tomada de acordo com o estado de preparação dos vários partidos e com a leitura das sondagens, de forma a coincidir com o melhor momento para o partido do governo. Gordon Brown propôs-se agora acabar com esta situação e, entre as várias reformas constitucionais que propõe ao eleitorado, incluiu a fixação prévia da duração do mandato do parlamento.

Outra das reformas prende-se com a Câmara dos Lordes, que todos os partidos aparentemente concordam que, sendo uma câmara parlamentar, com poderes efectivos, deve ser eleita, embora nenhum partido tenha avançado com uma lei para o garantir. Hoje, não há eleições para os membros da Câmara dos Lordes. 92 de entre eles exercem o mandato porque o herdaram dos seus progenitores, como um património de família. Outros são nomeados pelas mais diversas razões. Há ainda os bispos e arcebispos.

Está também proposta a proibição de os deputados trabalharem para e receberem remunerações dos lóbis que actuam no parlamento em defesa de interesses privados. Uma outra reforma seria a introdução de alguma proporcionalidade entre o voto expresso pelos eleitores e a composição do parlamento, algo que o sistema actual não proporciona.

Quando um português se confronta com a realidade política do Reino Unido, dificilmente consegue compreender como é que no século XXI, na Europa, ainda subsiste esta arcaica e aberrante caricatura de democracia, "um velho e desacreditado sistema político", como lhe chamou Gordon Brown. Só que o Labour, nas eleições de 1997, prometeu acabar com estas aberrações e, após 13 anos no poder, tudo continua na mesma.

Uma chaga aberta no meio do mar


Publicado em: O Gaiense, 3 de Abril de 2010
Há um pequeno povo que veio a Bruxelas pedir apoio para que lhe seja reconhecido um dos mais elementares direitos: voltar a casa. São os habitantes do arquipélago dos Chagos, um conjunto de ilhas paradisíacas no meio do Oceano Índico, hoje sob domínio inglês.
No fim dos anos 60, o governo inglês procedeu a uma deportação forçada de todos os habitantes, a fim de ceder a maior ilha do arquipélago, Diego Garcia, aos EUA para instalarem uma das suas mais importantes bases militares.
Todos os habitantes foram metidos em navios de carga e levados para o exílio muito longe da sua terra, para as ilhas Seychelles e Maurícias, onde hoje vivem em condições de miséria. Os deportados nunca desistiram do seu direito de serem indemnizados e de poderem voltar às suas casas, hoje apenas ruínas semi-cobertas pela vegetação. Iniciaram um longo caso jurídico. Em 2000, o English High Court considerou a deportação ilegal. Ganharam o caso, mas viram de novo o seu direito negado pelo governo e pela rainha. Apelaram para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Lembram que são cidadãos da UE de pleno direito. E que, no artº 7º do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, a “deportação ou transferência forçada de populações” é classificada como “crime contra a humanidade”. O problema é que, do outro lado do caso, está um poderoso Estado-membro e todo o peso estratégico-militar da sua desgraçada ilha.
O que temos nós a ver com este povo de Chagos, alguns originários de Moçambique? Temos a ver, pelo menos, com o nome. Vasco da Gama, na viagem para a Índia, terá sido o primeiro navegador europeu a avistar este conjunto de ilhas desertas a que, mais tarde, Pedro de Mascarenhas chamou as “Cinco Chagas”, em lembrança dos cinco besantes de prata que, no fundo azul dos escudetes, aparecem nas armas nacionais em homenagem às chagas de Cristo. Em 1532, Diego Garcia descobriu a maior ilha, a que deu o nome. Mais tarde, os ingleses e franceses transformaram “Cinco Chagas” em “Chagos”. 
Atendendo ao triste destino deste povo, nós, que conhecemos a origem bem portuguesa do seu nome (talvez um lúgubre prenúncio), não podemos deixar, nestes dias de Páscoa, de partilhar emocionados a sua longa paixão. De forma activa e solidária.

Não deixe de ver o filme de John Pilger, Stealing a Nation em:
http://www.youtube.com/watch?v=97aY-UMCNNs