Se não nos roubam o telemóvel, roubam-nos pelo telemóvel

Publicado em: O Gaiense, 27 de Setembro de 2008

Poucas semanas depois da entrada em vigor da nova regulamentação europeia que obrigou à baixa dos preços das chamadas de telemóvel feitas em roaming (de um país da UE para outro), a Comissão Europeia veio propor na semana passada uma nova regulamentação, desta vez para limitar o preço das mensagens (sms, mms) e da transferência de dados.

É proposta a introdução de uma tarifa de euro-sms em que o roaming para recepção de mensagens passe a ser grátis e o envio de um país para outro não possa custar mais de 11 cêntimos mais IVA, muito abaixo do que hoje cobram algumas operadoras.

Constatou a Comissão que, mesmo depois dos últimos avisos, a livre concorrência entre as operadoras não levou a uma baixa nos preços, como seria de prever, seguindo a cartilha clássica das leis da economia liberal. Verificou-se que, pelo contrário, as operadoras móveis têm extorquido muitos milhões aos seus clientes sem qualquer justificação face aos custos reais da operação. Como o mercado livre não funciona, os poderes públicos têm de intervir para o regular.

Apesar de a nova regulamentação ser uma boa notícia para os consumidores, na sua luta desigual com os gigantes das telecomunicações móveis (um dos grandes negócios do nosso tempo), muitos têm criticado o facto de a Comissão, na posse de todas as informações que confirmam os abusos das operadoras, não ter promovido a sua condenação formal por infracção às normas da concorrência. É que essa condenação seria uma base jurídica sólida para os consumidores poderem exigir a devolução das verbas de que foram espoliados. Mas isso já seria ir longe de mais para esta Comissão.

FSE - Apelo saído dos seminários de sindicalistas contra os acórdãos do Tribunal de Justiça

(Apenas em inglês)

Joint statement from the three Trade Union seminars on the ECJ judgments on Laval, Viking, Rüffert and Luxemburg cases at the ESF in Malmö 21 September 2008.

Urgent Call for Mobilizations to Strengthen Workers Rights in Europe

With the judgments in the Laval, Viking, Rüffert and Luxemburg cases the European Court of Justice has struck an unprecedented blow to workers rights in Europe. The message from the judges of the Court is, that rights that have been obtained through long and often costly struggles in the EU member states, should be curtailed to comply with the so called “economic freedoms”. This is unacceptable.

Though the judgments deal with circumstances in four particular member states, they represent an attack not only on workers rights in the countries concerned, but on the whole trade union movement in Europe. We therefore urge trade unions and social movements in all of Europe to immediately launch a struggle to annul all effects of the judgments detrimental to trade unions.

Though some steps can be taken nationally and locally to avoid some potential damages from the judgments, a real long term solution can only be achieved at the European level by changing European law, and by securing workers rights from being subordinated to the economic freedoms so central in the EU treaty.

To this end, a decisive and urgent step is to call for specific changes in the Posting of Workers Directive to restore the directive to its status of a minimum harmonization directive allowing for a higher protection of workers, and a directive that in all respects would ensure equal pay for equal work.

In addition to this, we strongly support the proposal from the ETUC for a legally binding “social progress clause” to be added to the EU treaty. A clause which would subordinate the economic freedoms to social rights and workers’ rights.

As for these demands, the current crisis of the Lisbon Treaty after the Irish No, represents an opportunity. Since the future fundamental rules guiding the European Union are still to be decided on, trade unions and social movements must put workers rights in the centre of debate. This will only happen if major mobilization takes place. Four proposals stand out at the moment:

- We support the Swedish trade unions’ demand of a stop of the ratification of the Lisbon Treaty in the Swedish Parliament until this matter is fully resolved, and we urge them to mobilize for a demonstration before the debate in Parliament. We urge trade unions in other European countries to support such an effort.
- We call on trade unions and social movements to join the demonstrations for decent work, organized by the international trade union movement on the 7th of October, and to ensure that the judgments of the court and the attack on workers rights they represent, is manifestly present in the demonstrations.
- We call on all trade unions affiliated to the ETUC, to urge the ETUC to call for a demonstration in Brussels on the occasion of the meeting of the European Council in December.
- We urge the European industrial trade union confederations to take a lead in the co-ordination of this struggle in Europe, including the use of the ratification process of the Lisbon Treaty as leverage for a social progressive clause.


Agreed upon by representatives of European, National and Local Trade Unions and Social Movements.

Manif FSE em Malmö (Suécia)




Malmö - Quinto Fórum Social Europeu



Publicado em: O Gaiense, 20 de Setembro de 2008

Depois de Florença, Paris, Londres e Atenas, o Fórum Social Europeu (FSE) rumou à Escandinávia. Esta semana, viajaram para Malmö, na Suécia, cerca de vinte mil activistas de movimentos sociais e das mais diversas organizações da sociedade civil, para a quinta edição do FSE, o maior encontro europeu de reflexão e troca de experiências das instituições que trabalham pela transformação da nossa sociedade, sob o lema comum "Outra Europa é possível".

A diversidade de temas e de participantes é a nota dominante de um vasto programa de mais de 200 seminários e workshops que ocupam os cinco dias deste fim-de-semana alargado de trabalho.

A viagem para o Norte está a causar nos activistas alterglobais um saudável encontro de culturas, por vezes mesmo um choque, já que a organização, disciplina e cumprimento de horários, típicos dos suecos, nem sempre tinham sido a tónica dominante neste tipo de eventos. Contraste que combina bem com o calor do Sul, que também é preciso para derreter um pouco o gelo daquelas paragens.

Este ano, as questões sociais e do direito do trabalho estão a ter uma particular relevância, talvez por causa da crise económica, talvez também devido ao trauma causado nos países nórdicos pelos recentes acórdãos do Tribunal de Justiça europeu, que puseram em causa os hábitos de negociação colectiva e de concertação social que tinham enquadrado as suas relações laborais ao longo das últimas décadas. E que fizeram daqueles países os mais produtivos, mais ricos e menos desiguais do mundo, e simultaneamente os que têm maiores taxas de sindicalização e maior poder dos sindicatos.




Começou o Fórum Social Europeu

Malmö, 18 de Setembro de 2008







Começou o Fórum Social Europeu. Depois de Florença, Paris, Londres e Atenas, o FSE rumou a Norte, para a Suécia. À bonita e pacata cidade de Malmö têm chegado, de toda a Europa, activistas dos movimentos sociais, políticos, religiosos, sindicalistas. A organização espera cerca de 20 000.



Os debates já começaram, em salas grandes e pequenas, com audiência interessada e muito participativa, que ninguém está cá só para assistir.





Mas, para além dos mais de 200 debates programados, o Fórum é uma oportunidade única de encontros e conversas informais de pessoas que, sem estes eventos regulares, dificilmente se cruzariam. E assim se vai tecendo uma rede de ligações que se torna mais forte e mais familiar de evento para evento, sendo depois utilizada como facilitadora de outros debates e acções conjuntas.

A imagem mais marcante, nestes primeiros dias, foi talvez o conjunto de esculturas do dinamarquês Jens Galschiot, intitulado "Em nome de Deus - em memória das vítimas do fundamentalismo", representando jovens mulheres grávidas crucificadas.







É parte de um projecto que já teve outros momentos e outros lugares. Surpreendentemente (para mentalidade portuguesa) a primeira escultura foi exposta a 1 de Dezembro de 2006, dia internacional de luta contra a sida, em colaboração com a Catedral de Copenhaga, que pretendeu sublinhar que "a Bíblia não deve ser utilizada para pregar contra a contracepção". Depois esteve em Nairobi, no Fórum Social Mundial de 2007 e a seguir na Nicarágua. Este escultor já tinha apresentado, no anterior FSE de Atenas e na contra-cimeira do G8 em Rostock, um conjunto rolante de esculturas que acompanhava as manifestações, representando africanos esqueléticos, alguns carregando aos ombros anafadíssimas criaturas.

A “lei Volkswagen” na mira da Comissão Europeia e do Tribunal

Publicado em: Esquerda.net, 15 de Setembro de 2008

A Comissão Europeia vai procurar obter em tribunal uma nova alteração à chamada lei Volkswagen (VW), nomeadamente da cláusula que obriga a que decisões de fundo sejam tomadas com mais de 80% dos votos.

Esta lei, aprovada há quase 50 anos, quando a VW foi privatizada, visava proteger uma empresa considerada estratégica para a Alemanha. Tinha agora acabado de ser alterada em vários pontos, na sequência de uma queixa da Comissão e sequente decisão do Tribunal de Justiça que a considerou violadora do princípio da livre circulação de capitais. No entanto, nas alterações efectuadas, os alemães recusaram-se a incluir a cláusula dos 80%.

Esta cláusula é objecto de especial disputa porque o Estado da Baixa Saxónia (a que pertence a cidade de Wolfsburg, onde se situa a fábrica-sede da empresa) é detentor de 20% do capital, o que lhe permite bloquear qualquer decisão de fecho ou deslocalização daquela fábrica ou eventualmente de outras fábricas da VW que existem no Estado, o que poderia acontecer sobretudo em caso de um take-over. A Porsche é já hoje o maior accionista da VW com 31% e várias empresas europeias do sector automóvel têm sido adquiridas por congéneres asiáticas.

Uma crise na VW, o maior fabricante europeu de automóveis e o maior empregador privado da região, será devastadora para a Baixa Saxónia e sobretudo para Wolfsburg, uma jovem cidade criada em 1938 pelos nazis para albergar os trabalhadores da VW e cuja vida ainda hoje depende dos empregos na fábrica de automóveis e nos seus fornecedores.

Entre os sindicatos e algumas autoridades alemãs aumenta a contestação a este ataque frontal da Comissão e do Tribunal ao direito de um Estado, no exercício da sua soberania, poder definir a política económica que considera melhor corresponder aos seus interesses.

Convém lembrar que outro recente acórdão do Tribunal de Justiça (caso Rüffert, ver neste blog em Textos Global: Direito do Trabalho na União Europeia, Maio 2008) tinha recusado a aplicação de uma outra lei deste mesmo Estado alemão, que obrigava os empreiteiros de obras públicas a pagar aos imigrantes o mesmo salário mínimo da construção civil que é pago aos operários alemães, o que o Tribunal considerou constituir uma restrição à livre prestação de serviços e um ataque à vantagem competitiva das empresas que utilizam mão de obra mais barata.

Mas nem só a Alemanha tem estado na mira da Comissão e do Tribunal. Depois dos casos contra os regimes de contratação colectiva e de direito à greve nos países nórdicos, um recente acórdão recusou ao Luxemburgo a aplicação de uma lei que visava melhorar a fiscalização da regularidade dos contratos dos trabalhadores estrangeiros destacados a prestar serviços no grão-ducado.

Em tempo de crise económica, agravam-se todas as contradições. Começam agora a ganhar mais importância os embates entre, por um lado, os neoliberais mais fundamentalistas, que consideram a livre circulação de capitais e de serviços como os pilares da UE e do mercado único e, por outro lado, alguns dos próprios Estados-Membros da União, que pretendem defender-se dos efeitos mais nefastos dessa política para garantir uma certa paz social dentro de casa, tida como fundamental quando se aproximam tempos difíceis de eleições.

Crónica de um fim do mundo anunciado

Publicado em: O Gaiense, 13 de Setembro de 2008

Se hoje escrevo esta crónica, é porque afinal o mundo não acabou no momento em que foi posto em operação o LHC, o grande acelerador de partículas do CERN. Depois das profecias do fim do milénio, abundaram agora as previsões catastrofistas, abusando da ignorância popular e da decorrente tendência para acreditar em deuses e demónios, em desgraças e milagres.

Em Genebra não se fazem milagres, fazem-se coisas muito mais importantes. Abre-se uma porta para darmos mais uns passos no conhecimento da matéria, da sua natureza, da sua história e da sua origem. A matéria de que são feitas as estrelas, de que somos feitos nós, a matéria também de que são feitos os nossos sonhos.

Mas os cientistas do CERN contribuem para a nossa vida muito para além da física das partículas. As suas descobertas e invenções são postas à disposição dos outros investigadores de todos os Estados participantes e das universidades de forma livre e gratuita. Nesta atitude, que contrasta com o mesquinho mundo milionário dos negócios de patentes, estão também a abrir uma porta para um mundo diferente, em que o conhecimento será considerado património comum da humanidade.

Talvez não se lembrem, mas foi exactamente isso que fez, neste mesmo CERN, nos anos de 1989 e 90, o investigador Tim Berners-Lee quando inventou uma coisa a que chamou world wide web (www) e que, conjuntamente com o seu colega Robert Cailliau, insistiu para que fosse disponibilizada para todos de forma livre e gratuita. A essa atitude devemos o facto de hoje dispormos de uma ferramenta universal e gratuita de comunicação. Foi outra porta que o CERN abriu, pela qual hoje passam milhões de pessoas todos os dias.

Uma Agenda Social Renovada para a UE

Publicado em: O Gaiense, 6 de Setembro de 2008

O Parlamento Europeu começou esta semana a discutir a proposta da Comissão Barroso para dotar a Europa de uma “Agenda Social Renovada”. Com a aproximação das eleições europeias, aumenta a preocupação dos responsáveis com a crescente insatisfação popular com as políticas da União. O sinal mais claro do reconhecimento desta insatisfação foi a decisão de não fazer referendos por se compreender que a probabilidade de os ganhar se vai reduzindo de dia para dia. Agora temem que as eleições de Junho tragam para dentro do próximo Parlamento uma presença reforçada das vozes de protesto.

De facto, os estudos mostram que há uma percepção generalizada de que a UE se está a construir em torno dos mercados e da concorrência, e que a solidariedade e o progresso social são sistematicamente preteridos em função daqueles valores. Mesmo as mais modestas pretensões de harmonização social deixaram de fazer parte do léxico da Comissão desde a partida do presidente Jacques Delors.

A actual crise económica veio apenas tornar mais visíveis e mais dolorosos os resultados daquela opção política de fundo, aumentando um certo cepticismo dos cidadãos sobre o "valor acrescentado" das políticas europeias para as suas vidas quotidianas.

Mais do que um Pacote Social composto fundamentalmente por comunicações, relatórios e recomendações de carácter não legislativo, com reduzidos efeitos práticos, a UE precisa de se revitalizar em torno de um eixo diferente: o valor da solidariedade deve substituir o da competitividade.