Ruas de Itália patrulhadas por “rondas” civis?

Publicado em: O Gaiense, 28 de Fevereiro de 2009

O governo Berlusconi acaba de aprovar um decreto sobre segurança que está a gerar profundas apreensões entre os italianos. Uma das medidas mais controversas é a legalização de “rondas de cidadãos” para combater a criminalidade.

Diz o decreto que os presidentes de Câmara podem valer-se da colaboração de associações de cidadãos não armados, a fim de assinalar às autoridades eventos que possam pôr em causa a segurança.

Várias forças políticas e sociais, incluindo sindicatos de polícia, contestam a medida, que consideram inconstitucional e conduzindo a uma situação de “far west”. Estas rondas, que mesmo sem lei já percorrem algumas ruas de Itália, têm sido constituídas sobretudo por grupos fascistas e de ex-caribinieri.

Monsenhor Agostino Marchetto, secretário do Conselho Pontifício para os migrantes e itinerantes, considerou este decreto como “a morte do direito”. Outros membros da igreja consideraram ser uma medida xenófoba que se junta a outras demonizando os trabalhadores estrangeiros. Porta-vozes do Vaticano tentaram temperar um pouco a crítica, dizendo que não apoiavam, mas que esperariam para ver os resultados.

Há presidentes de Câmara, incluindo da Forza Itália de Berlusconi, que dizem que nas suas cidades não haverá rondas, questionando a sua missão e preparação para lidar com os delicados problemas da segurança. “Para garantir o respeito pela lei há a polícia, os carabinieri, a guarda fiscal, a polícia municipal. Parece-me que basta”, diz um deles. Outros contra-argumentam que “noutros sectores do Estado, como a saúde e a assistência social, os privados já integram os serviços”.

Em tempos de crise e insegurança, a deriva securitária e o ódio xenófobo são caminhos habituais da extrema-direita. Só o reforço do Estado de Direito pode dar uma resposta às preocupações dos cidadãos e impedir o aproveitamento da crise para sequestrar a democracia num estado de sítio.

A face da crise

Cartoon de Onofre Varela publicado em: O Gaiense, 28 de Fevereiro de 2009

Um exemplo de jornalismo de serviço público

Publicado em: O Gaiense, 21 de Fevereiro de 2009
e em Esquerda.net/Opinião


No decorrer desta crise global, a divulgação dos níveis escandalosos de remuneração dos dirigentes das grandes empresas, incluindo das que estavam falidas, produziu um enorme choque nos seus trabalhadores e na população em geral, a quem se pedia, ano após ano, todos os sacrifícios.

Um trabalho notável para a exposição pública desta extrorsão, que ainda continua, está a ser feito pelo jornal holandês “de Volkskrant”, o mais importante jornal do país. No seu sítio da internet abriu uma secção (http://www.topsalaris.nl/) onde publica os (normalmente bastante secretos) salários e remunerações dos executivos de topo, sobretudo holandeses ou estrangeiros a trabalhar naquele país. Uma base de dados (http://www.topsalaris.nl/data.php) permite aceder mesmo, pelo nome da pessoa e da empresa, à evolução destas remunerações ao longo dos últimos anos, bem como aos valores extra-salário, como bónus, complementos de pensões, opções de acções, etc.

Esta base de dados é hoje bastante popular na Holanda e tem causado imenso incómodo às direcções das empresas. O “de Volkskrant” começou por recolher dados através dos Relatórios e Contas e das informações que as sociedades cotadas em bolsa são obrigadas a fornecer ao mercado. Mas, com a popularização do site, as suas fontes alargaram-se imenso, porque há pessoas que têm contacto com o processamento desses valores e que, indignados, vão fornecendo informações para publicar.

Em Portugal, também vieram a público alguns casos de despesas sumptuárias, reformas de luxo, pára-quedas dourados e ordenados principescos, alguns pagos já depois de a crise estar instalada. Será que o exemplo holandês vai frutificar? A transparência, tradição no Norte da Europa, nunca foi o nosso forte. Mas talvez a crise nos ajude a mudar.

A hipocrisia do eurodeputado Luis Herrero Tejedor na Venezuela

Um comentário português

[Publicado em: Esquerda.net / Opinião e em www.altermundo.org em 19 de Fevereiro de 2009]

(Veja também, no fim do texto, o Informe dos europeus que acompanharam o referendo)


Hoje, 18 de Fevereiro de 2009, no plenário do Parlamento Europeu em Bruxelas, o presidente Hans-Gert Pöttering apresentou um veemente protesto pela actuação das autoridades venezuelanas contra um deputado que integrava uma delegação oficial do parlamento, no caso, uma delegação do grupo parlamentar PPE-DE.

Luis Herrero Tejedor, eurodeputado espanhol, foi expulso da Venezuela após prestar declarações consideradas ofensivas pelas autoridades do país, nas vésperas do referendo que alterou alguns artigos da Constituição que retiram a limitação de mandatos nos cargos electivos, nomeadamente o de presidente da República.

A forma e o conteúdo das declarações de Tejedor são, no mínimo, altamente discutíveis, sobretudo para quem integra uma delegação oficial, mas também é verdade que a liberdade de expressão tem de incluir o direito à asneira e ao insulto. De qualquer modo, a polémica estalou, com especial veemência em Espanha e na Venezuela.

Não pretendendo avaliar os muitos argumentos e contra-argumentos já produzidos sobre o fundo da questão, nem as atitudes tomadas, gostaria apenas de acrescentar um curto comentário.


Um defensor da liberdade e da democracia?

Luis Herrero foi acusado de ser filho de um fascista. Ora, o problema não é o de o pai Herrero Tejedor ter sido um fascista. Disso ele não tem culpa. Conheci boa gente com origens semelhantes que optou por uma clara postura anti-fascista, por vezes até com activismo empenhado e militante. O problema é outro.
Nascido em 1955, Luis Herrero tinha a mesma idade de muitos jovens da minha geração que, com 20 anos e até menos, se bateram com coragem contra as ditaduras franquista e salazarista, numa altura em que combater estes ditadores e lutar pela liberdade e pela democracia comportava riscos bem maiores do que ser posto num avião e mandado para casa. Essa teria sido uma excelente oportunidade para Luis Herrero ter levantado a voz contra o seu próprio ditador, ter mostrado o seu apego à liberdade e à democracia e, com isso, ter ganho autoridade e o respeito de todos. Não tenho conhecimento de que alguma vez o tenha feito.


Um defensor da eleição limitada do chefe de Estado?

Mas, enfim, poderá argumentar-se que as preocupações democráticas de Herrero Tejedor podem ser tardias, mas não serão menos válidas por isso. Penso que também aqui há um problema. O eurodeputado está indignado com a possibilidade de Hugo Chávez se poder candidatar indefinidamente ao cargo de chefe de Estado, ele que, enquanto cidadão espanhol, não conquistou ainda sequer o direito de votar na escolha do seu próprio chefe de Estado, que não só é vitalício, como não resulta de qualquer escolha livre e democrática do povo, que deveria ser o verdadeiro soberano mas que, neste caso, é tratado meramente como súbdito, sem voto na matéria.
Não tenho também conhecimento de qualquer luta de Luis Herrero para conseguir que em Espanha o chefe de Estado tenha um mandato limitado no tempo, como defende para a Venezuela, nem sequer para conseguir tão somente que seja eleito, com limites ou sem limites. A aceitação da postura vexante de súbdito não autoriza a dar lições de soberania democrática aos outros.


A limitação de mandatos presidenciais

Em Portugal a situação é diferente da Espanha, que por cá é o povo que elege directamente o seu chefe de Estado.

Vejamos o que diz a nossa Constituição sobre a questão da limitação dos mandatos:

O mandato do Presidente da República tem a duração de cinco anos. Não é admitida a reeleição para um terceiro mandato consecutivo, nem durante o quinquénio imediatamente subsequente ao termo do segundo mandato consecutivo.

A nossa lei fundamental impede que alguém faça mais de dois mandatos seguidos no cargo, e estamos bastante satisfeitos com isso. Mas a verdade é que não temos nenhum limite ao número de vezes que uma pessoa pode concorrer e exercer o cargo de presidente da República. Todos nos lembramos da recente candidatura de Mário Soares, depois de já ter sido presidente durante dois mandatos. E nada impede que, nas próximas eleições, ele ou qualquer outro dos antigos presidentes da República (e todos fizeram dois mandatos) volte a concorrer. Em Portugal, os ex-presidentes não perdem definitivamente a sua capacidade de se candidatar a qualquer cargo.

O que acontece em Portugal seria impossível na Venezuela antes da alteração constitucional agora decidida. Diferentemente da nossa, a Constituição da Venezuela estipulava o seguinte:

El período presidencial es de seis años. El Presidente o Presidenta de la República puede ser reelegido o reelegida, de inmediato y por una sola vez, para un nuevo período.

Isto é, quem passou pelo cargo poderia repetir uma vez e depois nunca mais poderia concorrer, perdendo definitivamente a sua capacidade eleitoral passiva. O que está muito afastado da nossa cultura democrática constitucional.


Mandatos mais controlados

Mas, apesar de terem sido retirados os limites às recandidaturas, não é só no momento da eleição seguinte que o povo venezuelano pode ter uma palavra a dizer sobre quem deve exercer os mandatos. Segundo a Constituição (e estas disposições não foram alteradas), todos os cargos resultantes de eleição popular são considerados revogáveis, nos seguintes termos:

Todos los cargos y magistraturas de elección popular son revocables.
Transcurrida la mitad del período para el cual fue elegido el funcionario o funcionaria, un número no menor del veinte por ciento de los electores o electoras inscritos en la correspondiente circunscripción podrá solicitar la convocatoria de un referendo para revocar su mandato.


Como nos lembramos, Chavez já teve de enfrentar um referendo a meio do período do seu mandato, precisamente com base nesta disposição. O que quer dizer que não é uma mera retórica constitucional, mas antes um preceito com impacto na vida política real.

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REFERENDUM EN VENEZUELA

INFORME DE LOS ACOMPAÑANTES INTERNACIONALES PROCEDENTES DE EUROPA


Nosotros, acompañantes internacionales del proceso de Referéndum Constitucional, invitados por el Consejo Nacional Electoral de Venezuela procedentes de: Austria, Bélgica, Francia, Hungría, Irlanda, Italia, España, Portugal, y Rumania, representantes de partidos políticos, organizaciones de la sociedad civil, sindicatos, electos municipales y parlamentarios regionales nacionales y europeos; tras haber efectuado las tareas propias de la misión encomendada, elevamos al Consejo Nacional Electoral el siguiente informe:

1. Expresamos nuestro agradecimiento al CNE por la invitación efectuada, por su colaboración en el buen desarrollo de nuestras tareas y por el apoyo recibido, lo que nos ha facilitado el libre ejercicio de nuestra misión;

2. Felicitamos al pueblo de Venezuela por su amplia participación en el proceso democrático del referéndum, lo que supone una clara expresión de la alta madurez cívica y democrática de sus ciudadanos y ciudadanas.

3. Señalamos el buen funcionamiento de los centros de votación, donde hemos constatado la presencia de testigos de los diferentes bloques que concurrían en el proceso electoral y la presencia eficaz de los miembros de las mesas que demostraron una buena formación respecto a los procedimientos electorales y al uso de las nuevas tecnologías aplicadas, pudiendo de esta manera resolver ágilmente las eventuales contingencias aparecidas.

4. Constatamos el tranquillo y pacifico desarrollo de la jornada, tanto en el exterior de los centros de votación, como en su interior; incluyendo la buena colaboración entre testigos y componentes de las mesas en auxilio del buen desarrollo del proceso, prestando, cuando hacia falta, el debido apoyo a la ciudadanía.

5. Hemos constatado la eficacia, la transparencia y la rapidez del método electrónico de voto, incluyendo el reconocimiento dactilar y, en general, la buena información sobre los procedimientos manifestada por los votantes. De la misma manera nos parece remarcable la existencia del doble mecanismo de comprobación del voto que supone su confirmación en papel. Sin embargo, todavía existen unas dificultades puntuales con respecto al uso apropiado de la maquina y, por lo tanto, seria necesario hacer lo adecuado para aminorar los votos nulos involuntarios.

6. Señalamos que el recuento de los votos se ha realizado de manera pública, no solo delante de los testigos, sino también ante grupos de ciudadanas y ciudadanos que han decidido asistir. Igualmente hemos constatado la firma por todos los miembros de la mesa y los testigos de las actas correspondientes. La transmisión de los resultados ha sido eficiente, rápida y segura como demuestra el escaso tiempo que ha necesitado el CNE para hacer públicos los resultados preliminares;

7. Destacamos el comportamiento de las fuerzas de seguridad que, a través del Plan Republica han cooperado en todo momento en el buen desarrollo del proceso y han garantizado la seguridad, así como la asistencia a las personas con especiales dificultades a la hora del acceso a los centros de votación.

Expresamos una valoración global positiva del proceso electoral que hemos observado, respecto a sus contenidos de organización, transparencia, participación, ejercicio libre y secreto del derecho de voto, seguridad en todas las fases del procedimiento, con la indicación de seguir profundizando, mejorando y ampliando los sistemas y mecanismos de formación e información a la ciudadanía.

Por ultimo, agradecemos la cortesía y profesionalidad que todo el personal del CNE ha desplegado con respecto a los miembros de las delegaciones extranjeras.

Caracas, 16 febrero 2009


FIRMANTES DEL INFORME

Austria:
Damien Agbogbe, Consejero Districtal
Erich Wartecker, Juez

Bélgica:
Celine Delforge, Diputada

España:
Vicente Garcés, Diputado del Parlamento Europeo
Gloria Marcos, Diputada Parlamento Valenciano
Pascual Serrano, Periodista

Francia:
Pierre Lacaze,
Catherine Dosantos
Marc Dolez, Diputado Asamblea Nacional

Hungría
Peter Szigeti, Presidente del Consejo Electoral
Gyula Ortutay, Periodista
Tamas Krausz, Universidad de Budapest

Irlanda:
Robert Navan, Movimiento Solidaridad Latinoamérica

Italia:
Anna Camposampiero, SdL Intercategoriale
Marco Consolo, Partito Rifondazione Comunista/Sinistra Europea
Micól Savia, Giuristi Democratici
Luciano Vasapollo, Universitá a Sapienza
Rita Martufi, Centro Studi CESTES di RDB

Portugal:
Paulo Pisco, Director del Departamento Internacional del PS
Gloria Araujo, Diputada de la Asamblea de la República

Rumania:
Gabriela Cretu, Diputada del Parlamento Europeo

Água a ferver na agenda mundial

Publicado em: Esquerda.net, 16 de Fevereiro de 2009

Realizou-se em Bruxelas, a 12 e 13 de Fevereiro, uma conferência intitulada “Peace with Water”. Foi co-organizada pelo World Political Forum, a rede criada por Mikhail Gorbachev de que Mário Soares é também um dos fundadores. Mas a inspiração veio sobretudo do outro co-organizador, o Instituto Europeu de Pesquisa sobre a Política da Água (IERPE) da Bélgica, presidido por Riccardo Petrella, talvez o mais respeitado activista internacional sobre a questão da água e um dos investigadores que mais tem contribuído para a elaboração de uma política alternativa para o sector.

O lema deste encontro - “Fazer a paz com a água” -, deve ser entendido no duplo sentido de acabar com todo o tipo de agressões ambientais contra este recurso fundamental, e também de prevenir e evitar os conflitos originados pela disputa de propriedade e de acesso à água.

O principal objectivo do encontro era a elaboração de um Memorando para um Protocolo Mundial da Água, baseado na prevenção de conflitos, a promoção do direito à água para todos e a salvaguarda deste património comum mundial através de uma gestão responsável da água como um bem comum, entendendo-se comum para além dos limites estreitos de um antropocentrismo egoísta e geracional, mas antes como sendo comum às várias espécies vivas e às futuras gerações de todas elas.

Os organizadores consideraram que a crise generalizada ligada a este recurso exige um verdadeiro “plano Marshal” mundial para a água, acompanhado de uma profunda mudança estrutural no sistema económico e nos estilos de vida, criando um novo paradigma na política mundial da água, dando prioridade à cooperação e à solidariedade em vez da competitividade, apoiando o estebelecimento de parcerias público-públicas em vez das parcerias público-privadas, financiando os bens comuns e os serviços públicos através de um sistema fiscal eficiente e justo.

Pretende-se de imediato conseguir incluir a questão da água na agenda da conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, a realizar em Copenhaga de 7 a 18 de Dezembro deste ano, onde se espera que seja aprovado um protocolo pós-Kyoto. O objectivo é assim contribuir para ultrapassar visões demasiado simplistas, centradas apenas nas questões da energia e das emissões de CO2. A conferência de Bruxelas considerou que, se a questão da água não for considerada pelos negociadores do novo protocolo, não haverá um acordo intergovernamental específico para lidar com o problema, e a água será então considerada apenas nos aspectos relacionados com a energia.
Ficaria assim o campo aberto para o campo para uma regulação mundial do problema da água a outro nível, mais sujeito à influência dos grandes interesses industriais do sector. O que já se prepara, como adiante veremos.

Refira-se a este propósito que 2009 é um ano de grande importância na abordagem mundial do problema da água, e que o tema tem sido objecto de inúmeros seminários e declarações.
Uma outra conferência com um tema algo semelhante a esta (Água para a Paz, Paz para a Água), mas com uma perspectiva bem diferente, teve lugar em Paris em Novembro, organizada sob os auspícios da Fundação Chirac, da Unesco e da Agence Française de Développement (AFD), com vista a ajudar à preparação do próximo Fórum Mundial da Água.

Este fórum, o quinto World Water Forum (Fórum Mundial da Água), que terá lugar em Istambul de 16 a 22 de Março de 2009, é organizado pelo Conselho Mundial da Água, que repete a iniciativa de três em três anos. O encontro, considerado por alguns o maior evento internacional sobre o problema da água, tem como intenção promover a participação e o diálogo entre as entidades públicas e as entidades privadas, com vista a influenciar as decisões ao nível das políticas globais para o sector. Segundo os organizadores, esta edição será mais do que nunca focada nas questões prioritárias da interacção entre estas diferentes “partes interessadas”, e pretendem aprovar um “Consenso de Istambul para a Água”, a assinar pelas autoridades locais e regionais, em cujo projecto de texto se revindica que estas devem ter a autoridade legal, os recursos financeiros e a capacidade institucional para gerir localmente a água e o saneamento, no respeito pelo princípio da subsidiariedade. Em consulta com todas as partes interessadas (autoridades nacionais e locais, empresas do sector, utentes e investigadores), devem promover uma visão partilhada, definir um plano para o sector da água e escolher entre os vários modelos possíveis de gestão.

O tema desta edição do Fórum Mundial da Água é “Bridging Divides for Water” (Unindo as Divisões da Água). Estas divisões são bem patentes e justificam plenamente a preocupação dos organizadores. Por exemplo, no Fórum Social Mundial (FSM) realizado há dias na Amazónia, a Assembleia da Água aprovou uma declaração em que se convoca uma mobilização global de 14 a 22 de Março em Istambul e em todos os territórios para manifestar uma firme oposição ao Fórum Mundial da Água, onde consideram que as grandes empresas transnacionais proporão novas formas de mercantilização da água. No FSM continua a exigir-se a exclusão da água das negociações da Organização Mundial do Comércio e dos demais acordos internacionais de comércio livre e sobre investimentos transfronteiras, tanto bilaterais como multilaterais. E afirma-se que a gestão da água deve permanecer no âmbito público e comunitário, ser objecto de participação dos interessados numa perspectiva de equidade e controlo social, sempre sem fins lucrativos.

Também em Belém do Pará, no final de Janeiro, o Fórum Parlamentar Mundial aprovou uma declaração em que se afirma que “A água é um direito humano e um bem público essencial à vida e não pode ser tratada como uma mercadoria sujeita às regras do mercado, nem pode ser entregue à ganância de operadores privados que visam o lucro. É responsabilidade dos Estados garantir a toda população o abastecimento de água de qualidade a um preço justo.”

Cerca de uma semana antes do fórum de Istambul, e no âmbito do processo regional europeu de preparação, vai reunir também em Bruxelas a Conference on Climate Change Adaptation and Water. Esta conferência servirá para mostrar as várias iniciativas europeias e as melhores práticas sobre a questão “a água e a adaptação às mudanças climáticas”, tanto de âmbito nacional como resultantes de cooperação internacional, com vista à preparação de um livro branco sobre a matéria. Os resultados da conferência serão apresentados em Istambul.

Ainda não estamos a ver o filme

Sobre estes temas quentes da gestão privada ou pública do sector da água, há uma iniciativa a merecer a nossa atenção: o projecto de um filme intitulado “Water makes money”, de Leslie Frank e Herdolor Lorenz, autores também de “Água: serviço público à venda”. Os dois principais visados por este novo filme são as multinacionais Veolia e Suez, fornecedores de água a 80% dos franceses e que têm conquistado cada vez mais concessões pelo mundo fora, embora em França o processo tenha iniciado a reverter-se, com destaque para Paris, onde a concessão aos privados vai acabar este ano. Os autores do filme estão agora a apelar ao financiamento por subscrição pública para levar avante o projecto. Os doadores podem manter o anonimato ou podem mesmo ter o seu nome no genérico do filme. A partir de 20 euros, receberão um DVD logo que o filme esteja pronto, antes mesmo de ser exibido. É um acto de democracia participativa no financiamento da cultura independente que pode ser feito a partir do site: www.watermakesmoney.org

Uma moedinha para os novos arrumadores

Publicado em: O Gaiense, 14 de Fevereiro de 2009

O plano de apoio aos bancos europeus foi considerado insuficiente. Os 27 responsáveis das finanças, reunidos em Bruxelas, concluíram que, afinal, vai ser preciso muito mais dinheiro para arrumar a casa. Mais dinheiro do seu, caro leitor, do meu, do nosso.

O comissário Joaquín Almunia, num comovente rasgo de decência, disse que os encargos devem repartir-se de forma equilibrada entre os accionistas e os contribuintes, que estão também a arriscar o seu dinheiro.

Este proposto “equilíbrio” até pode parecer aceitável, se comparado com as soluções de rapina global que alguns banqueiros estavam a preparar. Parece, mas não é.

No nosso caso doméstico mais escandaloso, a Caixa Geral de Depósitos - a nossa Caixa - é agora responsável pelo buraco imenso do BPN. Os accionistas do BPN irão provavelmente perder o seu capital social. Mas esse valor não cobre nem um terço dos prejuízos. O resto é connosco. Por alma de quem?

E os montantes que esses accionistas foram recebendo como dividendos ao longo dos anos em que o banco foi espoliado? E o valor das principescas remunerações acumuladas pelos administradores como pagamento pelos seus brilhantes serviços? Vamos reconhecê-los como não recuperáveis?

Ou haverá coragem para ir buscar algum do dinheiro que este sistema bem montado de extorsão bancária foi acumulando na mão de uns poucos? Os nomes e os montantes constam dos balanços dos bancos, que anunciavam publicamente, com orgulho, no fecho de cada exercício, os seus lucros sempre crescentes. Lucros esses fruto do dinheiro que recebiam todos os meses dos apertados orçamentos das famílias e das empresas que recorriam aos seus serviços.

Não será aí que tem que se ir buscar os fundos para arrumar a casa? Ou depois de nos terem roubado o carro, ainda temos de dar uma moedinha para o estacionamento?

Imagens de Belém

Em zonas de casas modestas e degradadas vão nascendo prédios de 30 e 40 andares






Um novo meio publicitário: uma faixa que se estende ao longo da passadeira quando o semáforo está vermelho



Apesar de ser proibido construir em altura na zona junto à baía, o prédio que vemos aqui é do Ministério da Fazenda


D. João Bosco vigia de perto o sanitário das mulheres



Caramelos a prestações, sem juros








Imagens de Belém: Museu do Índio

Num prédio antigo chamado “Solar da Beira”, integrado no Complexo do Ver-o-Peso, está instalado o Museu do Índio do Pará.

Tem de momento materiais e fotografias dos índios Asurini Awaeté, da zona de Altamira.
Asurini quer dizer índios vermelhos e Awaeté quer dizer gente de verdade.

Este é o início de uma colecção que vai ser ampliada em breve.




Nildo Awaeté, guia do museu



Uma rede para dormir, com protecção contra os mosquitos




Imagens de Belém: Ver-o-Peso

Um dos sítios mais fantásticos de Belém é o complexo de Ver-o-Peso. Neste local, antes um simples ancoradouro na Baía do Guajará, os portugueses construiram um posto de fiscalização e controlo alfandegário da Amazónia, popularmente conhecido como o sítio de ver o peso.





Hoje, no seu quarto século de vida, é um complexo de edifícios e tendas, com o pequeno porto e zona comercial adjacente, o mercado do peixe, o das carnes e uma zona imensa de pequenas barracas ao ar livre, cobertas com toldos por causa do sol escaldante e das chuvas tropicais. Dizem ser o maior mercado de ar livre da América Latina. Vende-se de tudo e pode-se pagar com visa.












A “praça da alimentação”, como é chamada, consta de um sem-número de pequenos balcões quadrados de 2x2 metros, dentro dos quais uma cozinheira prepara e serve as iguarias locais. Em dimensão, deixa a léguas as zonas de alimentação dos maiores centros comerciais. Está organizada por especialidades: uma zona para os pratos de peixe, outra para os de carne, uma outra para beber e petiscar, para tomar café, etc.





Ver-o-Peso tem vindo a ser recuperado com investimentos decididos com base no processo de orçamento participativo e é gerido como um condomínio participativo.




Sendo um ponto de visita obrigatório durante o Fórum Social, a prefeitura organizou no mercado um intenso programa de animação cultural.