À segunda só cai quem quer...
Publicado em: O Gaiense, 24 de Outubro de 2009
Se os escandalosos bónus aos banqueiros e executivos forem retomados, como alguns indícios fazem prever, poderá começar a haver reacções violentas das populações sobre quem está a recair o custo da crise. Esta ideia, apresentada há dias em Bruxelas, não provém de um qualquer perigoso revolucionário. Foi expressa pelo Ministro de Estado britânico com as pastas do Comércio e Investimento, alarmado com os sinais que detectou de que, no hermético mundo da alta finança, se preparam para voltar ao "business as usual". E o ministro Mervyn Davies, aliás Barão Davies of Abersoch, sabe bem do que fala, já que é, ele próprio, um antigo banqueiro que mantém privilegiadas relações com as elites do sector.
A principal lição da crise, diz este membro do governo de Sua Majestade, insuspeito de ser um radical, é que não podemos mais deixar os mercados financeiros operar com as suas próprias regras e que o papel dos bancos na sociedade tem de ser repensado.
Já começamos a ouvir por todo o lado discursos de alívio pelo princípio do fim da crise, que não auguram nada de bom. O facto é que, do lado dos de baixo, as dificuldades e o desemprego não sentiram esse alívio e podem ainda sofrer um agravamento e, do lado dos de cima, nomeadamente no sector financeiro, origem da crise, os produtos especulativos não desapareceram do mercado e há algumas situações de efectiva falência que continuam maquilhadas por balanços "criativos". O doente não está curado, está apenas sob o efeito de um forte calmante, cujo princípio activo é composto por largos milhões de euros de dinheiro dos contribuintes.
Não se facilite, que o ministro Davies poderá muito bem ter razão nos seus avisos. Com o que se foi sabendo ao longo da crise, o povo aprendeu mais sobre a economia capitalista e a natureza do sistema do que se tivesse lido alguns manuais ou assistido a doutas conferências. E da sabedoria popular faz parte o ditado: na primeira quem quer cai, na segunda cai quem quer, na terceira cai quem é burro.
O bem-estar infantil e as opções políticas
Foto: Maria José Araújo
Num seminário em que participei esta semana na Suécia, uma investigadora da Universidade de Gotemburgo apresentou um interessante estudo, feito por uma equipa mista europeia e americana, sobre a relação do bem-estar infantil com as diferentes políticas de apoio à família em dezanove países da OCDE. Analisaram a situação da infância no que respeita à pobreza, mortalidade, realização pessoal e sucesso escolar. Focaram-se em quatro sub-conjuntos de políticas familiares: rendimento e benefícios fiscais, segurança no desemprego e na incapacidade, licenças de maternidade e paternidade, serviço público de apoio e guarda de crianças.
O seu estudo demonstrou que as licenças parentais e os serviços públicos de apoio e guarda de crianças são dos mais eficientes na redução dos riscos associados à pobreza e mortalidade, enquanto o rendimento familiar, os benefícios fiscais e segurança no desemprego e incapacidade são os que mais influenciam a realização e o progresso escolar.
Mas, sobretudo, verificaram em que medida os Estados que asseguram de forma mais “generosa” um apoio combinado a esses quatro aspectos da política familiar apresentam resultados francamente superiores a todos os outros países, seja qual for o indicador de bem-estar infantil que se analise. Essa virtuosa combinação de políticas familiares verifica-se hoje apenas nos países nórdicos e as suas opções persistentes das últimas décadas apresentam resultados visíveis em todos os quadros de análise. Aquilo que os investigadores normalmente chamam “modelo nórdico” revelou-se bastante mais eficaz do que os outros três principais modelos-tipo de políticas familiares: o conservador, o liberal e o do Sul da Europa.
Num mundo global, seria boa ideia globalizar as conclusões dos estudos sobre as diferentes experiências sociais cujas consequências práticas têm já um historial suficientemente longo e consolidado para poderem ser analisadas objectivamente e não apenas através de uma retórica mais ou menos ideológica.
Sweden, Stockholm
Sweden, Lidingö (2)
Swedish know-how in building integration with natural background
Even the Portuguese flag was naturally present
Even the Portuguese flag was naturally present
O emprego na campanha da Irlanda
Publicado em: O Gaiense, 10 de Outubro de 2009
Os irlandeses lá foram obrigados a votar uma segunda vez porque, da primeira, teriam votado mal. Aqui está uma originalidade da democracia europeia: o resultado certo é definido antecipadamente. Se os eleitores se enganarem, repetem até acertarem, como um aluno que vai a exame e, se errar, chumba e repete na próxima época. Os alunos, é claro, não são soberanos nas suas respostas. Os irlandeses, pelos vistos, também não. Mas, pelo menos, tiveram direito a ir a exame, sorte que não nos bafejou.
O perfil das entidades participantes na campanha pode também causar-nos alguma estranheza. Publicados os orçamentos da campanha, aparecem-nos do lado do SIM os principais partidos (Fianna Fail €500 000, Fine Gael €300 000, Labour €200 000, Green Party €13 000), mas também Ryanair €500 000, Intel €300 000...
A Ryanair (a companhia aérea que não aceita trabalhadores sindicalizados), activo “partido” do lado do SIM, fez a campanha levando consigo Antonio Tajani, Vice-Presidente da Comissão Europeia e responsável pela supervisão dos transportes na UE. Numa democracia normal, este “convívio” não seria possível. Mas Tajani tem outros hábitos: fundador da Forza Italia, foi porta-voz de Berlusconi. Tudo se pode esperar, portanto.
O grande argumento da campanha foi que só o SIM defenderia o emprego. O presidente da Câmara de Comércio Americano, que se apresenta como “representante dos interesses das multinationais americanas na Irlanda”, fez uma forte campanha dizendo que este era o voto pelo emprego. Curioso é que, apenas terminados os votos, a companhia aérea AerLingus tenha anunciado o despedimento de 676 trabalhadores para redução de custos, apesar de os seus passageiros terem aumentado 4,1% no último ano. A Intel Irlanda, que também fez campanha própria como se fosse uma organização política, decidiu esta semana despedir 295 empregados. Acabada a campanha e ganho o voto condicionado pelo medo do desemprego, vem a dura realidade do desemprego, que tinha sido adiado com medo do voto.
Portugal e Alemanha depois dos votos
Publicado em: O Gaiense, 3 de Outubro de 2009
O que mudou domingo nos dois países? Muita coisa, mas não a chefia dos governos. Todos os partidos ou coligações aumentaram a sua representação parlamentar, com excepção dos partidos da família socialista, que por cá (PS) perdeu mais de vinte lugares e na Alemanha (SPD) 76. Lá como cá, as maiores subidas foram dos partidos mais à esquerda e mais à direita, Bloco e Die Linke num lado, CDS e FDP no outro. Haverá possivelmente uma tendência europeia de transformação do panorama político que dá os primeiros passos.
Uma diferença entre os dois países tem a ver com o papel do parlamento na nova conjuntura. Lá, como cá, não houve maioria absoluta. Mas, na Alemanha, no final do dia, já estava anunciada uma coligação maioritária entre a CDU/CSU de Merkel e a direita liberal do FDP, o que permite à chanceler uma solução mais coesa do que a grande coligação com o SPD que, de forma um tanto hesitante e contraditória, governou a Alemanha nos últimos anos.
Os conservadores e os homens de negócios rejubilam e preparam o ataque às regalias laborais e sociais que ainda restam aos milhões de trabalhadores alemães. Bem podem a esquerda e até os sociais-democratas protestar no parlamento, os seus deputados não serão suficientes para bloquear as decisões. O que os analistas estão a prever é mais resistência sindical e mais protestos de rua. Como aconteceu nos últimos anos na política portuguesa, confrontada com um governo de maioria absoluta. Agora, na hipótese de um governo minoritário, o nosso Parlamento vai ganhar maior protagonismo. Vai finalmente ser interessante assistir às votações. Haverá emoção e suspense. Talvez assim o povo se interesse mais pela política e por saber o que fazem os seus eleitos. O que só pode ser salutar para a vida democrática do país. Embora não dispense a necessidade de uma maior taxa de sindicalização e participação nas iniciativas cívicas, sejam elas de rua ou de interior. Como acontece no Norte da Europa, com resultados tão visíveis e tão positivos.
O que mudou domingo nos dois países? Muita coisa, mas não a chefia dos governos. Todos os partidos ou coligações aumentaram a sua representação parlamentar, com excepção dos partidos da família socialista, que por cá (PS) perdeu mais de vinte lugares e na Alemanha (SPD) 76. Lá como cá, as maiores subidas foram dos partidos mais à esquerda e mais à direita, Bloco e Die Linke num lado, CDS e FDP no outro. Haverá possivelmente uma tendência europeia de transformação do panorama político que dá os primeiros passos.
Uma diferença entre os dois países tem a ver com o papel do parlamento na nova conjuntura. Lá, como cá, não houve maioria absoluta. Mas, na Alemanha, no final do dia, já estava anunciada uma coligação maioritária entre a CDU/CSU de Merkel e a direita liberal do FDP, o que permite à chanceler uma solução mais coesa do que a grande coligação com o SPD que, de forma um tanto hesitante e contraditória, governou a Alemanha nos últimos anos.
Os conservadores e os homens de negócios rejubilam e preparam o ataque às regalias laborais e sociais que ainda restam aos milhões de trabalhadores alemães. Bem podem a esquerda e até os sociais-democratas protestar no parlamento, os seus deputados não serão suficientes para bloquear as decisões. O que os analistas estão a prever é mais resistência sindical e mais protestos de rua. Como aconteceu nos últimos anos na política portuguesa, confrontada com um governo de maioria absoluta. Agora, na hipótese de um governo minoritário, o nosso Parlamento vai ganhar maior protagonismo. Vai finalmente ser interessante assistir às votações. Haverá emoção e suspense. Talvez assim o povo se interesse mais pela política e por saber o que fazem os seus eleitos. O que só pode ser salutar para a vida democrática do país. Embora não dispense a necessidade de uma maior taxa de sindicalização e participação nas iniciativas cívicas, sejam elas de rua ou de interior. Como acontece no Norte da Europa, com resultados tão visíveis e tão positivos.
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