Carta aos e às portuguesas que já gostam do Syriza
Renato Soeiro
28 de Janeiro de 2015
Em Portugal, como nos outros países, estamos a receber uma permanente avalanche de informação sobre o Syriza, o programa do Syriza, os ministros do Syriza, sobre as medidas e as posições do novo governo. A atenção do público normalmente pouco interessado por este tipo de assuntos está a ser ganha e isso é já altamente positivo e de enorme relevância. Mas há algo de mais profundo nesse aumento exponencial da quantidade de informação e de debates sobre a Grécia.
Mais importante é a possibilidade de assistirmos a uma alteração qualitativa na percepção que o povo português até hoje tem tido sobre o que é a esquerda e o que pode ser um governo de esquerda.
Porque falar-se nos órgãos de comunicação de grande audiência de cada uma das sucessivas medidas muito concretas que vão sendo aplicadas pelo novo governo vai ter mais impacto do que poderá ter tido falar-se mil vezes das propostas exactamente iguais a essas medidas que têm sido apresentadas há anos pelas forças da esquerda do nosso país.
Que efeito poderá ter no público mais vasto esta demonstração prática de que afinal é possível fazer diferente ou fazer o oposto daquilo que tem vindo a ser feito por cá e que nos foi sempre apresentado como uma inevitabilidade sem alternativa? De ver que é possível confrontar os arrogantes poderes europeus e dos mercados, de assistir à transformação da forma como estes vão reagindo ao confronto?
Assistir diariamente ao funcionamento na prática desta política alternativa pode vir a criar um ambiente político totalmente novo no nosso país. Temos de ter plena consciência de que no dia 25 de Janeiro a Europa entrou num novo ciclo político. O combate da esquerda também. O centro das atenções deslocou-se para um terreno que nos é muito mais favorável.
Esta oportunidade verdadeiramente histórica traz consigo uma nova e imensa responsabilidade para todos os e as portuguesas que hoje já gostam do Syriza e que desejam uma transformação profunda e progressista da política portuguesa.
Seria um erro grosseiro não entender esta mudança de fase e continuar a fazer política como antes. Num momento em que se espera que o campo dos portugueses que simpatizam com o governo Syriza ganhe todos os dias mais e mais adeptos, seria trágico começar a fazer ataques e disputas mesquinhas contra quem chega, em nome de uma pretensa superioridade moral e política de quem sempre cá esteve. Essa é a receita do velho sectarismo dos pequenos grupos que nunca conseguiram mudar nada na vida concreta do povo que juram defender.
Porque o campo dos simpatizantes de uma solução à Syriza para Portugal pode começar a ser potencialmente um campo maioritário. Para isso terá de conquistar o coração e a vontade de milhões de pessoas que sempre estiveram do outro lado, que sempre se opuseram ou pelo menos desprezaram este tipo de política.
Essa mudança massiva de campo é que pode determinar a nova correlação de forças. Receber à pedrada, com desprezo ou com arrogância quem hesitantemente se for agora chegando a nós, seria o melhor serviço prestado a quem tem como objectivo acantonar a esquerda num pequeno e inútil reduto de coerentes fanáticos. Não lhes podemos dar essa prenda.
Se, em Portugal, houver pessoas, movimentos e partidos muito diferentes a apoiar as medidas do governo Syriza na Grécia, isso quer dizer que haverá pessoas, movimentos e partidos muito diferentes que podem apoiar um governo que faça essa política em Portugal.
Se em Portugal se gerar uma simpatia popular maioritária pelas medidas do governo grego, isso quer dizer que há uma base maioritária possível para apoio a um governo que promova o mesmo tipo de medidas em Portugal.
Essa é hoje a enorme responsabilidade dos e das portuguesas que já gostam do Syriza: aproveitar esta enorme janela de oportunidade para enfim transformarmos o nosso país.
Vivemos um precioso e entusiasmante momento político como não nos era dado viver há várias décadas. Saberemos nós elevar o patamar da nossa intervenção para estarmos à altura deste momento?