Publicado em: O Gaiense, 26 de Novembro de 2011
Esta semana, Portugal foi tema obrigatório nos media internacionais: falava-se, em resumo, de um país cortado do mundo pela anulação de todos os voos internacionais em todos os aeroportos nacionais (para um estrangeiro, esse é o símbolo máximo da ligação do nosso país ao mundo), onde o povo protestava massivamente contra uma austeridade radical que poderá conduzir o país, a curto prazo, para um futuro agora oficialmente classificado como lixo pela agência Fitch, que concordou finalmente com a sua colega Moody’s.
No momento em que estas linhas se escrevem, não se sabe ainda se a expressão musical das ruas da amargura para onde está a ser atirado como lixo BB+ o nosso futuro colectivo foi elevada a património imaterial da humanidade. Mas sabe-se que a sua expressão política já pode ser declarada património imaterial da desumanidade.
Não só pela crueza indiferente com que sacrifica, corte a corte, o nível de vida já antes miserável das novas vítimas da fome, mas também pela grotesca e inútil oferta de trinta minutos de trabalho grátis aos patrões do sector privado. Até hoje, a sociedade só conheceu duas formas de trabalho grátis: o voluntariado e a escravatura. Se não é de voluntariado que se trata nesta meia hora diária, será então de escravatura. Mas atenção: trabalhadores tratados como escravos podem começar a considerar que não têm nada a perder a não ser as correntes que os amarram e que têm todo um mundo a ganhar. E aí, os actuais semeadores de ventos poderão vir a colher reais tempestades.