Há 30 anos, no Coliseu…


Texto publicado no jornal Público de 7 de Setembro de 2025:

O Coliseu é nosso? Com que direito?


Faz hoje 30 anos que, em 7 de Setembro de 1995, um enorme espectáculo mobilizou a cidade e a região em defesa do Coliseu do Porto, que estava a ser vendido à IURD pela companhia de seguros a que pertencia. Este espectáculo, a que demos a designação “Todos pelo Coliseu”, que era o nome da nossa comissão promotora, realizou-se na sequência da manifestação de 4 de Agosto, que o Público recentemente lembrou nas suas páginas.


Fizemos a promoção do espectáculo de formas muito variadas, tentando chegar ao maior número de pessoas: enviámos milhares de postais-convite pelo correio, demos montes de entrevistas e até construímos um stand na Praça da Liberdade com materiais históricos do Coliseu, onde se divulgava a luta e também se podia comprar o bilhete.


Foi o que se pode dizer um total êxito de bilheteira. Dos 3016 lugares, foram inutilizados 6 por causa da instalação de câmaras da RTP para a gravação e transmissão e foram vendidos todos os outros 3010. Fechadas as contas, o Coliseu entregou-me 7 milhões, 187 mil e 750 escudos. Uma boa ajuda para a nossa causa, mas ainda muito longe do necessário para a compra do edifício.


Neste espectáculo, na verdade, toda a gente ajudou. Não pagámos aos artistas - e foram tantos - que fizeram questão de actuar voluntária e militantemente, desde a abertura pela D. Helena Sá e Costa, pianista consagrada que tinha tocado em 1941 na inauguração do Coliseu, até ao fecho, com o Pedro Abrunhosa que subiu ao palco já depois das duas da manhã, altura em que abrimos as portas e deixamos entrar toda a gente que estava na rua a assistir ao espectáculo transmitido num écran gigante. E isto numa noite de quinta para sexta, dias de trabalho. O Sérgio Godinho resolveu fazer malabarismo antes de cantar, lembrando os tempos de criança em que vinha ao circo no Coliseu.


Até mesmo a sempre rigorosa Sociedade Portuguesa de Autores decidiu que a nossa comissão ficaria isenta de pagamento de direitos de autor, atendendo à finalidade do espectáculo: comprar o Coliseu, anulando o negócio com a IURD.


No intervalo, uma novidade absoluta para os mais novos e um momento de recordação nostálgica para os mais velhos: reabrimos a “adega regional” do Coliseu, que estava fechada há muito tempo e muitos nem sequer sabiam que existia. 


Noutro espaço, no Salão Jardim, com o apoio da Cooperativa Árvore, fizemos uma venda de obras de arte para angariação de fundos.


“O Coliseu é nosso” foi o slogan que ecoou toda a noite pela sala, sempre que havia umas palavras de um artista, e todos eles quiseram usar da palavra, para além de cantar e tocar. 


Mas esta questão de o Coliseu ser ou não ser nosso já tinha dado muito que falar nos dias que antecederam o espectáculo. De facto, o Coliseu era propriedade privada de uma companhia de seguros. Numa opção de gestão absolutamente normal nos parâmetros do sector, alienar um activo muito afastado do core business da companhia, ainda por cima um activo que dava muito trabalho e pouca ou nenhuma rentabilidade, parecia ser uma decisão simples, de absoluto bom senso. 


A seguir à manifestação de 4 de Agosto, muita gente, incluindo eminentes juristas e respeitados intelectuais, insultaram os manifestantes e questionaram a nossa presunção de nos imiscuirmos num negócio privado, no qual não tínhamos que ser tidos nem achados. Com que direito dizíamos “O Coliseu é nosso”?


Interessante questão teórica para juristas. Houve, contudo, um jurista, pouco praticante das artes deste ofício e mais conhecido pela sua incursão nas artes poéticas e no jornalismo, que lhes respondeu assim: “Há pessoas que não compreendem, pessoas excessivamente seguras daquilo que aprenderam nas faculdades sobre Direito e sobre Estado de Direito e sobre a chamada lei da oferta e da procura. Só que há por aqui, no unânime O Coliseu é nosso!”, gritado na rua por gente que, como o outro, também não percebe nada de Finanças nem consta que tenha biblioteca, uma grande e desrazoável razão que não se aprende em faculdade nenhuma. Uma razão fundadora (olhem para as orelhas deles, escandalizadas e espetadas!) do próprio Direito, sem cujo desordenado sangue o Direito seria apenas um seco, duro e estéril monte de fórmulas e de princípios, onde só trepariam os astutos e os sabidos. Podem tais pessoas estar certas de que quando milhares de gargantas, perante a afronta iminente, gritavam aqui à porta: Não há direito!”, não era no Código Civil que estavam a pensar!” (Manuel António Pina)


A verdade é que a comissão Todos Pelo Coliseu e todo este movimento, com um certo aroma à PREC, que se mobilizou em torno desta ideia juridicamente insegura de que “O Coliseu é nosso”, conseguiram gerar uma força popular capaz de pesar na decisão de venda já tomada, o que levou à anulação do negócio com a IURD e à passagem da companhia de seguros para o nosso lado, numa aliança que se mantém até aos dias de hoje.


Esta improvável vitória é agora um símbolo e um património da nossa cidade e da nossa região. Um povo que se soube mobilizar, unir e bater o pé. Instituições que souberam assumir o seu papel na defesa do património e da cultura. E, contrariamente ao que aconteceu noutras terras, um Coliseu que agora é mesmo nosso, não só como sempre foi, mas também de jure, através da associação Amigos do Coliseu, que o mantém como um espaço de cultura ao serviço de todos.











 

Convite para hoje

Amigos, amigos, política à parte. Mas as e os amigos que quiserem aparecer hoje nesta conversa, serão muito bem-vindos.


 

100 anos da Tuna Musical de Santa Marinha

A Tuna Musical de Santa Marinha, uma das mais importantes e históricas associações populares de Vila Nova de Gaia, está a comemorar o seu centenário.

Aproveito o momento comemorativo para partilhar com os leitores alguns documentos com meio século, do tempo em que a TMSM comemorou o seu cinquentenário, que ocorreu num ano altamente marcante na vida da instituição porque começou em pleno fascismo e acabou em plena liberdade, alterando drasticamente as condições em que se desenvolviam as suas muitas actividades.

Uma dessas actividades era a edição regular de um Boletim Interno, que se distribuía aos associados, uma publicação periódica que não submetíamos aos serviços de censura, o que criava uma situação potencialmente interessante, mas delicada. (1)


 Eu colaborava regularmente nesse Boletim e tinha combinado com o Presidente, Zé da Micha (José Marques Monteiro) e com o chefe de redacção, Fernando Peixoto — dois amigos que conhecia de reuniões bastante discretas de um núcleo da Oposição Democrática em Gaia —, que era melhor não assinar com o meu nome por causa da PIDE que andava demasiado atenta ao que eu fazia na vida, sobretudo depois de eu ter sido posto fora da Universidade e proibido de estudar em todos os estabelecimentos de ensino de Portugal e colónias. Assinaria portanto “Manel”, simplesmente. Na altura havia uma radio-novela de grande sucesso que era o “Simplesmente Maria”, eu seria o simplesmente Manel; eles acharam piada à coisa e assim fizemos.


Outra das actividades da Tuna em que colaborava era o grupo de Teatro. Mesmo antes do 25 de Abril estávamos a ensaiar o “Felizmente há luar” do Luís de Stau Monteiro, dirigidos pelo Fernando Peixoto. Mas tínhamos já o projecto de representar “As mãos de Abraão Zacut” com encenação de Artur Almeida. Deixo-vos aqui uma interessante entrevista feita sobre este assunto e publicada no Boletim em Fevereiro de 1974. O entrevistador é o Fernando Peixoto e o entrevistado o Artur Almeida.

É interessante notar a preocupação de há meio século relativa ao conflito entre Israel e a Palestina.




Fica aqui também, como curiosidade, o requerimento ao Director de Serviços de Espectáculos (que eu tinha escrito e o Presidente tinha assinado) pedindo autorização para levarmos à cena esta peça. Está datado de 20 de Abril de 1974. Fi-lo no fim de semana, mas nunca o entreguei porque na quinta-feira seguinte o teatro passou a ser livre e a não precisar nunca mais de “autorização superior”. 


Tudo mudou nesse ano. Deixo-vos também um comunicado da Direcção da Tuna do primeiro sábado de liberdade, dia 27, a convocar a sua “massa associativa e o Povo da Beira-Rio” para irem “TODOS À TUNA”.


E, por fim, deixo-vos uma significativa primeira página do Boletim de Setembro de 1974 sobre o carácter popular da Tuna e uma notícia das comemorações do cinquentenário, já feitas em liberdade.

 





(1) Nessa mesma época, houve em Gaia outras publicações periódicas que não eram submetidas à censura. Duas delas, os jornais “A Semente” e “Perspectiva”, podem ser encontrados aqui.

Grande 25 de Abril fizemos este ano em todo o país.

Penso que no futuro, talvez não muito distante, se compreenderá a enorme importância política das comemorações do cinquentenário da Revolução.

As fotografias de Lisboa, do Porto e doutros locais são verdadeiramente eloquentes de que algo de especial se passou.

Também em Gaia, ou melhor, de Gaia até ao Porto, o 25 de Abril ficou marcado uma inabitual (pode dizer-se mesmo: inédita no concelho) manifestação multipartidária e popular, de que vos deixo aqui algumas fotografias.















25 de Abril em Gaia: E eu, que bandeira vou levar?



No dia 25 de Abril, cinquentenário da Revolução, vou estar às 13h em frente à Câmara de Gaia para a grande manifestação.

E, como é sugerido no convite dos organizadores, vou levar uma bandeira. Mas, sabem uma coisa? Acontecimentos recentes no Parlamento deram-me uma vontade enorme (talvez anacrónica, reconheço) de levar esta bandeira.


Valerá a pena explicar porquê e espero que memórias tão antigas não contenham imprecisões. 


É que fará em breve cinquenta anos que andava eu, neste mesmo local de Gaia onde começa a manifestação, a recolher assinaturas para legalizar este partido.


No dia 21 de Março de 1976, no 2º Congresso, fui eleito para a direcção nacional. Fomos chamados ao palco com o anúncio dos resultados da eleição; entre os novos dirigentes que subiram comigo ao palco estava o Maximino Barbosa de Sousa, o padre Max.


Menos de duas semanas depois, a 2 de Abril, a Assembleia Constituinte aprovava a Constituição, a magnífica Constituição da nova democracia, uma derrota histórica das forças reaccionárias, o enterro formal do fascismo. E foi nesse dia de profunda alegria democrática que uma organização terrorista chamada MDLP fez explodir o padre Max e a camarada Maria de Lurdes Correia dentro do carro, perto de Vila Real.


Estou certo de que percebem que, com a eleição de um dos dirigentes máximos do MDLP para a vice-presidência da Assembleia da República, me tenha dado esta vontade súbita de marchar neste 25 de Abril com a bandeira que era a do Max e da Maria de Lurdes.

As comemorações do cinquentenário são também um momento de lembrar a história.




Quarta-feira, 20 de Março, 17h30: sessão "Como foi o 25 de Abril na FEUP?"

 📅 20/03 🕒 17h30 📍 Auditório José Marques dos Santos (FEUP) 


Branca Gonçalves, Manuel Matos Fernandes e Renato Soeiro 






[do site da FEUP:]

"A Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto inicia no dia 20 de março no seu auditório um ano de programação cultural dedicado às comemorações do 50º aniversário do 25 de abril de 1974. 

Sob o mote “As Equações da Liberdade”, o Comissariado Cultural da FEUP reuniu uma comissão interna para o efeito e propõe um conjunto de atividades que inclui debates, concertos, teatro e exposições. O programa pretende evocar a memória do período de resistência, celebrando em simultâneo as conquistas e valores de Abril. 

A proposta que marca o arranque destas atividades é uma conversa, a primeira de um ciclo que ao longo do ano reunirá personalidades da cultura, política, ciência e jornalismo para celebrar 50 anos de democracia, e acontece já na próxima quarta-feira às 17:30. É parte integrante do Clube de Leitura e contará com três convidados de relevo, sendo pontuada com um momento musical no final da sessão. 

Como foi vivido o dia 25 de Abril na FEUP? O que sentiam os estudantes e trabalhadores antes da revolução? Quais foram as reivindicações conquistadas na FEUP? 

Estas são algumas das perguntas que servem de mote para a primeira conversa deste ciclo, que lança também o ano de comemorações. Vamos tentar entender como foi o fim da ditadura, a revolução e o PREC na FEUP, a partir dos testemunhos de quem os viveu: Branca Gonçalves, licenciada em Engenharia Químico Industrial, era trabalhadora da FEUP; Manuel Matos Fernandes, na altura estudante do 4º ano de Engenharia Civil e dirigente associativo; Renato Soeiro, estudante de Engenharia Civil, membro da direção da Associação de Estudantes, atividade que levou a que fosse suspenso e proibido de frequentar qualquer Universidade do país e colónias."

Dois jornais de Gaia de há meio século

Há 50 anos, em 1973, no último ano de vigência do fascismo português, a agitação democrática e popular estava ao rubro. Um dos sectores mais activos era o movimento estudantil. 

Em Vila Nova de Gaia não havia ensino superior, mas os estudantes do secundário estavam em processo de organização das suas associações. Nas duas principais escolas do concelho - a velhinha Escola Industrial e Comercial de Vila Nova de Gaia (hoje Escola Secundária António Sérgio) e no novo Liceu Nacional de Vila Nova de Gaia (hoje Escola Secundária de Almeida Garrett) os estudantes iniciavam a publicação dos seus jornais, sem qualquer submissão à censura nem autorização das direcções das escolas. 

No Liceu publicou-se o "Iniciativa" e na chamada Escola Técnica publicou-se "A Semente". 

No Arquivo ESTANTE DISTANTE, nomeadamente na versão digital, pode encontrar estes jornais completos, em formato ampliável para leitura. O "Iniciativa" aqui e os dois números de "A Semente" aqui e aqui.

Morreu o grande deputado que o Porto nunca teve

Morreu Mário Brochado Coelho, eminente advogado e democrata portuense, símbolo enorme de coragem e coerência antifascista. Outros falarão do seu notável percurso de vida e da importância que teve a vários títulos. Conheci-o bem e longos anos trabalhei com ele nas causas que partilhámos. Mas hoje queria só lembrar o grande deputado que o Porto nunca teve. Apresentámos o seu nome como cabeça de lista em eleições para o Parlamento. Sabíamos que seria sem dúvida uma das figuras mais marcantes da Assembleia da República. Mas nunca foi eleito. E essa é uma falha grave no currículo. Não do Mário Brochado Coelho, cujo currículo notável não precisava disso para nada. Mas sim no currículo dos eleitores do distrito do Porto, sobretudo dos eleitores democratas e progressistas que lhe faltaram com o seu voto sem saberem o que estavam a perder. Em momento pré-eleitoral, faço votos de que a memória desta falha, que não vamos a tempo de reparar, possa ser um instrumento útil para a vossa reflexão.

Texto do Manuel António Pina sobre o Coliseu


Na conversa sobre o Manuel António Pina em que participei na Feira do Livro do Porto, cujo vídeo está disponível no post anterior, li um pequeno texto do MAP que é de difícil acesso. 

Respondendo a vários pedidos que recebi, aqui o disponibilizo para acesso público, com uma explicação: o texto é de 1995, foi escrito a propósito da grande luta que mobilizou as gentes do Porto contra a venda do Coliseu à IURD e cuja vitória permitiu que ainda hoje tenhamos a nossa grande sala de espectáculos como uma referência cultural da cidade.

A propósito dessa luta muita tinta correu. Destacados juristas, poetas e outros intelectuais se pronunciaram diabolizando ou ridicularizando quem se batia em defesa do Coliseu. É a esses ilustres detractores que o Pina responde neste texto, que foi publicado no número especial da revista Porto de Encontro totalmente dedicado a esta luta vitoriosa, publicado em Setembro de 1995 (cuja capa acima se reproduz).

O texto é o seguinte:


AFRONTA e AFRONTAMENTO

Há pessoas que não compreendem, pessoas excessivamente seguras daquilo que aprenderam nas faculdades sobre Direito e sobre Estado de Direito e sobre a chamada lei da oferta e da procura. Só que há por aqui, no unânime “O Coliseu é nosso!”, gritado na rua por gente que, como o outro, também não percebe nada de Finanças nem consta que tenha biblioteca, uma grande e desrazoável razão que não se aprende em faculdade nenhuma. Uma razão fundadora (olhem para as orelhas deles, escandalizadas e espetadas!) do próprio Direito, sem cujo desordenado sangue o Direito seria apenas um seco, duro e estéril monte de fórmulas e de princípios, onde só trepariam os astutos e os sabidos. Podem tais pessoas estar certas de que quando milhares de gargantas, perante a afronta iminente, gritavam aqui à porta: “Não há direito!”, não era no Código Civil que estavam a pensar!

Conversa sobre o Manuel António Pina


 Feira do Livro do Porto, 26 de Agosto de 2023

E se nos juntássemos todos para comprar a “Galeria Abel Salazar”?

 




Jornal Público de 26 de Agosto. de 2023



Um desafio


Há um desafio muito concreto que gostaria de deixar aos leitores deste texto e à sociedade em geral, muito especialmente aos portuenses e a todas as pessoas que se interessam pela cultura e pelo património.


Um dos cafés mais interessantes do Porto morreu. Hoje, felizmente, ainda temos o Majestic, o Guarany, o Ceuta e outros, mas este morreu há muito. Era o Café Rialto, na esquina da rua de Sá da Bandeira com a praça de D. João I, ponto de encontro de artistas e intelectuais. Foi inaugurado em 1944, pleno de obras de arte. Quando fechou, as obras de arte foram retiradas. Todas menos uma, que era inamovível: uma enorme pintura mural com 5 metros de largura e mais de 3 metros de altura, uma obra prima do grande mestre Abel Salazar a que este chamou “Síntese da História”. 


O espaço foi tendo outros usos. Como muitos outros espaços da baixa, um dia foi uma dependência bancária, mas o mural lá estava, magnífico, cobrindo toda a parede de fundo.

Hoje é uma loja. Para optimizar o espaço, a pintura foi totalmente coberta com uma parede que permitiu colocar mais umas quantas prateleiras. Esta é a triste situação actual.


Podemos fazer alguma coisa em relação a isto? 

Penso que sim, que podemos e devemos. Mas fazer o quê?



Uma solução


A solução mais simples e rápida, respeitadora de todas as leis e normas vigentes, seria comprarmos aquele espaço. Comprarmos o espaço e oferecê-lo à Casa Museu Abel Salazar. 


A Casa Museu, uma instituição de grande mérito, com um acervo fabuloso e uma actividade a todos os títulos meritória, é propriedade da Universidade do Porto. Situa-se em S. Mamede de Infesta, relativamente distante do centro do Porto.


Com este espaço, poderia passar a ter um pequeno pólo na baixa da cidade, dando maior visibilidade à obra de Abel Salazar junto do grande público. Talvez se possa chamar “Galeria Abel Salazar”. É um bom local para ter pequenas exposições temporárias em que se pode ir mostrando as várias facetas da produção do artista, uma loja onde as várias edições da Casa se disponibilizam, e tudo com o esplendor de uma parede de fundo monumental com uma pintura que apenas ali pode ser vista.



Modus operandi


Não seria certamente difícil encontrar um mecenas que pudesse fazer a aquisição do espaço (é apenas uma loja), mas a minha proposta é outra. O Porto tem tradição de fazer homenagens - erguer estátuas, por exemplo - através de subscrições públicas. É um modo activo de afirmação de cidadania que nos caracteriza e diz muito da sociedade que somos e queremos ser. Uma subscrição pública para resgatar o mural de Abel Salazar seria em si mesmo uma bela homenagem a um homem que a cidade já homenageou comparecendo em massa no seu funeral, em afrontamento directo com a ditadura, já homenageou com uma estátua, já deu o seu nome a uma das escolas da Universidade do Porto. Abel Salazar ficaria certamente emocionado ao saber que a compra deste espaço com a sua pintura foi um acto colectivo e popular.


É claro que na subscrição pública contaremos não só com o cidadão que empenhadamente contribuirá com uns poucos de euros retirados do seu magro salário ou pensão, mas também com o contributo dos bancos e das empresas, do Ministério da Cultura e da Gulbenkian, da Câmara e das associações empresariais, das fundações e dos mecenas.


O ideal seria que, para receber directamente as contribuições, fosse aberta uma conta especial da Casa Museu ou da sua Associação para este efeito, pormenor a decidir pela própria Casa Museu, pela Universidade e pelo seu Reitor.


A Câmara Municipal poderia ter um papel importante no contacto com o actual proprietário do espaço e na negociação das condições da transação.


Talvez que a Faculdade de Arquitectura possa assumir o projecto de remodelação do espaço e as Belas Artes da sua divulgação.


Se sobrar algum dinheiro da subscrição após a aquisição (e esperemos que sobre), será para apoiar as actividades da galeria, a primeira das quais poderia ser a edição de um livro com a história desta subscrição pública e o nome de todos os que contribuíram, a quem seria oferecido um exemplar como agradecimento.



O Porto é capaz


Enfim, o que se pretende é uma mobilização geral de vontades e de capacidades de uma cidade que já mostrou que o sabe fazer sempre que é preciso. 


O Coliseu está aí para o comprovar e foi uma conquista muito mais difícil do que será a pequena “Galeria Abel Salazar”. Ou o Bolhão. Ou o Batalha, que esteve quase morto e hoje brilha de novo. Se conseguimos salvar o grande mural de Júlio Pomar que o velho fascismo tapou, não deixaremos certamente de salvar também o de Abel Salazar que o moderno comércio tapou.






Memórias de José Mattoso e o Bloco

 No dia da morte de um dos grandes intelectuais portugueses, deixo-vos aqui dois documentos: uma notícia de jornal de 29 de Setembro de 1999 e a primeira página de um texto que escreveu nessa altura (que o arquivo “Estante Distante” há-de publicar na íntegra).