Copenhaga, a responsabilidade e os interesses

















Publicado em: O Gaiense, 19 de Dezembro de 2009

No momento em que escrevo esta crónica, decorre ainda a Cimeira de Copenhaga e não há informação sobre o resultado final ou ausência dele. Entretanto, as emissões continuam e o clima vai continuando a reagir.
É interessante notar a relação entre esta crise ecológica e a outra, a crise financeira e económica. Durante ano que agora acaba, a crise fez-se sentir numa desaceleração das economias, muito particularmente das mais dependentes das exportações. Os mercados retraíram-se e o comércio internacional teve uma redução assinalável. E assim, a crise dos transportes (rodoviários, aéreos e marítimos), que são responsáveis por um quarto das emissões de CO2 e um sétimo das emissões de gases com efeito de estufa, acabou por ter um efeito positivo na atmosfera. O que pode constituir uma boa oportunidade para repensar o modelo económico, para abandonar, por exemplo, o transporte de longa distância de simples alimentos de consumo diário, que poderiam ser produzidos perto dos consumidores, revitalizando as actividades agrícolas, pecuárias e piscatórias locais, arruinadas por importações absurdas. A consequência imediata seria a melhoria da frescura e qualidade dos alimentos consumidos, bem como a recuperação de empregos nas zonas rurais, cujo despovoamento galopante é um dos sintomas mais evidentes do fracasso do actual modelo.
A adaptação da economia, nomeadamente da indústria, para adoptar uma postura mais amigável para o ambiente, custará muito dinheiro, é certo. Mas não é nada comparado com os colossais recursos mobilizados de um dia para o outro para salvar os bancos e outras instituições financeiras da crise que elas próprias criaram.
A urgente mudança de paradigma depende apenas de decisões políticas. Não há hoje qualquer impedimento técnico nem económico que justifiquem um adiamento. É uma questão de coragem e de responsabilidade. Mas talvez outros valores e interesses continuem a falar mais alto em Copenhaga. As pessoas até poderão continuar a cultivar a resignação que permitiu chegarmos a este estado de coisas, mas a Natureza não parece igualmente disposta a resignar-se às agressões dos humanos.

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