Bancos do Brasil

Um centro de convenções no Brasil tem uma admirável colecção de bancos 
esculpidos naquelas suas madeiras tão especiais, que ganharam fama em todo o mundo. 
Vale a penar reparar nos pormenores construtivos e sobretudo na qualidade da matéria prima. 













Papandreou vê-se grego com a crise


Publicado em: O Gaiense, 27 de Março de 2010

O primeiro-ministro grego veio a Bruxelas discutir com o Parlamento Europeu a crise na Grécia e as medidas para a combater. Tema recorrente de debates, a crise grega é uma interminável fonte de ensinamentos para todos os europeus, e não só.

Seria da mais elementar lógica que os empréstimos a um país em dificuldades se fizessem com taxas de juros mais vantajosas do que o normal. Ajudar é isso mesmo, dar melhores condições a quem mais precisa. Mas todo aquele que alguma vez contraiu um empréstimo sabe bem que a lógica dos bancos não é esta, mas o seu inverso: quanto mais necessitado for quem pede, mais alto será o juro. Com a Grécia passa-se o mesmo. Giorgos Papandreou só pedia à Europa para o ajudar a conseguir taxas iguais aos outros países europeus. Já nem pede taxas bonificadas, pede apenas para não ser penalizado. Mas os financeiros internacionais não são gente que se comova, nem perdem uma oportunidade como esta para sugar os recursos de uma presa que está ferida e indefesa.

O primeiro-ministro, visivelmente preocupado, alertou para as graves consequências de perda de confiança da população nas instituições financeiras, o que poderá alimentar "o extremismo na sociedade". Mas a sua intervenção não pareceu muito lisonjeira para com o funcionamento dos mercados financeiros de forma a gerar essa confiança. Pelo contrário, quando avisou que os ganhos com as "duras medidas de austeridade" que estão a ser levadas a cabo "podem ser totalmente perdidos em apenas alguns minutos por um ataque especulativo, executado por alguém sentado ao computador, que pode embolsar de um momento para o outro tudo o que o país conseguiu poupar", Papandreou estava a ser sincero, mas estava a consolidar os argumentos dos críticos do sistema ou, como ele diz, do "extremismo na sociedade". Talvez na Grécia só haja hoje lugar para ser extremamente crítico, extremamente cínico ou extremamente ingénuo.

Até o liberal alemão Wolf Klinz, que presidia à reunião, se mostrou "espantado e chocado com o facto de os mesmos bancos que acabaram de ser salvos da bancarrota com o dinheiro dos contribuintes estarem agora a especular contra o euro e a ganhar dinheiro com isso." A sala aplaudiu vivamente.

A Internet das coisas

Publicado em: O Gaiense

Sabemos como a internet mudou o mundo e as nossas vidas nas últimas duas décadas e meia. Discute-se agora o passo seguinte: a extensão desta rede de pessoas ligadas através de computadores ou telemóveis interconectados a uma rede de objectos interconectados, a "Internet das coisas". Não se trata apenas dos electrodomésticos que podemos accionar através da internet, iniciando a preparação do jantar uma hora antes de chegarmos a casa. Trata-se da interacção entre as próprias coisas. Por exemplo, entre um iogurte e o frigorífico: o iogurte terá um chip com a data de validade, que o frigorífico saberá ler para afixar num monitor da sua porta "atenção, amanhã expira o prazo dos iogurtes de morango". Um produto congelado pode registar a temperatura a que foi mantido em todo o percurso de armazenamento e transporte. Um automóvel pode chamar sozinho o 112 em caso de acidente em que os passageiros fiquem incapacitados de o fazer, dar a localização precisa e várias informações sobre o que se passou. Passamos da relação pessoa-coisa à relação coisa-pessoa e coisa-coisa. Há todo um mundo de possibilidades que se abre, mas que não é isento de riscos e problemas.

No meu apartamento em Bruxelas, resultado da divisão de uma antiga casa senhorial, há quatro aquecedores a óleo ligados à caldeira geral na cave da casa. Como partilhar de uma forma justa os elevados custos de aquecimento entre os vários apartamentos? A solução encontrada foi transformar cada velho aquecedor numa coisa interconectada através de um tag (um chip com antena), que regista a que temperatura e quanto tempo está ligado. Há depois alguém que, passando na rua e sem entrar nas casas, se liga a estes chips registando os dados para fazer a distribuição dos custos. Não sei quem é o contador, mas ele pode saber muitas coisas acerca de mim.

Até onde a internet das coisas vai penetrar na nossa privacidade, como e por quem vão ser controlados os dados pessoais que armazena, eis algumas das questões em discussão. Bem como a forma de garantir o direito ao que se tem chamado o "silêncio dos chips", isto é, o direito de qualquer um se desconectar totalmente deste ambiente de informação sempre que o desejar.

Referendo na Islândia: tempestade do Norte gela Londres



Publicado em: O Gaiense, 13 de Março de 2010

O “não” obteve uma esmagadora maioria no referendo a que nos referimos na crónica anterior. Mais de 93% dos votos rejeitaram os termos do plano de pagamento ao Reino Unido e aos Países Baixos das perdas dos investidores no banco on-line Icesave. “Às pessoas normais, agricultores e pescadores, aos contribuintes, médicos, enfermeiros, professores, é pedido que suportem com os seus impostos um fardo que é o resultado da acção de banqueiros irresponsáveis e gananciosos” – disse o Presidente da República quando recusou promulgar a deliberação do parlamento, obrigando à convocação do referendo.

Com este resultado, o povo da Islândia já ganhou uns milhões, porque provocou uma imediata revisão em baixa das exigências inglesas. As pressões destes especialistas em "ultimatuns" (como Portugal bem relembra neste centenário da República) tinham ultrapassado os limites da paciência dos islandeses quando, à falta de melhor, invocaram uma lei anti-terrorista para cativar todos os valores dos bancos da Islândia no seu território.

Os três bancos que colapsaram em 2008 tinham sido dos maiores beneficiários da política do anterior governo de direita e do seu plano de privatizações e liberalização da economia. As suas operações especulativas, hoje objecto de processos judiciais, atingiram uma dimensão dez vezes superior à da economia do país.

No entanto, o caso Icesave, objecto do referendo, pouco ultrapassa os 3 800 milhões de euros, um valor semelhante ao envolvido no "salvamento" do BPN em Portugal; é, pois, um valor irrelevante para grandes economias como a inglesa ou holandesa. Para estes dois Estados, trata-se mais de uma questão política do que de economia real. Porém, para a Islândia, que tem a mesma população que Vila Nova de Gaia, este montante corresponde a 12 000 euros por habitante e a 40% do PIB e a questão não é só de princípio político, mas de opção entre ter condições para recuperar da crise ou ficar estrangulado durante anos pelo pagamento, com juros elevados, das dívidas a quem apostou em investimentos especulativos com o banco errado no momento errado.

Eu especulo, tu especulas, eles pagam


Publicado em: O Gaiense, 6 de Março de 2010

No dia em que sai para as bancas esta edição de “O Gaiense”, poderá ter-se realizado um importante referendo na Islândia sobre o plano de indemnização dos investidores do falido banco Icesave. E dizemos “poderá” porque, atendendo a que as sondagens publicadas até meio da semana apontavam para uma esmagadora rejeição do plano, vários círculos políticos e financeiros tentam até à última hora inventar uma maneira de cancelar o referendo.

O Icesave era um banco privado que operava apenas na internet, oferecendo aos investidores internacionais uma tentadora remuneração muito acima do que era normal no sector. O Icesave tinha mesmo recebido o prémio Best Online Savings Account 2007 da revista What Investment. Muitos clientes ingleses e holandeses não resistiram à tentação e optaram por entregar avultados fundos à gestão especulativa do Icesave. E não só clientes particulares. Mais de uma centena de autoridades locais inglesas investiram receitas dos seus impostos e parte das transferências do governo central, mesmo quando já havia sinais evidentes de que o banco estaria a ser afectado pela crise financeira global. Com a bancarrota que decorreu desta crise perderam tudo, mas exigiram ser indemnizados.

Para evitar problemas internos em ano de eleições difíceis, os governos do Reino Unido e dos Países Baixos resolveram indemnizar eles próprios os investidores defraudados e agora reclamam da Islândia o pagamento.

Um plano de pagamento foi aprovado pelo parlamento da Islândia em Agosto, mas os dois governos exigiram mais. Em Dezembro, os deputados aprovaram uma nova lei. O montante a pagar corresponde a cerca de 12 000 euros por habitante e a 40% do PIB do país. Muitos consideraram este valor não suportável pela frágil economia islandesa, manifestando-se pouco dispostos a pagar pelos prejuízos que bancos privados provocaram a clientes pouco cautelosos, atraídos pela vertigem da especulação. Uma petição para que o presidente exercesse o seu veto foi assinada por 23% dos islandeses.

O Presidente da República não promulgou e decidiu submeter a decisão parlamentar a referendo popular no dia 6 de Março. Quando for conhecido o resultado, valerá a pena voltar ao assunto.