A UE em “gestão corrente”


[ A divisa da Bélgica "A União faz a Força", no que respeita à adequação à realidade política do país, parece só encontrar rival na adequação da divisa "Liberdade, Igualdade, Fraternidade" à França de Sarkozy ]


Publicado em: O Gaiense, 25 de Dezembro de 2010

Acaba o ano de 2010 e chega ao fim o semestre em que a Bélgica exerceu a presidência rotativa do Conselho da União Europeia. O aspecto mais interessante e original desta presidência é que ela deveria ter sido exercida pelo governo belga mas, na realidade, a Bélgica vive sem governo há mais de seis meses. As eleições realizadas a 13 de Junho produziram uma composição parlamentar complexa, dando origem a um processo de negociações para a constituição do novo governo. Quando, a 1 de Julho, a Bélgica assumiu a presidência do Conselho da UE, estas negociações ainda estavam no seu início e um governo com meras funções de gestão corrente no seu país teve de assumir a tarefa de conduzir a governação da UE.
Chegamos ao fim de Dezembro e as negociações belgas ainda continuam a desenrolar-se, lentas e quezilentas, sem qualquer fim à vista. A Bélgica continua sem governo e a vida vai correndo num país que já começou a habituar-se a sobreviver a estes longos impasses. Alguns comentadores ironizam que a conservadora Bélgica se tornou no mais actual argumento das correntes anarquistas, demonstrando na prática que é possível um país desenvolvido viver sem governo e não entrar no caos. Outros invejam a sorte dos belgas, já que, nos restantes países da UE, os governos aplicam, um após outro, duros planos de austeridade, enquanto que sobre os belgas ainda não caiu esta desgraça porque não há governo para aprovar e aplicar essas drásticas medidas.
Se na Bélgica não há plano de acção governamental, como poderia haver um plano de acção para a presidência belga do Conselho? É verdade que neste país fundador da UE (e que se assume como a capital da UE) abundam os quadros técnicos, políticos e administrativos com profundo conhecimento e experiência das questões europeias. Foram eles que tiveram de dar conta do recado, com empenho e competência, mas sem alma nem projecto. Talvez por isso se tenham integrado tão bem no modo hoje dominante na União, um complexo gigante algo perdido num mundo em mudança, sem alma nem projecto, onde os grandes países preferem que os pequenos países que se sucedem na liderança do Conselho evitem ter a veleidade de pensar que dirigem seja o que for de substancial, limitando-se a funcionar como meras presidências de “gestão corrente”, como foi, por necessidade circunstancial, esta presidência exercida pelos belgas.

1 comentário:

HRM disse...

Creio que o "Plus Ultra" (Mais além) de Espanha fará pensar muito, principalmente, catalães e bascos.