Nestes primeiros dias do ano de 2021, todos os meios de comunicação têm dado grande e justificado destaque à presidência portuguesa que agora começa.
Mas há um problema para o qual queria chamar a vossa atenção: os títulos de jornais e rodapés televisivos em que se refere a "Presidência portuguesa da União Europeia" são completamente desadequados e isso tem alguma gravidade que pode passar despercebida. Por duas razões.
A primeira e mais elementar é porque são falsos. Portugal não tem a Presidência da União Europeia porque isso não existe, a União Europeia pura e simplesmente não tem Presidência, nem Presidente. Portugal tem um Presidente, os Estados Unidos também, a União Europeia não tem. E isso não é um acaso nem um pormenor. Foi uma opção bastante ponderada, muito discutida e, penso eu, bastante sensata.
É claro que há muitas Presidências na UE já que as suas instituições são:
– o Parlamento Europeu
– o Conselho Europeu
– o Conselho
– a Comissão Europeia
– o Tribunal de Justiça da União Europeia
– o Banco Central Europeu
– o Tribunal de Contas.
O Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão são ainda assistidos por um Comité Económico e Social e por um Comité das Regiões, que exercem funções consultivas.
Ora, e falando só nas principais instituições políticas da UE, o Parlamento Europeu tem o seu Presidente (o italiano David-Maria Sassoli), o Conselho Europeu tem o seu Presidente (o belga Charles Michel), a Comissão Europeia tem a sua Presidente (a alemã Ursula von der Leyen) e só o Conselho (ou Conselho da UE ou Conselho de Ministros) tem uma Presidência rotativa e é essa que cabe agora a Portugal. Presidiremos a uma das sete (ou nove, com os comités consultivos) instituições da UE.
Mas, mesmo no estrito âmbito do Conselho da UE, quando se reúnem os Ministros dos Negócios Estrangeiros, este é presidido pelo Alto-Representante para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, que é também Vice-Presidente da Comissão Europeia (o espanhol Josep Borrell Fontelles). E a reunião do Eurogrupo - que já foi presidido por Mário Centeno -, também tem um presidente permanente (o irlandês Paschal Donohoe).
Não se pretende com esta nota desvalorizar a Presidência Portuguesa, que tem a sua importância e um programa com pontos interessantes e positivos, nomeadamente a realização da Cimeira Social do Porto, a 7 de Maio, afirmando a vontade de concretizar o Pilar Social da União Europeia. Nem se pretende desvalorizar o papel dos governantes, diplomatas e funcionários portugueses na condução dos trabalhos e reuniões que lhes competirá presidir.
Pretende-se, isso sim, alertar para o facto de que todo este tratamento jornalístico da Presidência rotativa do Conselho como se fosse a "Presidência da UE" é objectivamente errado, prestando portanto um mau serviço à população porque não a ajuda a compreender o funcionamento institucional da UE, já de si suficientemente complicado e difícil de compreender.
Mas, mais grave do que isso, este erro generalizado dos nossos meios de comunicação - muito provavelmente sem que tenham qualquer intenção de o fazer - acaba por ajudar aos intentos daqueles que pretendem uma maior governamentalização da UE, um maior protagonismo dos governos e do seu Conselho em detrimento do papel da Comissão e do Parlamento Europeu, um retrocesso político e institucional face a um movimento contrário que teve vencimento com a aprovação do Tratado de Lisboa. Como se refere no site oficial do Parlamento Europeu:
"O Tratado de Lisboa, que entrou em vigor no final de 2009, conferiu novos poderes legislativos ao Parlamento Europeu, colocando-o em pé de igualdade com o Conselho de Ministros no processo de tomada de decisões sobre o que a UE faz e a forma como o dinheiro é utilizado. Também alterou a forma como o Parlamento coopera com outras instituições, conferindo aos deputados ao PE um maior peso na condução da UE. Todas estas reformas garantem que o seu voto nas eleições europeias influa de forma ainda mais decisiva na escolha do rumo a seguir pela Europa."
Sugerir, subliminarmente que seja, que o Conselho de Ministros preside à União é pois, não só uma afronta ao Tratado, mas também contrário à recente evolução do projecto europeu no sentido de dar mais peso aos representantes directamente eleitos pelos povos. Os nossos jornalistas deveriam ter isso em conta quando usam a expressão factualmente errónea de "Presidência da União Europeia".
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