Algumas questões sobre a eleição do Presidente da Comissão Europeia
Publicado em: Esquerda.net, 14 de Junho de 2009
A questão do momento
Eleito o Parlamento Europeu (PE), e apesar de os lugares não estarem ainda todos oficialmente atribuídos, nem os grupos parlamentares formalmente constituídos, a questão que faz as primeiras páginas é a futura eleição do Presidente da Comissão, uma das primeiras questões quentes da agenda parlamentar, que vai ocupar os deputados após a eleição dos órgãos internos do próprio PE, com destaque para a presidência da instituição.
De facto, a eleição do Presidente do Parlamento, apesar de o tradicional sistema de partilha entre os conservadores do PPE-DE e o grupo socialista do PSE poder estar desta vez em causa, não está a interessar grandemente os jornalistas e os comentadores políticos. É a eleição de Barroso e da Comissão que anima os debates.
Mas, falar em eleição do Presidente da Comissão é, já em si, uma questão em disputa. O candidato apresentado pelo Conselho deve simplesmente ser aprovado pelo Parlamento ou deve ser eleito com um certo limiar mínimo de votos? A questão é polémica.
O que dizem os Tratados
De acordo com os Tratados actualmente em vigor (Artigo 214.o) “O Conselho, reunido a nível de Chefes de Estado ou de Governo e deliberando por maioria qualificada, designa a personalidade que tenciona nomear Presidente da Comissão; essa designação é aprovada pelo Parlamento Europeu.”
Mas, segundo o Tratado de Lisboa (Artigo 9.o-D) o método é ligeiramente diferente: “Tendo em conta as eleições para o Parlamento Europeu e depois de proceder às consultas adequadas, o Conselho Europeu, deliberando por maioria qualificada, propõe ao Parlamento Europeu um candidato ao cargo de Presidente da Comissão. O candidato é eleito pelo Parlamento Europeu por maioria dos membros que o compõem. Caso o candidato não obtenha a maioria dos votos, o Conselho Europeu, deliberando por maioria qualificada, proporá no prazo de um mês um novo candidato, que é eleito pelo Parlamento Europeu de acordo com o mesmo processo.”
Se a eleição se fizer de acordo com as normas dos Tratados actualmente em vigor, as únicas realmente aplicáveis de momento, bastará a Barroso ser o candidato mais votado, bastando-lhe portanto os votos do PPE-DE, o único grupo que, para já, declarou o apoio à sua candidatura.
Mas, se a eleição se fizesse pelo novo método previsto no Tratado de Lisboa, a situação seria diferente. Sendo o novo Parlamento composto por 736 deputados, o candidato a Presidente da Comissão precisaria de recolher pelo menos 369 votos. O grupo parlamentar do PPE-DE, tem, nas projecções apresentadas pelo PE, 264 deputados. Partindo do princípio de que todos estariam presentes e de que todos votariam a favor, faltavam ainda 105 votos.
Segundo os números (ainda incompletos e provisórios) das mesmas projecções, os grupos que se sentam à esquerda do PPE-DE, os grupos dos Liberais, dos Socialistas, dos Verdes e da Esquerda, têm, em conjunto, 326 lugares, bastante mais do que os 264 do PPE-DE, mas, ainda assim, insuficientes para atingir a maioria de bloqueio.
Entusiasmados com estas contas, há liberais a promover a candidatura de Guy Verhofstadt, tentando obter o apoio de um conjunto de grupos políticos que possam sobrepor-se aos votos do PPE-DE. Mas o perfil federalista do antigo primeiro-ministro belga poderá ser um obstáculo. A direita nacionalista e a extrema-direita poderiam então desempenhar um papel na decisão final. Os dados ainda não estão todos lançados.
À espera da Irlanda?
O governo sueco está particularmente preocupado com este impasse e ainda mais com a possibilidade de adiamento. A sua presidência do Conselho tem início no próximo dia 1 de Julho e, se a questão da eleição da Comissão se arrastar até depois de um segundo referendo na Irlanda, os suecos dificilmente teriam um parceiro institucional com capacidade para produzir resultados visíveis antes do fim do ano.
O segundo referendo irlandês poderá ter lugar em Outubro, mas o resultado é ainda incerto e muito condicionado pela situação política interna nesse país, onde o partido do governo - Fianna Fail, do grupo UEN União para a Europa das Nações no PE - foi fortemente penalizado nestas eleições europeias, obtendo 24% dos votos e elegendo apenas 3 dos 12 europdeputados da República da Irlanda. O seu principal aliado no governo, o partido dos Verdes, com 1,9%, não conseguiu eleger ninguém.
No círculo eleitoral da capital da República, Dublin, simbolicamente importante, o partido do governo não conseguiu eleger nenhum dos três eurodeputados; foram eleitos apenas deputados da oposição: um do Labour que irá para o grupo dos socialistas, um do Fine Gael que irá para o PPE-DE, e um do Socialist Party, um partido de esquerda filiado no CWI – Committee for a Workers' International, que deverá integrar o GUE/NGL.
Os receios de que um segundo “não” no referendo ao Tratado de Lisboa sejam potenciados pelos maus resultados do governo, cuja popularidade continua a baixar, levaram já o maior partido da oposição, que com ele milita no campo do “sim”, a tentar afirmar-se como o esteio da campanha, em lugar do primeiro-ministro.
A posição do Parlamento Europeu
Convém lembrar, a este propósito, que o Parlamento Europeu aprovou, no último dia dos seus trabalhos antes das eleições, 7 de Maio, uma resolução em que “[c]onsidera que a eventual entrada em vigor do Tratado de Lisboa no final de 2009 requer um acordo político entre o Conselho Europeu e o Parlamento Europeu, a fim de garantir que o procedimento relativo à escolha do próximo Presidente da Comissão e à nomeação da futura Comissão respeite, em qualquer caso, a substância dos novos poderes que o Tratado de Lisboa reconhece ao Parlamento Europeu nesta matéria”.
E “[s]alienta que, em qualquer dos casos, no que respeita à nomeação do novo Colégio, o procedimento só deve ser lançado depois de conhecidos os resultados do segundo referendo na Irlanda; salienta que as instituições estariam desse modo plenamente cientes do futuro contexto legal em que a nova Comissão iria exercer o seu mandato e poderiam ter devidamente em conta os respectivos poderes no quadro do procedimento, bem como a composição, a estrutura e as competências da nova Comissão; no caso de um resultado favorável do referendo, a aprovação formal do novo Colégio, incluindo o Presidente e o Vice-Presidente da Comissão (Alto Representante), pelo Parlamento Europeu só deveria ter lugar após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa”.
O presidente do Partido Socialista Europeu, Poul Nyrup Rasmussen, já veio avisar que, num clima de imposição por parte do Conselho e do PPE-DE, a maioria de 369 votos “não seria automaticamente obtida”. Mas, apesar de afirmar que é difícil para os socialistas apoiar Barroso, a verdade é que as suas divisões internas não permitiram até hoje que o grupo apresentasse um candidato alternativo e muitos duvidam de que o venha a fazer.
Nesta incerteza sobre uma eventual entrada em vigor do Tratado de Lisboa, fazer depender a eleição dos novos comissários da adopção do novo método pode, de alguma forma, paralisar a Comissão ao longo de boa parte do segundo semestre de 2009 e levar a que a presidência sueca seja um enorme compasso de espera, sem resultados palpáveis, o que desagrada profundamente a Estocolmo.
O papel da União Europeia na cimeira da ONU sobre o ambiente, que vai ter lugar em Copenhaga no final do ano, e onde a presidência sueca esperava brilhar com a UE a apresentar-se como o principal actor mundial na adopção das normas pós-Kyoto, pode vir a ressentir-se deste conturbado semestre na vida institucional da União.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
concordo, com o que foi elaborado a esse respeito, no tratado de lisboa, mas um referendo era preciso.
Enviar um comentário