Internet e liberdade em debate no Parlamento Europeu
Publicado em: sem muros - http://www.miguelportas.net/blog/
Estrasburgo, 2009-05-05
Acaba de encerrar, em Estrasburgo, o debate do pacote legislativo europeu sobre telecomunicações. Conforme previsto, e após enorme pressão do mundo dos internautas, o tema da liberdade na internet e dos direitos dos utilizadores foi dominante no debate, embora haja muitos outros assuntos em cima da mesa, como a gestão do espectro radioeléctrico (nomeadamente na banda GSM e na zona tornada disponível pelo fim da televisão analógica em 2012) e a criação de uma entidade reguladora europeia que junte os 27 reguladores nacionais.
O Parlamento Europeu (PE) está a proceder agora a uma decisão em segunda leitura das propostas da Comissão, depois de as ter profundamente emendado na primeira leitura, em Setembro de 2008. A posição do PE foi nessa altura bastante positiva, posicionando-se claramente em defesa dos direitos dos cidadãos no acesso livre à internet. Não tendo havido acordo, iniciou-se um processo de negociação com a Comissão e o Conselho com vista a chegar a um acordo em segunda leitura.
Ao longo do processo negocial, as pressões foram muitas, vindas da indústria, da Comissão e do Conselho, para que o PE revisse em baixa o nível das suas exigências de respeito pelos direitos dos utilizadores. Os compromissos aí estão, serão votados amanhã. A esquerda, que tinha votado favoravelmente na primeira leitura boa parte dos textos, vai votar agora contra o novo compromisso enfraquecido e decidiu apresentar uma série de emendas propostas por movimentos de cidadãos em defesa da liberdade dos utilizadores da net (referidas como citizen's amendments).
O objectivo expresso da "proposta de directiva relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações electrónicas" consiste em "reduzir progressivamente a regulamentação ex-ante específica do sector" (...) "em última análise, para que as comunicações electrónicas sejam regidas exclusivamente pela lei da concorrência" (considerando 4).
A questão de fundo que se coloca é a de saber se o acesso à internet deve ser considerado um direito fundamental, a ser protegido enquanto tal, ou se os utilizadores devem ser encarados como consumidores de um serviço comercial, com liberdade de escolha entre os diferentes pacotes que os operadores privados decidirem, em cada momento, disponibilizar ao mercado, segundo as leis da concorrência.
Como é muito frequente na União Europeia, a solução a adoptar amanhã pode muito bem caracterizar-se por dar uma no cravo e outra na ferradura.
É reconhecida aos operadores ampla margem de actuação na gestão de fluxos, o que se pode revelar problemático se corresponder a uma valorização de certo tipo de clientes e de conteúdos em detrimento de outros, violando o princípio que era suposto vigorar até aqui de neutralidade das redes e do serviço. Mas são, apesar de tudo, propostos alguns limites, nomeadamente a obrigação de informar os utilizadores relativamente às violações de privacidade ou a alterações de serviços que os afectem.
Sobre a livre utilização, os grupos GUE/NGL e IND/DEM apresentam uma proposta de emenda propondo a aplicação do "princípio de que os utilizadores finais devem poder aceder a - e distribuir - quaisquer conteúdos e utilizar quaisquer aplicações e/ou serviços de sua eleição, em conformidade com as disposições relevantes da legislação comunitária e com o direito substantivo e o direito processual nacionais". Esta redacção substituiria a proposta inicial de que se deve apenas "fomentar a capacidade dos utilizadores finais de acederem e distribuírem informação e de utilizarem as aplicações e os serviços à sua escolha".
As condições em que um cidadão pode ver o seu serviço cortado pelo prestador, como punição por uso considerado indevido, são um ponto muito quente do debate. Haverá, de qualquer modo, mais uma derrota clara das posições inaceitáveis do Presidente e do governo franceses, que foram traduzidas em França na lei Hadopi, mas que a Assembleia Nacional acaba também de rejeitar, impedindo que, através de uma mera decisão administrativa fosse possível proceder ao corte do acesso a um utilizador que apresente um comportamento considerado impróprio. Lembremo-nos que a França teve a presidência do Conselho nos últimos seis meses de 2008, um período crucial para este pacote legislativo europeu.
Sobre esta questão do corte de acesso, há a proposta de uma cláusula impondo que se aplique "o princípio de que, na falta de decisão judicial prévia, não pode ser imposta qualquer restrição aos direitos e liberdades fundamentais dos utilizadores finais, previstos, designadamente, no artigo 11º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, em matéria de liberdade de expressão e de informação, salvo quando esteja em causa a segurança pública, caso em que a decisão judicial pode ser ulterior". Esta é a posição subscrita pelo GUE/NGL, IND/DEM, Verdes/ALE e alguns liberais, bem como pela Comissão parlamentar responsável.
Contra este texto se apresenta (como parte do compromisso acordado com o Conselho) uma emenda subscrita pelos socialistas do PSE, pelo PPE/DE e alguns liberais, estipulando que "As medidas tomadas relativas ao acesso a ou à utilização de serviços e aplicações através de redes de comunicações electrónicas respeitarão os direitos e as liberdades fundamentais das pessoas singulares, inclusive no que diz respeito à privacidade, liberdade de expressão e ao acesso à informação e ao direito a um julgamento pronunciado por um tribunal independente e imparcial, estabelecido por lei e agindo nos termos de um processo equitativo, em conformidade com o artigo 6.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.”
É de notar, neste ponto, a diferença entre a proposta de interdição do corte do acesso sem prévia decisão judicial e a sua aceitação com o reconhecimento do direito a um julgamento equitativo depois de a internet ter sido cortada. Consequentemente, é também muito simbólica a escolha dos artigos invocados por cada parte como fundamento (o artº 11º da Carta, sobre o direito à liberdade expressão e de informação, para uns, o artº 6º da Convenção, sobre o direito a um processo equitativo, para os outros).
Atendendo à dimensão dos grupos parlamentares que subscrevem as propostas, há fundado receio de que a posição do Conselho possa passar. Mas nunca se sabe, os deputados são livres no seu voto.
Amanhã se verá quanto.
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1 comentário:
Pô, entrei em seu blog para ver se você havia expressado uma opnião sobre este assunto, mas vi que você apenas copiou e colocou os créditos de um outro blog que eu já havia lido.
Foi minha primeira visita por aqui, fiquei um pouco mais por conta do layout, mas achei sem expressão.
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