Publicado em: www.esquerda.net em 2007-06-26
Foi apresentada ontem, em Bruxelas, a Carta de Princípios para uma outra Europa, um documento que vem sendo preparado desde há dois anos por um grupo de redacção no âmbito do processo do Fórum Social Europeu. Trata-se de alinhar os princípios básicos de uma alternativa que possam merecer o acordo da generalidade dos movimentos sociais, activistas e organizações políticas que se opõem ao neoliberalismo. Este documento (ver http://europe4all.org/) não é ainda um documento acabado. De facto, apesar de uma grande convergência de pontos de vista de todas as principais correntes do movimento em torno de muitos aspectos estruturantes da alternativa social que preconizamos, e que estão claros no texto, há velhas questões que têm sido objecto de diferentes abordagens e cuja conciliação não se afigura fácil.
Uma dessas questões tem a ver precisamente com o grande tema político desta semana: como nos posicionarmos face à União Europeia, nomeadamente face à sua organização política e institucional? É sabido que a UE é vista de forma bastante diferente se olhada de Norte para Sul ou de Sul para Norte. Se no Sul da Europa os movimentos e as esquerdas políticas se têm posicionado sobretudo numa exigência de democratização da União, reconhecendo a importância deste campo alargado para a viabilização de uma verdadeira alternativa de uma Europa social (o europeísmo de esquerda), no Norte predominam posições que questionam a própria presença dos seus países na União, considerando que se trata de uma superestrutura indemocratizável e que a alternativa se terá de construir sobre os escombros da UE (o eurocepticismo e o anti-europeísmo de esquerda). Aqui por vezes aliam-se nuances de um internacionalismo que não se quer confinado à Europa com um certo nacionalismo proteccionista, visto como barreira defensora das conquistas sociais alcançadas. A relação entre uma Europa dos países e uma Europa dos povos e as respostas institucionais mais adequadas, também não merece grande consenso.
Outra questão que tem dividido as opiniões é a questão das minorias e da integração. Esta questão desdobra-se em dois campos de polémica.
Um deles é a forma de encarar o respeito pelas minorias (enquanto sectores oprimidos da sociedade) que por sua vez não respeitam níveis mínimos de direitos humanos no seu seio (enquanto grupos opressores dos seus membros mais frágeis: mulheres, crianças, jovens rebeldes) e como articular uma solidariedade libertadora com a minoria no seu conjunto, sem alienar a solidariedade com a luta dos seus membros mais progressistas contra as regras opressoras que muitas vezes definem a sua identidade de oprimidos. Aqui entroncam vários debates, nomeadamente o do secularismo do Estado, da liberdade religiosa, do multi ou inter-culturalismo, da integração e da cidadania.
O outro campo é o do direito à autodeterminação e do apoio que se deve dar à luta dos povos que defendem a autonomia face aos Estados em que estão inseridos. O exemplo mais actual é a questão do Kosovo: deve apoiar-se a independência, que é defendida pelos EUA e a UE contra a Sérvia e a Rússia? Como se deve posicionar a esquerda kosovar? O desmembramento da Jugoslávia foi emancipador?
Há muitos problemas que são difíceis de resolver de uma forma consensual, e o processo de elaboração da Carta não trará certamente a solução para eles. É, no entanto, um interessante passo que resulta de um prolongado esforço conjunto. Apresentada agora, terá no dia 20 de Setembro em Bruxelas o próximo grande momento de debate, aberto a todos e todas que pretendam participar. De forma a chegarmos a 2008, ao próximo Fórum Social Europeu, a realizar na Escandinávia, com um documento que possa ganhar mais força junto da opinião pública europeia, que ajude a demonstrar que "outra Europa é possível" não é apenas um slogan e uma utopia, mas que se desenham já os contornos de um futuro que precisamos de construir.
Sem comentários:
Enviar um comentário