IRLANDA: os muros também se abatem
Publicado em: Global, Abril de 2007
Quando, a 26 de Março, os líderes do Sinn Féin e do Democratic Unionist Party (DUP) se sentaram pela primeira vez face a face no palácio de Stormont em Belfast, todos sentiram o peso enorme deste encontro entre os representantes máximos de uma violenta luta secular que marcou a vida de várias gerações.
Todos sabiam também que as memórias desta guerra não se apagarão tão cedo. As suas cicatrizes nas famílias e nas comunidades não desaparecerão facilmente. Nem sequer as marcas que deixaram em Belfast, ainda cheia de grades, torres de vigia e câmaras de filmar. Ainda repleta de muros que dividem bairros, cortam ruas, e separam em dois os jardins onde crianças brincam e olham as árvores altas de além-muro sem nunca terem visto os rostos das suas congéneres que brincam do outro lado.
Mas, para além das divisões do passado, os dirigentes compreenderam que os escassos 27 mil votos e 3,9% de percentagem que nas últimas eleições separaram o DUP do Sinn Féin, significam que as duas forças políticas estão para ficar e que as populações que neles votaram são realidades incontornáveis.
Ambos os partidos assumiram a responsabilidade de dotar esta parte da Irlanda de um parlamento e de um governo próprios, que possam promover um desenvolvimento que não pode esperar por decisões tomadas em Londres, ou mesmo em Dublin. Numa Europa que esbate as suas barreiras, o contraste do sucesso do “tigre celta” com o atraso que sofrem os seus irmãos do Norte torna-se ainda mais insuportável.
É grande a esperança neste governo de unidade, que não se limita ao DUP e ao Sinn Féin, já que os acordos de St. Andrews - como antes, o da Sexta-feira Santa - prevêem a formação do governo a partir de uma aplicação do método de Hondt aos resultados eleitorais.
O mundo saudou a coragem realista partilhada pelos dois protagonistas desta histórica convergência forçada pela vida. Mas há uma diferença entre Paisley e Adams que foi pouco notada e comentada: essa diferença chama-se Irlanda. O DUP é um partido do Norte, dos 6 condados sob domínio britânico. O Sinn Féin é um partido da Irlanda, dos 6 condados do Norte e dos 26 condados da República. O partido de Gerry Adams tem uma agenda política para toda a Irlanda, e o seu peso aumenta dos dois lados da linha que marca a fatídica partição da ilha. Para o Sinn Féin, as eleições de Março nos 6 condados foram um momento de um processo eleitoral que prossegue em Maio ou Junho nos outros 26, com propostas comuns. Propostas para a unificação, é claro, mas também para a economia, para a justiça e a segurança, para os serviços públicos e para a política social de toda a ilha. Não é por acaso que as suas duas deputadas europeias integram o GUE/NGL, a bancada situada mais à esquerda no Parlamento Europeu. A prazo, esta marca, já presente nos pioneiros do movimento nacionalista e republicano, poderá fazer toda a diferença.
A participação no governo do Norte não deixará de ser observada com toda a atenção pelos eleitores da República, a braços com os problemas causados por um desenvolvimento rápido, mas profundamente marcado pelas desigualdades. No último congresso do Sinn Féin, realizado em Dublin no fim-de-semana anterior às eleições, a novidade que mais atraiu a atenção dos jornalistas foi a presença e a intervenção, pela primeira vez, de dirigentes dos maiores sindicatos e do Irish Congress of Trade Unions, a confederação sindical irlandesa. Até agora as trade union frequentavam
os congressos do partido trabalhista social-democrata. Hoje, no programa e nas propostas do Sinn Féin, os irlandeses começam a entrever um futuro diferente. An Ireland of equals. Unida, democrática e justa.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário