Publicado em: Global em Maio de 2007
Trabalho - autoridade – mérito: eis a trilogia de Sakozy no seu discurso de vitória na noite de 6 de Maio. Esqueçam as ideias obsoletas de liberté, égalité e fraternité, bem como os sonhos absurdos do Maio de 68. Franceses preparem-se: a mudança vem mesmo aí! Não se pode negar a arte de um candidato que, sendo um ministro marcante do governo de direita ao longo dos últimos anos, com um papel chave nos acontecimentos que criaram revoltas atrás de revoltas, se conseguiu apresentar a si próprio como o rosto da mudança... e apresentar a candidata da oposição como a continuidade. A ideia de mudança era de facto a chave para o sucesso numa França essencialmente insatisfeita e ansiosa, como se vira no referendo ao Tratado Constitucional. A insegurança, ou melhor, a multiplicação dos sentimentos de insegurança, são sempre um terreno fértil para propostas fortes. E essa era a única das críticas que o novo presidente não merecia. Sarkozy optou por uma campanha forte, afirmativa e claramente situada à direita, o que se revelou decisivo para aglutinar mais de metade dos eleitores. Do outro lado, Ségolène Royal tentou precisamente o contrário: opções tímidas e um estilo suave, que evitava a clarificação política em nome da conquista do centro. Sarkozy encerra em França um ciclo político. Não apenas no que se refere ao modelo social e à tradição de intervenção do Estado na economia, mas também no posicionamento internacional da França. A sua vitória agrada a Bush, que terá agora uma França mais atlantista e colaborante. Agrada a Downing street pelas mesmas razões e mais uma, fundamental para o governo inglês, que é o facto de Sarkozy querer resolver o problema do tratado europeu sem recurso a referendo, e com uma redacção minimal. Eis o que, tanto para o Labour como para os Conserva dores, soa a música celestial. A sua Europa é a do Directório dos grandes países e nisso coincidem com Sarkozy. O referendo, pesadelo maior dos dois grandes partidos do Reino Unido, pode ter começado a resolver-se ontem em França. Nem mesmo Durão Barroso ficou descontente. Ele quer ultrapassar o impasse constitucional seja como for. Também na questão da Turquia, onde os governantes europeus se sentiam obrigados a dizer o que não pensam, Sarkozy trouxe algum alívio: frontalmente contra a adesão, numa matéria que exige unanimidade, pode ter resolvido o assunto sem que os restantes governos tenham o incómodo darem o dito pelo não dito. Mais incrível ainda é a afirmação do ex-ministro, já na qualidade de futuro presidente, de que “esta noite, a França está de volta à Europa”. Por onde terá andado a França nos últimos anos em que ele esteve no governo? E o que vai mudar agora? Algo. A palavra-chave de Sakozy em matéria europeia é “protecção”. Conjura os seus pares europeus “a ouvirem a voz dos povos que querem ser protegidos”, “a não ficarem surdos perante a cólera dos povos que vêm a UE não como uma protecção, mas como o cavalo de Tróia de todas as ameaças contidas nas transformações do mundo”. A nova França recuperará a sua grandeza na Europa e no mundo reforçando o seu proteccionismo. Pode ser absurdo, mas agradou aos eleitores. Não por muito tempo, mas agradou. A tarefa da esquerda, agora, é a de resistir aos tempos difíceis que se avizinham. Em França, evidentemente. Mas também por toda a Europa terá de estar à altura das responsabilidades que a emergência das novas direitas vem colocar.
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