O perigo da democracia


Publicado em: O Gaiense, 5 de Novembro de 2011
Esta semana vivemos um momento com uma particular carga simbólica que ficará certamente registado na história do nosso tempo: o anúncio da realização de um referendo num pequeno país gerou um enorme sobressalto nas bolsas mundiais, da Rússia aos EUA, passando por todos os países europeus, provocando avultadíssimas perdas em fundos, bancos e outras empresas cotadas. Ainda ninguém sabe a resposta ao referendo, ainda ninguém sabe sequer qual será a pergunta, nem mesmo se haverá ou não referendo, porém, a mera perspectiva de que um povo (mesmo pouco numeroso) pudesse ser chamado a pronunciar-se sobre os planos de que é vítima foi suficiente para gerar o pânico nos mercados de todo o mundo. E muito justamente. Porque o modelo de extorsão violenta com que se está a proceder à acumulação de riqueza nas mãos de menos 1% da população não seria viável se existisse uma vida democrática digna desse nome.
Pelo contrário, o actual sistema económico teve a sagacidade de retirar do alcance das decisões políticas democráticas tudo o que verdadeiramente conta para a economia. Quem pode, decide a linha geral. Os seus ideólogos justificam-na. Depois, os papagaios repetem que “não há alternativa”. No fim, o povo escolhe “livremente” quem irá aplicar as medidas impostas pela linha geral, sem nunca poder decidir se aceita ou rejeita essas medidas e a própria linha. Daí o risco enorme de a Grécia referendar os planos de “ajuda” da troika. É que, contrariamente a nós, que nos limitámos a escolher ordeiramente quem ia aplicar o plano pré-estabelecido, o espoliado povo grego poderia ser tentado a espelhar sinceramente nas urnas o que lhe vai na alma e começar a discutir alternativas. Não podemos esquecer que foi ali que se inventou a democracia...

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