E agora, Islândia?



Publicado em: www.Esquerda.net/Opinião, 27 de Abril de 2009

As eleições de 25 de Abril de 2009, na Islândia, com uma afluência às urnas superior a 85%, foram uma resposta popular à bancarrota em que o país foi mergulhado pela sua inserção plena no mundo da especulação capitalista, pelo seu desproporcionado e desregulado sistema financeiro, pela corrupção e pela fuga gigantesca de recursos para os off-shores.

O grande derrotado destas eleições foi o partido de direita, Partido da Independência, que nos últimos 70 anos foi o maior partido no parlamento e que em Janeiro teve que se demitir, na sequência das enormes manifestações populares. Num parlamento (chamado Alþingi) com 63 lugares, este partido baixou de 25 para 16 deputados, com 23,7% dos votos, o seu pior resultado de sempre. O Partido Liberal, que tinha 4 deputados, não conseguiu agora eleger nenhum.

O primeiro passo, indispensável, está dado. Os islandeses compreenderam que quem os meteu na crise não os poderia tirar dela. Pela primeira vez, deram uma maioria à esquerda. Mas a crise está longe do fim e as grandes dificuldades não vão desaparecer tão cedo.

As eleições foram ganhas pela Aliança Social Democrata, cuja líder Jóhanna Sigurðardóttir governava interinamente o país após a demissão do governo conservador; os sociais-democratas tiveram uma ligeira subida de 18 para 20 deputados, com 29,8%, afirmando-se como o maior partido face à queda da direita.

O recém-criado Movimento dos Cidadãos (que se reivindica da “revolução dos tachos e das panelas”, numa alusão às manifestações do início do ano), que defendeu uma profunda reforma do país, conseguiu 4 lugares. O Partido Progressista, uma formação conservadora com raízes no mundo agrário e das pescas, ligado à Internacional Liberal, elegeu 9 deputados.


O movimento Esquerda Verde

Mas a maior subida eleitoral foi conseguida pelo movimento Esquerda Verde (EV), que em 2003 tinha obtido 8,8% e 5 deputados, em 2007 subiu para 14,3% e 9 deputados, e agora consegue 21,7% e 14 deputados, quase igualando a bancada dos conservadores que estavam no poder. A EV tinha estabelecido um acordo com os sociais-democratas para a resposta à crise e esse acordo deverá ter continuação na formação de um novo governo maioritário, apoiado em 34 deputados.

A Esquerda Verde (Vinstrihreyfingin - grænt framboð) é um partido de esquerda, que se define como socialista, ambientalista e feminista, que defende o eco-socialismo e a democracia participativa, numa integração dos valores tradicionais da esquerda com os valores dos novos movimentos sociais.

Foi fundado em 1999 por agrupamento de militantes de várias correntes - marxistas, ecologistas e feministas - que rejeitaram o plano de fusão de forças de esquerda na Aliança Social Democrata.

A EV é um dos cinco membros da Nordic Green Left Alliance, uma aliança de partidos nórdicos que, numa cooperação com o GUE, criaram o GUE/NGL, o grupo parlamentar da esquerda no Parlamento Europeu.

Defende que todos os recursos naturais se mantenham propriedade pública e sejam explorados respeitando os valores ambientais e a conservação da natureza. No que respeita à igualdade e à justiça social, a EV defende uma repartição da riqueza mais equitativa, direitos iguais para todos, contra qualquer forma de discriminação, nomeadamente no acesso à educação, aos serviços sociais e ao direito à informação e liberdade de expressão, opondo-se à privatização dos serviços públicos. Defende o aumento dos salários e o reforço do papel dos trabalhadores na economia. No que respeita aos imigrantes, a Esquerda Verde defende a igualdade total perante a lei de todos os que vivem na Islândia, que deverão ter os mesmos direitos e obrigações.

Na política externa, opõe-se às alianças miliares, à participação da Islândia na NATO e na UEO e combateu a invasão do Iraque e do Afeganistão. Privilegia antes a participação na ONU, no Conselho da Europa e no Conselho Nórdico. Tem-se oposto também à integração na União Europeia, defendendo como alternativa a realização de acordos bi-laterais.

Este ponto poderá revelar-se como o mais problemático na actuação da EV dentro do novo governo, já que a adesão à UE e a adopção do euro no mais curto prazo possível foram dois dos mais fortes argumentos de campanha dos sociais-democratas, que estes consideram sufragados com os actuais resultados. A EV defende, no entanto, o lançamento de um grande debate nacional sobre a questão europeia.

Entre toda a esquerda nórdica há uma tradicional oposição à União Europeia, que é vista como uma interferência na soberania nacional, tendo sempre como consequência baixar os elevados níveis de protecção e de remuneração de que gozam os trabalhadores naqueles países, classificados como os melhores do mundo em muitos dos índices internacionais de qualidade de vida e justiça social. Lembro-me de uma vez, numa reunião de partidos de esquerda nórdicos, tentar explicar o que era o nosso europeísmo de esquerda e o presidente do partido anfitrião me ter respondido, muito amigavelmente, que no Norte era preciso escolher: ou se era europeísta, ou se era de esquerda, mas que não se poderia ser as duas coisas ao mesmo tempo.

A este eurocepticismo generalizado entre a esquerda nórdica, vem acrescentar-se na Islândia o receio face à política europeia de pescas, vista como co-responsável pelas dificuldades que o sector vive em vários países da União. Na Islândia, a pesca é um sector económico fundamental, responsável por mais de um terço das exportações. Focando agora a sua atenção mais nas suas possibilidades reais de produção e de criação de riqueza do que nas fantasiosas quimeras financeiras que caracterizaram a desastrosa fase anterior, é todo o modelo económico que está a ser discutido.

A Islândia vive, pois, um momento crucial da sua história; está numa encruzilhada em que vários caminhos se abrem à opção soberana dos seus cidadãos. Os desenvolvimentos neste país europeu, uma das principais vítimas da crise global, serão certamente objecto da maior atenção por parte dos analistas políticos. O papel da esquerda em todo o processo, e a forma como vai responder aos complicados desafios que tem pela frente, será certamente uma fonte de ensinamentos preciosos para todos os que trabalham para dar a esta crise uma saída que seja o mais favorável possível aos interesses dos trabalhadores.

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