Grupo FORTIS – a contestação dos accionistas minoritários
Já nem nas Assembleias Gerais dos bancos há sossego...
Na sequência de uma longa batalha pelo controlo do banco Fortis, uma tensa assembleia da holding Fortis SA/NV, realizada em Gent, na Bélgica, no dia 28 de Abril de 2009, teve que ser suspensa por duas vezes. Foi com protestos, vaias, insultos de “vendidos” e até com o lançamento de dossiers e de sapatos (acção tipo Bagdad) que os accionistas minoritários da holding Fortis reagiram às propostas do Conselho de Administração de vender as unidades bancárias na Bélgica e no Luxemburgo aos franceses do BNP Paribas.
Contestam vivamente o último acordo entre o Estado belga e o banco francês, que prevê a revenda a este último de 75% do Fortis Bank e que este possa, por sua vez, assumir 25% da Fortis Insurance Belgium, a actividade de seguros do grupo na Bélgica, que é a parte mais rentável do negócio.
Os pequenos accionistas já tinham impedido por duas vezes a operação de desmantelamento do grupo. O advogado Mischaël Modrikamen, cujo escritório tem representação de mais de 2300 accionistas, propôs acções judiciais que bloquearam a venda das unidades do Fortis sem a permissão dos accionistas, e forçaram o governo da Bélgica e a administração do BNP Paribas a modificar os termos do seu acordo.
Um fundo das ilhas Caiman
Nesta Assembleia, os accionistas contestatários ficaram furiosos por ter sido recusada a votação sobre a admissibilidade dos direitos de voto de milhões de acções que consideraram suspeitas de não respeitar as regras mínimas de transparência e relativamente às quais a Administração possuía procurações. Mischaël Modrikamen interpôs uma acção em tribunal para suspender o direito de voto destas acções. No entanto, perdeu.
Modrikamen, que estranhou os “novos amigos do Conselho de Administração, cada qual mais exótico do que o outro”, contestou muito especialmente um fundo oriundo das ilhas Caiman, que aparece agora como o terceiro maior accionista do Fortis, e cujo director-geral é um antigo inspector das Finanças francês, com múltiplas ligações ao BNP Paribas. Karel De Boeck, Chief Executive Officer do Fortis, disse aos accionistas que não havia meio de conhecer a origem desses fundos.
Entre sexta e segunda-feira, véspera da Assembleia, teriam aparecido também milhões de acções, das quais não foi feita a necessária declaração de transparência, desconhecendo-se os respectivos beneficiários. Os minoritários pretendem saber quem está por detrás destes fundos especulativos.
Mesmo assim, na assembleia só esteve representado cerca de um quarto (26,15%) do capital e votaram a favor da venda 72,99% do capital presente, isto é, cerca de 19% do capital total, o que, sendo formalmente inquestionável, dá alguns argumentos aos contestatários, atendendo à importância da decisão e ao seu carácter de irreversibilidade.
Apesar de tudo, a reunião aprovou a venda pelo Estado belga ao BNP Paribas de 75% do Fortis Bank SA/NV e a este de 25% do negócio dos seguros.
Esta decisão terá de ser confirmada pela Assembleia da outra holding do grupo, a Fortis N.V., no dia 29, em Utrecht, na Holanda.
A Assembleia Geral decidiu ainda rejeitar a proposta de anular o saldo não utilizado do capital disponível e recusou dar quitação à actuação relativa ao exercício de 2008 do anterior Conselho de Administração, que colocou o banco à beira da falência. Esta quitação foi votada nome a nome e não em bloco, como é habitual e como pretendia o Conselho. Nenhum dos membros do anterior Conselho teve voto positivo, tendo o ex-presidente obtido a pior percentagem: apenas 28,01% de votos favoráveis.
O Fortis
O Fortis, símbolo maior da excelência belga no mundo dos negócios, foi salvo pelo Estado e vai agora ser entregue a um dos seus principais concorrentes privados, ainda por cima um banco francês, o que, tendo em conta as permanentes e tradicionais rivalidades entre estes dois países vizinhos, vai ferir muito particularmente a sensibilidade dos belgas mais orgulhosos.
Para termos uma ideia da ordem de grandeza do Fortis, poderá dizer-se, simplificando, que se trata de um grupo que vale cerca de dez vezes a Galp Energia, seja em volume de negócios, seja em número de empregados. No ranking da Fortune 500 relativo a 2008, o Fortis aparecia como o 14º maior grupo do mundo, enquanto que a Galp, a única presença portuguesa, se situava em 484º lugar.
O grupo Fortis, profundamente afectado pela crise financeira mundial, foi objecto de uma operação de salvação de emergência pelos governos belga, holandês e luxemburguês.
Recordemos as principais transações realizadas no fim do ano passado:
Em 29 de Setembro de 2008, a holding Fortis e o governo Belga acordaram na subscrição por este último de um aumento de capital do Fortis Bank SA/NV, no valor de 4,7 mil milhões de euros, adquirindo 49,93% das acções.
Em 3 de Outubro, o governo holandês adquiriu o Fortis Bank Nederland (Holding) N.V. por 16,8 mil milhões, dos quais 12,8 foram alocados ao Fortis Bank SA/NV e 4 à actividade de seguros.
A 6 de Outubro, foi anunciado que os restantes cerca de 50% do Fortis Bank SA/NV foram vendidos ao governo belga por quantia semelhante à primeira tranche: 4,7 mil milhões de euros.
Em Dezembro, o governo belga do primeiro-ministro Yves Leterme caiu após investigações sobre irregularidades no processo de apoio ao Fortis, nomeadamente pressões ilegais sobre o poder judicial no âmbito dos processos instaurados pelos accionistas minoritários contra as decisões do governo.
O Estado belga já injectou até agora cerca de 14 mil milhões de euros no grupo (num país com 10 milhões de habitantes, isto significa 1 400€ por habitante), dos quais 9,4 para adquirir 100% do banco Fortis. Com esta venda ao BNP Paribas, os accionistas estimam que as perdas do Estado rondem os 3,6 mil milhões.
O BNP Paribas já anunciou que as sinergias conseguidas com a aquisição poderiam significar algo como 500 milhões de euros por ano de redução de custos. Segundo as estimativas, isto deverá incluir o corte de 5 000 postos de trabalho, mas o BNP Paribas já disse que a redução de pessoal não incluirá despedimentos forçados.
Ontem, quando as transações foram suspensas devido à AG, uma acção valia 1,779 €. Há um ano valia 17,5 €, há dois andava pelos 30€ e há três anos cotava-se acima dos 35 €. Não há melhor retrato da crise.
O que temos nós a ver com isto?
Apesar de a Bélgica ser longe, temos bastante. Não só pelo lugar comum de que, num mundo globalizado, tudo tem a ver com tudo, mas porque o Fortis é o dono da Ocidental Seguros, Ocidental Vida, Pensões Gere e Médis Saúde, que têm muitos milhares de clientes em Portugal. O Millenniumbcp tem uma participação minoritária de 49% na holding Millennium BCP Fortis Grupo Segurador, proprietária daquelas empresas. A presença do Fortis nestes sectores de mercado em Portugal subiu para 16% em 2008.
Num ano de enormes prejuízos no sector bancário, foram os seguros que suavizaram as perdas do grupo Fortis, com um aumento geral de 5% no ramo Vida (valor influenciado pelo aumento de 29% das suas operações em Portugal) e no ramo Não-Vida com um aumento geral de 2% (ajudado pelo aumento de 9% em Portugal). Nos seguros de saúde, em Portugal, o aumento do Fortis foi de 13%.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário